segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Amores irreais e cartas de amor ridículas

Já foi há tanto tempo que me parece agora um sonho, algo impossível de me acontecer, agora que me pareço mais lúcido. Mas hoje, ao reler por acaso velhos diários, reencontrei esse Pedro do passado que viveu tantos amores impossíveis.

Os amores impossíveis são, ao mesmo tempo, engraçados! Pois, quem os vive, vive uma grande aventura onde ele é não só o principal personagem, o cenarista, o escritor, realizador, compositor, audiência, etc. "lança os foguetes e apanha as canas!"

Eu tive vários amores verdadeiros, que nunca passaram. Uns mais correspondidos que outros, mas, perante todos, eu me ajoelho com a veneração de um fiel que se ajoelha perante Deus: com um sentido de missão e dedicação total, sendo que, na prática, apenas posso mostrar um insignificante reflexo da luz que me anima por aqueles que amo. Aí incluo, na primeira fila, os meus pais e irmãs e aquelas muito poucas pessoas que partilharam o meu olhar mais profundo.

Mas o amor impossível não é o meramente não-correspondido ou impossível devido à distância, mal-entendidos ou outro contexto. Não vejo nada de errado em continuar a querer o bem a quem não nos ama. O pai e a mãe demonstram muitas vezes o seu amor nas fases mais difíceis em que o filho quer ser "independente", etc. Chamo aqui de "amor impossível", não ao amor meramente inconcretizável, mas ao amor de alguém que apenas parece existir, a uma "persona" que inventámos na nossa mente e projetámos sobre algum pobre coitado que agora tem de sofrer as nossas investidas como se de algo absolutamente mágico se tratasse.

Claro que temos todos um aspeto mágico: somos filhos das estrelas, compostos de triliões de células, com uma história que se entrelaça com praticamente todos os outros seres da terra e se estende até ao princípio do tempo, e capazes dos maiores sonhos, das maiores barbaridades.... claro que sim, cada um de nós tem um aspecto mágico. O problema é quando precisamos que aquela pessoa seja compreensiva ao ponto de compreender os nossos aspetos mais profundos, quando precisamos que seja sábia ao ponto de nos guiar, quando precisamos que seja bela ao ponto de nos encantar e deixar cegos de luz... Ah pois! Nem toda a gente é assim. Na verdade talvez não haja alguém assim. Se nem nós próprios, que nos conhecemos há tanto tempo, nos compreendemos, quanto mais os outros.

Mas, se nem toda a gente é assim, há muita gente a quem talvez consigamos enfiar a carapuça, ou meter a máscara.

Acho que só tive um amor impossível, mas foi tão intenso e durou tanto tempo (talvez 3 a 4 anos), que a gargalhada que agora dou ao olhar para trás, é verdadeiramente colossal! Pobre de mim, pobre dela. As coisas disparatadas que eu disse e fiz! As coisas que a pobre teve de sofrer vindas de mim. E no fundo até podíamos ter sido amigos. Éramos colegas de faculdade e nada havia que levasse a que fôssemos mais do que isso. E, no entanto, sobre a imagem daquela rapariga frágil e preconceituosa, cheia de mentiras que vestia como ideais, eu consegui projetar a imagem desse ser perfeito, dessa Deusa - companheira ancestral cheia de Luz e Liberdade - seríamos os companheiros ideais.

Como é possível que a ilusão tivesse durado tanto tempo? Bem, claro está, isto dos amores impossíveis torna-se mais possível se eles não se virem. E nós estivemos quase sempre afastados. O telefone não era suficiente para estilhaçar a máscara nem os parcos encontros pelos corredores da faculdade. De modo que a verdade só se anunciou por um enorme multiplicar de ausências e de silêncios, de incompreensões que, de tantas, se revelaram como tal. Ao fim de muitos anos de "amor impossível" aceitei a verdade - era tudo ilusão - e a face da jovem frágil, colega de curso, voltou surpreendentemente à minha memória e substituiu a da princesa etérea anterior. Finalmente lembrava-me dos seus traços reais, das coisas parvas que dizia das aulas e dos colegas, de toda a sua superficialidade. Não era uma má pessoa, muito pelo contrário, era uma excelente pessoa, e talvez até pudéssemos ter sido "amigos", com as devidas distâncias. Era aquela, frágil rapariga, tão distante do que eu era e queria, que me tinha servido para projetar o meu sonho!

E enquanto vivi obcecado pelo ideal, muitas realidades, infinitamente mais belas e enriquecedoras para mim, me passaram ao lado. Deixei fugir a beleza que estava ali, à mão de semear, tão infinita, tão diversa, para me perder na beleza projetada pelas minhas necessidades.

O cómico nisto tudo é toda a enorme intensidade de sentimentos, amor e ódio, necessidade e esperança, em doses descomunais, e depois ver como isto só existe na cabeça daquela pessoa (eu), e como teria sido tão simples desmontar todo o teatro e simplesmente apreciar o vento, o sol e o mar.

Por outro lado também é cómico ver a diferença entre a pessoa que é o objeto da nossa "obsessão" (não consigo chamar-lhe amor) e aquilo que vemos nela. Pois a distância entre ambas é tão abissal que é praticamente impossível levar a sério essa confusão entre duas coisas tão distintas. Apetece mesmo dizer: oh Pedro!, mereces bem o inferno em que te meteste!

Neste poema de 97 escrevi:

"Nos teus olhos encontrei a Beleza
de um tempo tão longínquo..."

Como eu gostava de voltar atrás no tempo e dizer: «Oh Pedro! A Beleza é real sim, e continua cá, está a toda a tua volta: "como os medicamentos estão nas plantas" (Paul Simon), é preciso apenas sabê-la destilar. Mas essa miúda, deixa-a ir em paz... Essa miúda não é uma feiticeira (Jorge Palma), nem sequer tem muito a ver contigo: és tu o feiticeiro que distorceste a sua figura no teu olhar. Open your eyes! Open your eyes and see: the Beauty is all around you, it is boundless, it is within you and it transcends you...»

Enfim, felizmente tive também grandes amores. Aliás, tive amores de todos os tamanhos e feitios. Essa colega acaba também por ser um daqueles amores que colocamos entre os amigos e os conhecidos. Em relação a todos esses Gigantescos, médios e pequenos amores, espero que nunca deixem o meu coração. Quanto às ilusões, só mesmo para rir mais tarde!

Em suma, nem todas as cartas de amor são ridículas. Mas as que o são, são mesmo muiiiiito ridículas!

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