segunda-feira, 4 de agosto de 2008

...ahhhhh!!...

O mundo pode fazer muito mais por nós do que nós podemos fazer por ele.

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É certo que cada gesto de cada ser vivo poderá ter repercussões até ao fim dos tempos, que serão por vezes amplificadas à medida que o tempo passa. Por exemplo, a humanidade inteira não existiria se um único coito não tivesse ocorrido há milhões de anos atrás. E não foi apenas esse coito, foram precisos biliões de coitos, exactamente iguais, até ao mais ínfimo detalhe para estarmos hoje aqui os dois: tu e eu.

No entanto, apesar da enormidade das consequências dos nossos mais pequenos actos (a maior parte dos nossos gestos, mesmo os mais pequenos, terão uma infinidade de consequências até ao fim da história do nosso planeta ou mesmo para além disso (caso haja seres vivos que emigrem daqui para outros sistemas solares, por exemplo), o mundo é tão incompreensivelmente enorme, gigantesco para além dos nossos mais extravagantes sonhos, que tudo o que possamos fazer é menos do que uma gota de água num gigantesco oceano. Se bem que os nossos gestos tenham consequências, essas consequências diluem-se no tempo há medida que vão sendo misturadas com biliões de biliões de outros factos e eventos. Por isso, certamente que um único coito no passado longínquo modaria a face de cada ser humano (e talvez da maior parte dos seres vivos) no planeta. Se andássemos suficientemente para trás no tempo, uma pequena diferença num único coito, faria com que não existisse um único ser vivo dos que agora existem. Nem eu nem tu, nem ninguém que conheçamos ou de que ouvimos falar, nenhuma das personagens da história. Tudo seria diferente devido a apenas um único ai ou ui diferente há biliões de anos atrás. No entanto provavelmente a história do planeta seria muito semelhante. Haveria certamente mamíferos, peixes, aves, tudo estaria coberto de vida, desde as plantas, aos aracnídeos, a festa da vida seria a mesma. Eventualmente apareceria vida inteligente, alguns milhões de anos antes ou depois, o que interessa? Talvez a linhagem fosse diferente, talvez fossem vegetarianos a alcançar a inteligência, ou predadores sanguinários. A história do planeta seria diferente nos detalhes mas não na aventura, não no prazer, não na infinita variedade, não nas suas linhas centrais de abertura à consciência.

É neste sentido que qualquer um de nós tem pouco ou nada a oferecer ao mundo. Existem sistemas planetários a perder de vista, certamente um número de civilizações inteligentes maior do que o número de seres humanos que alguma vez habitaram o planeta. Se tivéssemos nascido numa nébula, na companhia de muitas estrelas e sistemas planetários, certamente que teríamos contacto regular com outras civilizações extra-planetárias. Mas nascemos num sol algo isolado e é pouco provável que seja fácil para nós manter um contacto frequente com essas civilizações. Estamos demasiado longe. É claro, há medida que as nossas ondas hertzianas se forem espalhando para o espaço (como no livro Contacto, de Carl Sagan) estaremos a emitir como uma espécie de farol que grita: «há vida inteligente aqui!», mas é questionável que na balbúrida do universo, com tanta incontável vida, haja alguém realmente interessado em nos conhecer. Fazendo uma analogia, é como se tivéssemos nascido numa ponta qualquer do oceano onde houvesse pouca vida, e muitos de nós pensássemos até que éramos os únicos seres nesse oceano que podíamos ver como gigantesco. Mesmo que as nossas actividades fossem gerando cheiros e sabores que indiciassem a nossa presença a outros seres, porque se haveriam eles de interessar por nós? Teriam as suas próprias actividades, aventuras, comunidades, sistemas de pensamento e objectivos onde nós, provavelmente, encaixaríamos mal ou pelo menos de forma imprevisível. Só os seres mais curiosos os famintos estariam talvez dispostos a mudar as suas rotinas para nos encontrar e se darem ao trabalho de nos confrontarem e compreenderem.

Apesar da nossa solidão, é certo que vivemos num mundo gigantesco, para lá da compreensão ou da imaginação humana. Talvez um dia possamos aproximarmo-nos mais de o compreender, quando a cibernética aumentar ainda mais as capacidades da mente humana. Em todo o caso para já parece inconcebível que algum ser consiga abarcar o que existe. Por exemplo, só em termos de música, em apenas algumas centenas de anos o homem assistiu a criações tão diversas como as de Gerswhin, Wagner, Vivaldi, Mozart, Black Eyed Peas, os Beatles, Bob Dylan, Strauss, Holst, Vangelis, Elis Regina, Paul Simon, Ney Matogrosso, Trovante, Amália, Regina Spektor, U2, Céline Dion, Gabriel o Pensador, Vitorino, Louis Armstrong, Bob Marley, The Doors, Steve Reich, etc. A própria lista de músicos é gigantesca. Se víssemos apenas a lista de músicos de que há memória, certamente seriam precisos muitos volumes para conter apenas os seus nomes. Mas seriam precisas muitas vidas humanas para conhecer apenas uma música de cada um dos autores. E nem se sabe o que seria preciso para que alguém conseguisse imaginar a vida ou estado de espírito de cada um deles a partir das suas músicas.

Há ainda o caso da literatura, da pintura, da ciência e da filosofia e, se fosse possível ver a história do mundo como a de um filme, poderíamos ainda dar-nos ao luxo de ver cada uma das pessoas em cada um dos seus momentos. Acompanhar também os canários e piriquitos nas suas aventuras, entrar nos seus mundos interiores e saborear, compreender, os seus objectivos e medos, sensações e sentimentos, prazeres e emoções.

Por aqui é fácil de compreender que seriam precisos milhões de anos para um ser humano, ao seu ritmo actual de aprendizagem, para se pôr a par do que tem acontecido pelo universo. É claro que só orgnismos ciebernéticos com prazos de vida de vários milhares de anos ou mais, e com ritmos de aprendizagem e graus de compreensão muito superiores, poderiam sequer ambicionar a compreender uma parte substancial do que nos rodeia. Ao homem isso aparece como um sonho tão impossível e longínquo, que só pode ser apresentado à generalidade dos homens actuais como uma bizarria da imaginação. Mas para seres mais inteligentes (que estarão com toda a probabilidade no futuro deste planeta, e de quem nós podemos até ser também progenitores) poderá ser um objectivo prático a atingir. Por exemplo, se o homem não se destruir entretanto (em nome de Deus, da paz e do amor, etc) é bem possível que dê origem a organismos cibernéticos cada vez com maior tempo de vida e maior capacidade intelectual. Quando se chegar à fronteira dos milhares de anos, quando a nossa memória puder abarcar milhões petabites de informação, quando formos tão flexíveis que sejamos capazes de compreender a beleza divina tanto de Mozart como dos Black Eyed Peas, então estaremos preparados para começar a empreender essa maravilhosa fronteira que é a de ler o mundo que nos rodeia, a realidade que está à nossa volta, com menos fronteiras, com menos limites.

Para esses seres o mundo será algo maravilhoso, cheio de diversidade, muito mais complexo do que o que podemos imaginar. Para muitos seres humanos actuais e outros animais, o mundo é algo chato e cinzento e sempre igual. Não conhecem as aventuras emocionais de Göthe e Herman Hesse, não mergulharam nos dilemas existenciais de Patrick Süskind, não viveram a força de Thomas Mann, ou a libertinagem de Henry Miller, a sensibilidade de Anaïs Nin ou a sensibilidade de Jane Austen, e ainda menos talvez a aguda atenção do gato da vizinha, vivência lúcida mas silenciosa e mais intransponível que a de Anaïs Nin. Ou a da vontade de agradar do cãozinho do outro vizinho, ou a alegria do pardal esvoaçante, o agudo prazer da andorinha malabarista, o sorriso levantado ao sol da flor, o estado da pedra, crescendo e movendo-se a um ritmo extraordinariamente mais lento do que nós, à escala geológica. Tudo isso e infinitamente mais nos vai passando ao lado, e então acreditamos numa vida cinzenta e triste, onde os dias passam sempre iguais. Mas é o nosso cérebro que está bloqueado à beleza que existe, à diversidade que não cabe num lugar pequeno, num pensamento triste.

Neste mundo absolutamente bombástico de luzes e cores e sabores e sentidos e histórias, acontecimentos, percursos, sensações, emoções... Neste mundo imenso parece que nos perdemos. Qual é afinal a nossa escala, a nossa importância, o nosso peso, o nosso papel? Aquele certamente que soubermos e quisermos ter. Mas certamente um infinitamente pequeno e insignificante. Mesmo o maior imperador do maior planeta não afecta praticamente nada do que existe. Olhando para as galáxias que se estendem a perder de vista, esse encimado ditador, cujo reinado se poderia estender por milhares ou mesmo milhões de anos, nunca seria conhecido, os seus gestos nunca seriam sentidos por praticamente 100% do que existe. Não seria exactamente 100% mas apenas 99,99999999...%.O que é certo é que tudo continuaria. Não apenas noutros mundos mas mesmos junto de si. Os fotões e protões e neutrões continuariam, impassíveis aos seus sonhos de glória, a movimentar-se segundo exactamente as mesmas leis, a gravidade, as forças moleculares ou mesmo da psicologia continuariam a ser as mesmas. O passado seria o mesmo, o futuro continuaria a ter o seu quê de imprevisível. A sua ditadura restringir-se-ia sempre a uma íinfima parcela do real: àqueles sistemas que estivessem feitos de maneira a obedecerem à sua vontade: fossem psicológicos, eléctricos, mecânicos, têxteis, biológicos, etc. A causa desse poder, no entanto, seria uma possibilidade desde sempre presente no próprio universo e, por isso, para lá do seu próprio poder. Ou seja, a origem do poder deste possível hiper-ditador não está no seu poder, escapa-lhe, transcende-o. Não lhe pertence, não a pode alterar. Antes lhe pertence e nasce e morre com ela. Por outras palavras, é filho do universo como tudo o resto. E só faz o que lhe é possibilitado por ele.

Mesmo o maior ditador é assim um mero filho do mundo, uma mera consequência de actos que vieram antes dele, e tudo o que fizer está limitado pelo que o universo permite. Possibilidades essas inscritas desde a origem. Nem o passado nem o futuro nem tão pouco o presente lhe pertecem. E, tal como a ele, também não a nós. Somos frutos do Universo, partes incessantemente mutáveis. Nascendo e morrendo da sopa cósmica que nos deu origem, nos mantém e nos vai engolir.

Temos pouco a dar, dada a nossa finitude, mas tudo a receber, dada a imensidão e complexidade e perfeição de tudo o que nos rodeia. Abramos portanto os olhos e os ouvidos, treinemos a mente, libertemos o espírito, deixemos viver o animal consciente e desperto que existe dentro de nós. Armados de tudo, intuição, sensações, mente, espírito, liberdade, vamos então à procura do mundo, vamos deixar que ele nos ensine, que nos desperte, que nos inspire, deixemos que nos guie e nos dê aquilo que nos quiser dar e que possamos receber. Tenhamos confiança na Existência que nos deu lugar.

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