quarta-feira, 22 de abril de 2015

Amar na civilização do pecado

Pode parecer muito bom amar na civilização do pecado. Afinal, se as pessoas estão sedentas de sexo e amor, sós e frustradas na intimidade, é relativamente fácil arranjar um/a companheiro/a.

E esse alguém vai ficar muito dependente de nós!

Glória, glória! Aléluia!

Alguém só para nós, extremamente dependente, que precisa de nós, que seria frustrado/a sem a presença da "cara metade", ui!, o que poderia ser melhor?: a relação de amor vem com garantia de exclusividade, dependência e a promessa de ser assim para toda a vida. Ui! Que espetáculo!!


Que Felicidade, que Ternura!

O único problema é que...

A origem dos nossos males não está na falta daquela relação, mas sim na frustração geral que atravessa as nossas vidas. Nós não fazemos o que queremos, não realizamos os nossos sonhos. Escondermo-nos atrás de uma relação não resolve nada. Dá-nos, é certo, um grande conforto emocional durante bastante tempo, mas não dura muito. A vida, mais cedo ou mais tarde, apanha-nos e a frustração, vinda do passado, com origem já desde a infância, volta a ser visível. Então, normalmente, culpamos o outro, queremos sair, queremos ser outros, mas é demasiado tarde...



É quase impensável, nesta civilização do pecado (superstição e medo) que temos, imaginar o que é o amor entre pessoas antes da "queda", ou seja antes de comerem a maçã do pecado original, antes de terem vergonha de estarem nuas. Mas alguém que não sente vergonha do que sente, de estar nua entre os outros, de fazer amor com quem quer que seja, de se realizar, de sentir tudo, de ser tudo, de amar tudo, de pensar tudo, de experimentar tudo, com lucidez, com integridade, sem sentir sequer a sombra do pecado, talvez não possa senão chegar a uma conclusão, digo eu:


Porque quem não está agrilhoado só pode ver que é parte deste infinito e, reconhecendo-se nele, sentir a infinita beleza do todo...





Luz do sol, que a folha traga e traduz,
Em verde novo, em folha, em graça, em vida, em força, em luz.
Céu azul, que vem até onde os pés tocam a terra e a terra inspira e exala os seus azuis.
Reza, reza o rio, córrego pro rio, o rio pro mar,
Reza a correnteza, roça a beira, doura a areia.
Marcha o homem sobre o chão, leva no coração uma ferida acesa.
Dono do sim e do não diante da visão da infinita beleza,
Finda por ferir com a mão essa delicadeza a coisa mais querida:
A glória da vida.
- Caetano Veloso -











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