Podemos ser cuidadores…
Podemos ouvir e contar histórias…
Ser cuidador é essencialmente ouvir… ouvir o amor dentro de nós e a voz ou o coração que o procura. Também é responder habilmente… levar à religação, à cura, à integração no todo. Podemos ser cuidadores em primeiro lugar de nós próprios, mas também faz parte cuidar dos outros e também deixarmo-nos cuidar. Afinal, fazemos todos parte da grande família da vida e da existência. Estamos todos ligados e o sofrimento, o prazer e a vivência de uns é, foi ou poderá ser, também o nosso.
Contextos que permitem que sejamos cuidadores: estar! Conversas profundas e honestas, a dois, a mais de dois, connosco próprios… à mesa, ao telefone, no carro, na praia… às vezes basta um olhar, um gesto… para sentirmos que estamos a cuidar e ser cuidados.
Contextos que não permitem que sejamos cuidadores: quando apenas está a fachada do que nós somos ou do que os outros são.
O cuidado exige comunicação verdadeira e profunda. Por exemplo, no cuidado connosco próprios temos de estar abertos e atentos ao que verdadeiramente sentimos para o podermos compreender e lhe darmos resposta. O cuidado com o outro exige uma atenção total ao outro, num ambiente onde não há pressa nem tempo, onde toda a nossa experiência, tudo o que aprendemos ao longo da vida, está ali à disposição para levar à religação desse ser, com o que de mais valioso lhe faz falta. O cuidado é uma dança entre um ouvir e responder, ambos igualmente atentos, ambos igualmente imbuídos de amor e empatia.
Uma sociedade, para ser eficiente, não precisa de amor, basta obediência. As formigas não precisam de muito amor para trabalharem bem em grupo, nem uma formação militar. E é mais fácil um conjunto funcionar de forma previsível quando cada uma das suas partes se comporta de forma previsível, o que quase nunca acontece quando nos deixamos guiar pelo amor. A verdade, por ser tão complexa, tem o mesmo papel de tornar os comportamentos menos previsíveis e manipuláveis. Portanto uma sociedade baseada em superstições e desejos irracionais mas constantes, é mais fácil de prever e manipular. Do ponto de vista da selecção natural, é provável que sociedades humanas facilmente manipuláveis e dirigidas à expansão vão suplantando outras, precisamente por serem mais expansionistas, usarem mais recursos, terem mais poder militar, etc. E a sociedade em que vivemos é assim, alimenta a nossa solidão, e alimenta-nos de superstições e remédios para os sintomas da solidão, que nos deixam sós na mesma mas nos dão a ilusão de estarmos a viver coisas maravilhosas.
A TV ensina-nos a ouvir sem falar. Vemos e ouvimos eventos de grande intensidade emocional na TV, sejam notícias, novelas ou futebol, a intensidade é enorme e agarra-nos, leva-nos ao deleite, à tristeza… faz-nos viver… viver uma vida que não é nossa, sobre a qual não temos qualquer possibilidade de ajudar. Somos expectadores, aparentemente activos, porque queremos ajudar, a eliminar aquela fome em África, a repor a verdade naquela intriga novelesca, a defender ou a marcar o golo naquele jogo magnífico… mas estamos apenas sentados no sofá… de facto não estamos a ajudar ninguém, nem a nós próprios… a TV é uma ilusão que nos esconde da nossa própria solidão… mas raramente nos ajuda a vencê-la… raramente nos dá ânimo ou nos faz sentir o desejo de sair da tela e ter conversas de verdade… de recuperar ou vivermos mais no nosso lugar de cuidador…
O Facebook ensina-nos a falar sem ouvir… Em primeiro lugar sem nos ouvir a nós mesmos, porque as histórias que têm mais “gostos”, e mais comentários, raramente são aquelas que falam do que sentimos, a sério, profundamente, naquele momento. E de resto não faria sentido partilhar com o mundo os detalhes da nossa vida que só quem está verdadeiramente próximo sabe e merece ouvir. O que partilhamos então senão a intimidade? Em geral duas coisas: eventos importante da nossa vida e os nossos ideais.
Partilhamos eventos importantes, por exemplo, partilhamos o sucesso para darmos satisfação a quem gosta de nós e para percebermos quem gosta de nós (quem fica contente por estarmos bem). É uma forma de publicidade, não é uma forma de cuidar. Partilhamos também os nossos ideais para tentar levar as pessoas a ter uma vida que nós achamos que é melhor (por exemplo eu partilho coisas sobre o veganismo porque acho que leva a mais felicidade para todos). Mas isso também não é cuidar, é formatar, é vender. Mais uma vez é publicidade, desta vez não a nós mas aos ideais.
Claro que ambas muitas vezes surgem do desejo de cuidar. Mas o cuidado verdadeiro é amoroso e atento: dirigido a algo em particular. Isso por vezes também acontece nas redes sociais, por exemplo quando há uma tragédia e se utilizam as redes sociais para localizar pessoas. Mas publicidade não é amor. O amor exige ouvir. E quando ponho aqui coisas sobre veganismo eu não estou a responder a uma necessidade de quem me lê… Porque eu nem sequer sei quem é que me está a ler.
As redes sociais, tal como a TV, não nos convidam a cuidar. Convidam-nos ou a ser espectadores (caso da TV) ou publicadores (caso das redes sociais).
Claro que é possível usar as redes sociais para cuidar, a possibilidade de comunicação profunda, autêntica e real está lá, mas sem um canal rico de comunicação (sem voz, sem linguagem facial) não é fácil. E quem é que lê estes textos enormes!! ^_^
Por isso, aqui fica a minha publicidade de hoje (mais uma tentativa de cuidar, com pouca probabilidade de sucesso): Se queres cuidar e ser cuidado, vai e está com os outros, quanto mais presencial melhor. Não há substituto para essa presença, a dois ou a muitos. Até mesmo a presença connosco próprios, o cuidado connosco próprios, é mais valioso do que ser um mero espectador ou publicitador ou consumidor de verdades feitas, incluindo esta!
Porque é que cuidar é importante?! Porque nascemos amantes, amando o momento, o peito materno nascendo num abraço carinhoso e o sorriso de quem nos aceita, a brincadeira, a liberdade, a oportunidade de experimentar mil e uma coisas, amando tudo o que reconhecemos como sagrado… Porque au longo da vida nunca deixamos de procurar dar e receber amor; por isso só nos sentimos verdadeiramente livres e realizamos quando cuidamos, de nós próprios, dos outros e do mundo. Quando somos expressão livre do amor. Mas acho que é importante perceber que o centro do cuidado começa em nós próprios. Enquanto não cuidarmos muito bem de nós próprios, enquanto não nos sentirmos e formos realmente muito bem cuidados (e porque não por nós próprios?), dificilmente deixaremos de ver os outros como apoios para as nossas inseguranças, mágoas, necessidades, etc. E ir buscar o nosso apoio central aos outros não só não é cuidar como limita a nossa capacidade para cuidar!
Afinal só podemos dar aquilo que temos e se não temos amor não o podemos dar. Por isso, em geral, toda a viagem do cuidador começa com o cuidado consigo próprio, compondo o que está mal, alinhando tudo em nome do que se considera maior. Tornando-se cada vez mais o que, verdadeiramente e profundamente, se acha que se deve ser. Até que o que somos seja uma expressão, não do que nos ensinaram a querer ser, mas do que, verdadeiramente, sem teorias, queremos ser.E isso começa com um primeiro passo: aceitação.
Portanto estamos minados de ideias sobre como viver, o que sentir, o que desejar. Enquanto formos ou tentarmos ser essa máscara, essa estátuta esculpida de ideias e ideais, nunca nos vamos conseguir amar. Estaremos a tentar agradar aos outros e não a nós mesmos. Haverá sempre uma voz dentro de nós a dizer que não deveria ser assim. Portanto também poderíamos dizer que o primeiro passo sendo a aceitação leva, gradualmente ao cumprir daquele princípio: "Conhece-te a ti mesmo!" pois só quando nos conhecemos verdadeiramente podemos cumprir aquilo que queremos verdadeiramente ser e, consequentemente, amarmo-nos.
E, da fonte desse amor próprio, fruto talvez de uma sensação de conexão e sintonia com tudo e com todos, com o todo, surge então o amor pelos outros e a vontade e capacidade de cuidar, sendo feliz e transmitindo felicidade. A partir daí... a Vida começa.
Se queres ser tu próprio, vencer o isolamento e a solidão, sai de casa e abraça, ouve com atenção e deixa o amor que existe dentro de ti falar e ouvir. Acima dos conceitos estás tu e os outros, o reino do coração! Procura os outros, não na tela, mas na presença viva, no toque, na dança, no abraço… E só a prática terá valor. Só saindo daqui poderás reconquistar a tua liberdade e o amor que tens para dar e receber, o que se aplica também a mim!
Como diziam os tribalistas:
“Só me falta sair…”
https://www.youtube.com/watch?v=-OPVl6kiN8I
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