quinta-feira, 24 de abril de 2008

Ser Um com Tudo

Em certas noites transparentes, quando olhamos para as estrelas, parece ouvir-se uma Sinfonia Cósmica que fala de infinitos mundos de infinita diversidade, mas de trama comum. Um Universo que é uma escola do Amor.

Ah como eu gostava de ser uno com os peixes do mar e as aves do céu, de beijar os caracóis nos cornichos, de almoçar com sanguessugas, de me agarrar contra ventos e marés com as carraças, de saltar alto e ágil com as pulgas, de ser espião infilitrado com os vírus, de brincar e fazer amor o dia todo sem pressas como os golfinhos, de brincar com os leões bebés e de descansar com as preguiças, de ser, estático, a beleza, com as estrelas do mar, de ser onda explodindo ao sol no Oceano, de ser Nuvem, de ser Estrela, Horizonte e buraco negro ou galáxia...

Mas os pássaros cagam-me na cabeça, os caracóis encolhem-se quando lhes toco e a generalidade dos bichos fogem ao ver a minha carantonha medonha. É uma tristeza. Quando olho para uma árvore compreendo as limitaçõs do meu cérebro, pois nada da sua complexa estrutura me é evidente... Nem os líquidos que a percorrem, nem o súbtil método através do qual transforma a luz do sol em crescimento, nem o que anima as suas folhas, ou faz das suas raízes algo tão vital. Tudo me escapa, até as nuvens nos seus hipercomplexos processos que a turbulência cria e que nem o mais avançado computador poderia recriar com a precisão infinita que, de facto, as anima. Tudo me escapa, sou um mero macaco sem pelos, um boi a olhar para um palácio, estou afastado de tudo, perdido de tudo.

Pressinto mas não sou... a minha mão, o meu gesto, o meu pensamento, são meras fronteiras. Só o coração e o que está para lá dele é capaz de se pressentir Uno com o Cosmos. E de desejar o Impossível...

segunda-feira, 21 de abril de 2008

A morte do meu pai

O meu pai faleceu a 14 de Abril, às três da madrugada. Foi o fim do martírio que o atingiu de surpresa dia 26 de Agosto de 2007. Muitos meses de dor e muito carinho e proximidade com os filhos e a muito amada esposa. Meses de despedida, meses de celebração da sua companhia, de saborear cada momento, cada gesto, cada parte do seu corpo que se despedia também...

(o meu pai e irmã dia 17 de Out de 2007)

Na missa do velório disse mais ou menos isto:
"Foram-me concedidas muitas bênçãos na minha vida, mas sempre disse e senti que a maior de todas foi sem dúvida a minha família, e sobretudo a minha mãe e o meu pai, que Acreditaram em mim e, dando-me tudo o que tinham, me permitiram ser o que sou.
De todas as pessoas que conheci e de que ouvi falar, mesmo em livros, o meu pai foi a mais Apaixonada, pela mulher, pelos filhos. Deu tudo o que tinha em nosso favor, em nome do Amor, em nome do Seu Amor, em nome do nosso Amor.
O meu pai foi para mim sempre um grande exemplo de abnegação, de despojamento, mas, nestes últimos meses conseguiu surpreender-me ainda mais, pela sua coragem, pois, mesmo vendo-se a morrer lentamente, com as suas capacidades físicas e mentais a desvanecerem-se, ainda assim pensava sobretudo em nós, e pôs a nossa vida à frente da sua.
Sinto-me muito Grato, com muita sorte, por ter tido como pai alguém que me deu um tão elevado exemplo, por ter podido privar com ele em tantos anos e, tão intensamente, nos últimos meses. Espero conseguir um dia ter a sua capacidade de abnegação."

Aquilo que não disse no velório é que não senti qualquer perda. O meu pai voa algures nos mares ou céus do Mundo e eu voo com ele, as nossas asas batendo a ritmos diferentes, mas lado a lado, no mesmo céu. Não nos vemos com os olhos do cérebro, mas sim com os olhos da alma, que o coração pressente e de que os subtis eflúvios da emoção dão o sinal aparente e interiormente visível.

Pai, não preciso de te dizer que estás presente e que para mim não morreste. A nossa relação continua, mesmo que em outras esferas.

A experiência do funeral, ao contrário da da morte, foi enormemente pesada. Aí se encontraram pessoas, todas a dizer não, em coro. Não ao facto porque cada vez que nos agarramos ao que possuímos negamos a inevitabilidade omnipresente da morte; não à presença, que isto dos fantasmas e espíritos desencarnados assusta muita gente. É que os fantasmas vêem até ao íntimo, não é possível mentir-lhes, fazer-lhes face: eles olham directamente o coração e vêem mesmo aquilo que não quereríamos mostrar nem a nós próprios. Quem tem algo a esconder é bom que não acredite em fantasmas.

Então o funeral é a procissão daqueles que, indo também eles morrer, um dia, negam essa morte e maldizem-na. Tentam fugir dela como "o diabo da cruz". E dizem "foi um grande mal".

Que grande drama é um funeral...

Meu Pai, sei que também tu anseias pela experiência física que tiveste, e respeito os teus apegos, mas espero que agora, estando morto, desenvolvas ainda mais a tua visão, de modo a estares cada vez mais presente e perto daquilo que amas.

"Não há longe nem distância..."

-------"Não há longe nem distância"

--------------"Não há longe nem distância"

Tudo o que deixamos viver no nosso coração vive connosco, abramos portanto o nosso coração: a Separação é ilusória.

Por outro lado a experiência do funeral foi uma experiência lindíssima de pessoas que se tentavam confortar e apoiar mutuamente numa altura de sentida tempestade. Aos familiares e amigos que vieram ou telefonaram e se fizeram sentir por outros meios, o meu Obrigado em meu nome e em nome da minha mãe e irmãs, pois sei bem o quanto significou para nós a vossa Presença, o vosso Amor, a vossa Força, o vosso Abraço como que dizendo: não vos deixais superar pela crise, estamos convosco e juntos permaneceremos, pois é esta junção, este dar os braços, esta Amizade, que nos permite superar tudo e suportar as dores mais fortes da vida.

É por isso que os amantes apaixonados querem estar sós e na dor precisamos do Abraço... a Dor quase infinita da Morte aproxima-nos do véu da loucura, do qual a companhia dos braços solidários nos vêm salvar, mantendo-nos seguros, a são e salvo, perante o Abismo, a Enormidade, da Vida.

Depois do funeral veio a cremação. Senti o meu pai voar nessa altura, se já antes se sentiam as suas asas alegres ecoando nos espaços da Eternidade, agora era o riso também que se desprendia de um corpo que se esvaziava em cinzas.

Depois do magnífico apoio deste dia de amigos e familiares veio o vazio da solidão. Bom também para poder contemplar e integrar tudo o que passou. Nos dias que se seguiram fomos à funerária e entrámos em contacto com a comédia que rodeia a morte. São as contas bancárias bloqueadas, é o imposto que a minha mãe terá de pagar por uma casa que é dela, são as infindáveis quantidades de papéis que é preciso apresentar (incluindo uma planta aérea da casa a pedir na Câmara Municipal), etc. Ou seja, é a burocracia a salvar-nos do peso de termos de pensar e encarar o inevitável. E depois há outros pormenores, "a urna é biodegradável" e não convém deitar o pedacinho de metal fora pois "pode dar à costa". Enfim, morre uma pessoa para isto, burocracias, urnas biodegradáveis e preocupações materiais.

Tudo é importante, eu sei, mas sei sobretudo o que Amavas meu Pai, porque viveste: em nome de nós, a tua mulher e filhos, em nome do Amor...

disseram-me que aquilo que disse no velório reflectia uma experiência comum, que retractava tantos (talvez todos os) outros pais do mundo, "o meu pai também era assim - isso que disseste foi também o que senti". Que surpresa! Ainda bem! Fico muito contente por isso!! Mas eu só te conheço a ti meu pai. Dos outros terão de falar quem os conhece intimamente, o meu coração está contigo!!! Vivemos tanto tempo juntos e sei que me agradeces também o pouco que te soube dar. Espero que me perdoes não te ter dado mais. Não ter estado mais tempo contigo, não ter sabido olhar-te sempre de maneira a ver o teu amor e o que te animava intimamente. Pois... também houve aqueles dias em que não nos entendemos assim tão bem.

sabes, guardei a tua máquina de barbear, usei-a e senti o teu cheiro na minha pele, parecia que estávamos juntos, mais uma vez. Aqueles passeios em Sintra, pelo campo, aqueles dias em que me dizias: "daqui a oito dias voltamos" (só hoje percebo que eras sincero!) e que eu não queria que acabassem nunca. Lembras-te, eu lembro-me, daquelas viagens em que atravessávamos o Tejo, em busca dos pasteis de bacalhau de Cacilhas? Queríamos na verdade era estar juntos a contemplar o Mar e a Maravilha da Existência.

Que maravilhosos Abraços demos, com que maravilhosos beijinhos nos cumprimentávamos na face... Com que olhar cheio de Espanto contemplava e me lembro do teu Maravilhoso Olhar... por vezes tão sorridente, parecendo querer acreditar num mundo cheio de Paz e Companhia... Trouxeste essa Luz ao nosso mundo muitas vezes, sei que estás Grato também por tudo o que viveste, por tudo o que aprendeste. Disseste há pouco tempo que tiveste muita sorte porque, "nunca tendo tido muito de cabeça (nunca pudeste estudar), tive mesmo muita muita sorte com a minha mulher". Todos nós vimos como tu a amavas, e se estivesses cá hoje, sei bem que dirias que foi o teu maior amor, e por ela darias a vida e tudo, e a ela te consagraste inteiramente (nem sempre da melhor maneira, mas da maneira que sabias) e não estás nada arrependido pois não? Pois claro que não. Sabes que tiveste tanta sorte por a teres nos teus braços... quanto mais dores viverias, quanto mais martírios sofrerias para a veres mais uma vez? Para sentires a sua mão na tua mão mais uma vez?

Darias muito, sofrerias muito, para nos veres mais uma vez. Estás Grato por nos teres conhecido daquela maneira, naquele mundo, naquele bocadinho de espaço-tempo que foram as nossas vidas em conjunto. Sei que nos amas, que nos admiras, que sentes por nós o fascínio de "uns filhos que não há palavras para os descrever de tão bons que são", "um filho que merece tudo", "uma mulher maravilhosa"... Gostaria que tivesses a tua voz, sou um péssimo tradutor de quem partiu, sei que quererias dizer mil coisas, de falar de tudo o que te agradou: dos passarinhos que voam e poisam belos nas árvores apreciando o Sol. Dos dias em que ele se esconde atrás das árvores e nós passeamos no calor dos dias amenos passados na descoberta de pequenas coisas, do grilo, da semente e do pássaro que canta para encantar, de como amas este mundo cheio de coisas simples mas cheias de maravilha e de como gostarias que todos vivêssemos em Paz. Sei ainda como o teu maior desejo é que sejamos Felizes, que olhemos a tua morte não como um Adeus mas um "Até Já", e como queres que fruamos ao máximo do que nos resta das nossas vidas. Sei que a melhor maneira de respeitar o teu último desejo seria o "carpe diem" - aproveita o dia, o tempo, o melhor possível, Sê, Desfruta, faz florir esse Amor que está guardado em todos à espera de renascer em cada momento.

Dizes-me: Traz dos Mares, da sua Enorme Beleza, Esperança que Acompanhe os Homens, são todos Guardiões do Ser e de Mistérios e de pequenas coisas, e tudo isso é apenas Amor e nós viajantes nele. Dirias ainda: vai meu filho, Busca o que vieste Buscar, não desistas não desperdices o que te foi dado... Eu parti, mas tu continuas, e deves continuar... é o teu dever. Deves cumprir esse Amor que te alimenta... São as coisas Belas da Vida que nos alimentam... Procura-as... Aproveita a Vida, aproveita, tudo de bom que tem para te dar, aproveita meu filho, aproveita... e dá tudo o que encontrares a quem precisar...

E muito mais dirias...

Um dia voltaremos ao teu encontro, até lá

-------não te digo Adeus,

--------------tens o meu Coração Aberto

--------------sempre que quiseres Voltar!!

--------------e pelos meus olhos podes ver mais um pouco deste Mundo...

------Um Abraço Eterno

Jan Saudek

O fotógrafo do desejo...

This Star is Mine, Jan Saudek, 1975














domingo, 20 de abril de 2008

O despojamento

Quem se despoja não despoja os outros das suas posses: riquezas, segredos, cruzes, amores...

Pelo contrário, respeita-os, celebra-os:
Nada tendo de seu, abre um vazio, onde tudo flui:
os anseios de todo o mundo dançam dentro de si,
incluindo os do seu próprio veículo, caminho, viajante...
Fragmentos, facetas visíveis do invisível.

Sem posses terá como identidade o indefinível olhar,
talvez a ponta do icebergue de outra coisa qualquer,
e tudo o resto será emprestado - viagem.

domingo, 6 de abril de 2008

Paixão e apego aos resultados

Querer que as coisas sejam de determinada maneira é uma receita certa para ficar "contra-corrente". O mundo vai numa direcção e nós noutra. Quem ganhará no fim?

Estar preparado para tudo, compreender que nada há a ganhar, nada se pode perder, que tudo é transição e mudança, que o essêncial é eterno e sempre presente, é uma receita para a felicidade, para o Eterno Paraíso que tudo é e desde sempre foi e que negamos impondo a nossa pobre voz à Sinfonia do Mundo.

Mas esta aceitação radical tem de ser compatível com a paixão, com a integridade e autenticidade do ser que leva a que certas coisas e não outras sejam intensamente desejáveis. Essa paixão surge da própria aceitação. Pois aceitar não é apenas aceitar algumas coisas, o que vem do exterior ou o que vem do interior. É aceitar a raiva, a injustiça, o justiceiro, o passivo, o sado-masoquista, quer venha de dentro ou esteja ao nosso lado. Isso permite-nos expressar a nossa natureza o melhor possível, em comunicação o mais total possível.

Paixão sem apego.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Pergunta indescreta

Oh Sra Catequista, será que o Menino Jesus, quando mamava o seio de Maria, lhe faria doer o mamilo, ou, sendo o Senhor, arranjaria maneira de só lhe dar prazer? Ou, sendo ela tão pura, nem sentiria dor nem prazer? Como mamaria o Senhor, sendo certo que mamava de forma perfeita? E como daria o seio Maria, sendo certo que o daria de forma perfeita?