quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Já agora... um poema do Al Berto

Que a maquinaria do mundo te sorria e que o tempo se abra para ti como o solo, a água e a luz para uma flor.

Sequências causais dão forma ao nosso corpo, à incrível maquinaria que nos faz despertar, pensar, adormecer outra vez... Enquanto ela funcionar também nós funcionamos, e connosco tudo o resto, plantas, animais e sistemas sociais, planetas, estrelas e galáxias, tudo continua. Pelo menos para nós. Quem sabe se o Universo para, entre cada momento, durante incontáveis biliões de anos, onde civilizações alienígenas, que nos olham de fora, estudam cada passo, como alguém que aprecia um poema. Mas para nós é indiferente. Quer passe um bilião de anos ou quase nada entre este momento e o próximo, aquilo que sinto dele, da passagem do tempo, é o que o meu cérebro mo permite.

Sou conjunto de neurónios, a persona que dá voz a este amontoado de triliões de células, que coabita com outros da mesma espécie, que escreve, que dita, que ouve, que aprende, que ensina.

Tenho uma "identidade", um caminho, um percurso feito e outro a fazer... Existo como ser social, personalidade... Persona, essa máscara tão fácil de entender, de imaginar, de esculpir. Tão diferente do mar complexo, criado por biliões de anos de tentativa e erro, que realmente sou, e cuja verdade só se mostra na doença, no desfalecimento da máscara...

Já agora, um poema do Al Berto...

"amo as águas no instante em que não são do rio
nem ainda pertencem ao mar
árduas planícies rosto incendiado pesando-me nos ombros
hirto... tatuado no entardecer de magoada cocaína

leio baixinho aquele poema Eu de Belaflor
nocturna sombra do corpo embriagado
fogos por descuido acesos no humido leito de juncos
altíssima margem... inacessível noite de Florbela
e o soneto dizia:

Sou aquela que passa e ninguém vê
Sou a que chamam triste sem o ser
Sou a que chora sem saber porquê

apesar de tudo conheço bem este rio
e o cuspo diáfano do coral o sono letárgico
os ternos lábios das grandes bocas fluviais

sinto o rigor das plantas erectas as vozes esparsas
os corpos de ouro enleados na violência das maresias
junto à foz de meu insegura desaguar... contínuo sentado

escrevo a desordem urgente das horas...medito-me
cuidadosamente o tabaco amargo pressente-te na garganta
e no fundo inóspito do corpo desenvolve-se
o desejo de fugir

espero o cortante sal-gema das ilhas... a ilusão
de me prolongar na secreta noite dos peixes
adormeço
para que estes dias aconteçam mais lentos
nas proximidades inalteráveis deste mar"

poema de Al Berto

Em toda esta maquinaria
ouve-se uma respiração,
para dentro, para fora,
para fora, para dentro...

É como se fosse uma música,
de beleza diáfana,

na qual nos entregamos,
choramos, gritamos,
gememos, ora de dor, ora de prazer...

Na maquinação vivemos,
como flores crescemos,
pela liberdade nos opomos
e nascemos
pelo amor crescemos
pela beleza somos guiados
a uma realidade mais profunda,

Um sabor que não se deixa dizer
que não é possível transmitir
mas que a dança da respiração
entre o dentro e o fora
traz, por vezes até ao orgasmo...

1 comentário:

da. disse...

..e é esta máquina que vivemos..e que somos..que nos devora..todos os dias..todos os dias..todos os dias...