Para os ingleses um gentleman é um homem que é "gentle", ou seja, gentil, suave, delicado e atento em tudo o que faz. Em português temos uma palavra para este género de homens: chamamos-lhes larilas ou maricas. Um homem sensível em Portugal é conotado com uma orientação sexual: se fala baixo, é delicado, sensível, só pode dar para o mesmo lado.
Os ingleses não parecem fazer a mesma associação. Pelo contrário, um gentleman, em Inglaterra, é considerado o expoente máximo da boa educação, da cortesia. Em geral será uma pessoa ilustre, pelo menos quanto aos modos.
O que pode explicar esta diferença? Bem uma das razões é esta: os ingleses têm uma tradição de guerra, lutas feudais e outras, foram conquistadores do mundo inteiro e a sua armada, marinha, etc, faz sentir a sua presença por todo o lado. Têm armas nucleares prontas a disparar de submarinos. São uma grande potência. Por isso, quando um homem inglês é gentil, delicado, ele mostra cortesia, pois limita o seu próprio poder perante o enorme poder que a sociedade a que pertence tem ao seu dispor.
Essa "gentleness", essa delicadeza suave é, portanto, bem vista, pois está integrada, faz parte, de uma força brutal que ninguém põe em causa e que pode ser desencadeada a qualquer momento. A delicadeza, na cultura inglesa, não é imediatamente vista como um sinal de fraqueza, pois é ela que permite, na integração social, o enorme poder do todo.
Em Portugal o mais próximo que temos disso é a "camaradagem" no exército, futebol e assim. Aqui, um tom mais suave, um sorriso, um abraço amigo, um tom conciliador, uma linguagem simpática, já não é visto como um sinal de falta de força. Mas a camaradagem é restrita a circunstâncias sociais onde o grupo tem muito poder. Por exemplo, é bem vista entre militares, numa equipa de futebol, ou qualquer outra actividade onde os homens possam ser vistos como "companheiros de luta". Aqui não há mariquice, falta de força. Pelo contrário, como no gentleman inglês, a camaradagem, o respeito, a delicadeza, são vistas como caminhos para solidificar o grupo e darem-lhe a força de actuação que ele precisa, para que muitos actuem como um só.
De forma geral vê-se que a delicadeza não é mais do que a anuência à vida em grupo, mais precisamente, pôr os interesses do outro, ou dos outros, à frente dos do indivíduo. É uma qualidade do homem enquanto animal gregário.
Então porque não se vê o cultivo do gentleman nos autocarros portugueses, nos locais de trabalho, até nas famílias? O bom pai português não é um gentleman, o bom trabalhador não é um gentleman. Talvez nas discotecas dê jeito, ou quando se quer conquistar uma miúda no emprego. Mas depois volta a personagem do guerreiro, da força a imperar. Porque em Portugal o homem ainda é visto como um guerreiro, na sociedade do "salve-se quem puder", onde o Estado é visto como uma corja de corruptos, onde escapam poucos. Nessas raras excepções, por exemplo os juízes e médicos, onde o português confia, onde acaba a guerra e começa a confiança, a civilidade volta a imperar. Então o português torna-se doce e gentil, no consultório do médico, a falar com o Sr Dr Juíz, o português todo se derrete. E aí já não é maricas: é um sinal de boa educação. A guerra acabou, já não tem de se provar. Está a ser cuidado, tratado, atenciosamente ouvido. E "amor com amor se paga", então o português derrete-se em silêncios, perguntas por fazer, delicadezas excessivas. E sai contente desses lugares, ciente de que fez um bom papel. Para logo entrar no autocarro ou no seu próprio carro e assumir o seu papel de guerreiro numa sociedade em luta, não deixando que ninguém lhe passe à frente (ou mesmo passando à frente) e ficando logo com o melhor lugar que encontrar, porque a ele, a ele, ninguém lhe passa a perna!
O mesmo se passa nas famílias. No início, quando se trata de conquistar a menina de que ainda mal se sabe o nome, é se gentil. Como se estivéssemos a ser introduzidos à família. «Que boa educação,», «o respeito! É muito gentil.» Agora, se essa delicadeza continuar pelos anos fora começa a ser vista de outra forma: passa de boa educação para simples fraqueza ou mariquice. O homem que é homem não deixa que a mulher fale mais alto que ele. Bate aos filhos quando é preciso. Impõe o respeito. Faz seguir, ou no mínimo faz ouvir bem alto, as suas opiniões e escolhas.
A família, a sociedade, em que vive o homem português, é, a maior parte das vezes, vista como uma guerra, um campo de batalha. Onde só vencem os mais fortes. Pobres dos ingleses que, a virem para cá com as suas delicadezas, vão comer porrada da grossa. E ainda piores estão os portugueses, sensíveis, delicados, que não se apercebem de viver num campo de batalha! Para eles vai um tiro de aviso: «devem gostar de comer no cú!» Agora sim, estão avisados! Ou enrijecem ou vai ser cá cada pancada! Que a gente diverte-se assim, neste país do salve-se quem puder, quem não aguentar a pancada está mal! Quem não quiser levar pancada que seja como nós: bruto, insensível, mas cá com uma couraça que nada o fere!
Enfim, não há dúvida que somos um país ainda com traços da Idade Média, mas com muitos telemóveis!
Sobre a palavra gentleman (em inglês).
Umas músicas para descontrair:
1 comentário:
Está provado provadissímo que a malta quer-se besta e bruta. Só assim é bem vista neste país. Por isso é que qualquer mulher que queira impor respeito tem que usar calças e falar grosso. As ideias não se transmitem com delicadeza e por recurso à argumentação, mas porque se impõe uma vontade forte e cega, sem hesitações e sem deixar falar os outros. Por isso, o tuga é exemplar a mandar e a obedecer e tão fraquinho a pensar por si mesmo.
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