sábado, 7 de maio de 2011
Velho!
Paralysis. Cada gesto é um esforço, tudo convida à quietude, a vida morreu, a pele está velha, cansada, sente-se os ossos, o esqueleto. Nem me lembro de quando era água viva, fluída e risonha. Vêm-me à memória esses tempos como imagens de uma criança que em tempos conheci, uma criança muito distante que não poderia voltar a ser, nem sequer imaginar-me a ser.
As crianças parecem vir de lugares tão distantes. A sua energia, a sua força, falam como que de um paraíso perdido. Eu, que estou, como dizem, "com os pés para a cova". Arrasto-me, lamento-me, vejo a hora chegar... a hora da partida final. E só consigo pensar: mas porque dura tanto tempo? Noutros tempos morríamos logo, na flor da vida. Hoje, tantos medicamentos, operações, cuidados, alimentação, aquecimento e tantas outras coisas, vão-nos mantendo e mantendo e mantendo, até que começamos a apodrecer pelo interior. Vamos vendo as coisas a começar a falhar. Primeiro o sistema circulatório já não é o que era, a visão piora, a força enfraquece, a agilidade desaparece... um a um os sistemas vão parando até que olhamos com alguma surpresa para aqueles que se mantém "vivos"... os resistentes no meio da debandada geral...
Pergunto-me se não seria melhor abandonar esta vida ainda pleno de jovialidade. Mas é só a parte infantil e saudosista que o pergunta. Porque eu, verdadeiramente, a luz da consciência, está-se, verdadeiramente, nas tintas. E quer apenas, absorver, nos seus vários matizes, os cambiantes da vida. Um jovem incapaz de imaginar um velho, um velho incapaz de se imaginar jovem, eis a única pobreza, de visão, a interior.
E se bem que o meu corpo esteja a morrer, dia a dia, em declínio fatal, a viagem não é menos bela, menos autêntica, menos atraente. Como um passeio de bicicleta em que chegámos àquele ponto em que começamos a voltar para trás, já olhamos com alguma saudade para a viagem que não se irá repetir, nunca mais, pelos milhões de anos fora. Outras aventuras se viverão no mundo, quase todas com outras personagens e contextos... mas agora, aqui, eis a oportunidade de cheirar mais esta flor, de ver mais este rio, de sentir mais este momento, pleno de tudo.
Sim! Morra a carne, apodreçam os tendões, absorva-me a dor e encha-me o peito esta vontade de ficar imóvel... Eu verei tudo, apaixonadamente como sempre, detalhadamente, quanto puder... lá estarei, no momento da doença, da desgraça, da perda do que tanto se valorizou... e quando os meus olhos, lentamente, se desfocarem do mundo visível, acho que vou chorar, de pena, por não ver as serras e os mares, as estrelas e as flores, a pele e os seus poros e pelos, os teus olhos, tão belos e cheios de perfumes e mistérios de outras dimensões...
Mas na minha mente, cada vez mais reduzida e senil, gostaria de conservar pelo menos esta verdade: que o mundo é maior e mais belo do que aquilo que sou capaz de ver...
que o mundo é maior, muito maior, e mais belo, muito mais belo, do que aquilo que sou capaz de ver...
e mergulharei na escuridão dos tempos, e o Pedro nunca voltará... nunca mais...
mas virão biliões de biliões de outros Pedros, tal como eu vim... e brilharão, como eu, à luz do sol e tremerão ao frio da chuva, e viverão mil aventuras e terá valido a pena porque sim! porque sim
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