quarta-feira, 28 de novembro de 2007

estar apaixonado por uma pessoa - amor fragmentado

Estar apaixonado por uma pessoa é como estar apaixonado por uma cor, o que acontece quando por exemplo se está a pintar um quadro há muitos anos e de repente vemos o branco (que como que tínhamos esquecido que existia), e percebemos que é aquela cor que falta ao quadro. A paixão é o momento em que olhamos para a cor mas ainda não sabemos como a utilizar. Amamos a cor perdidamente, mas não a sabemos usar, não a sabemos integrar no nosso quadro, na nossa visão. Em vez disso a cor fica ali, nas nossas mãos, algures dentro do tubo, e nós só sabemos desejá-la, o nosso coração “pounds” bate fortemente cada vez que pensamos nela e ansiamos pela hora em que finalmente a poderemos ter connosco no nosso quadro, na nossa vida.

Nós queremos usá-la, mas não sabemos como, a tinta não sai do tubo, ou, quando sai, não se aplica bem ao quadro, ao desenho que queríamos fazer. E depois lembramo-nos de pedir ajuda à pessoa que nos mostrou a emoção, aquela emoção tão delirante, tão boa, que queima, que arde sem se ver, mas ela usa a cor de maneira completamente diferente. Apesar de estarmos apaixonados por uma "pessoa", a verdade é que a pessoa não só não pode ajudar, como até atrapalha às nossas tentativas de "usar bem a coisa".

Quando a inspiração vier, quando essa energia se integrar, quando finalmente misturarmos o branco no barco, no navio, no mar azul e no céu, quando fizermos do branco as nuvens e o mar, e pintarmos dela a luz e a luz, então aí, o branco será apenas mais uma cor da qual também estaremos apaixonados. Quando finalmente estiver na nossa vida, essa paixão será apenas mais uma de infinitas paixões, que somos nós.

Mas até aí, até à integração, a paixão é quase só dor, quase só doença, quase só incapacidade de ter, e um gozo enorme, fantástico, quase infinito, de já a ser no mundo do coração, infinitamente afastado, do que se é no mundo da acção (física, mental e emocional). Ânsia e Ser, movimentos desfasados da emoção. Emoção que não cabe no mundo. Estes os dois pólos do gozo e da dor. A paixão do ser, a impossibilidade de ser o que se é...

PS - É engraçado, sempre tive em alta estima a paixão (viver apaixonado, etc), mas agora que a sinto dessa maneira intensa (não tanto por uma pessoa mas por um estado de espírito) e me lembro claramente das outras vezes em que estive “perdidamente apaixonado”, começa-me a parecer que essa paixão tem muito a ver com não saber lidar com uma energia (sobre a qual queremos ter mestria). Ou melhor, quando sabemos lidar a paixão é só prazer, é só “amor” (como diz talvez a tua amiga). Mas quando não sabemos lidar dói mesmo muito cá dentro, e depois tentamos, porque queremos muito essa energia, soluçamos perdidos de espírito, como se o mais precioso estivesse ausente, e quere-mo-lo rápido!, e então soluçamos ansiosamente na procura desse embate constante, e vai fazendo uma ferida que pode tornar-se uma obsessão (o que no meu caso é o mais fácil! ^_^ eheh).

Enfim!! Vidas... : )

Às vezes é difícil lembrarmo-nos que vivemos na Eternidade e tudo já nos está reservado desde sempre, para quem quiser e souber nele mergulhar... é a Ânsia do Presente que parece ausente! E está mesmo ali à mão de semear...



PS2 - A minha experiência neste aspecto é mais ou menos esta: que quanto mais alto se está menores são os limites, ou seja:

Enquanto animais “racionais” temos a capacidade de estar onde queremos estar, a nível mental. Numa mesma sala encontras pessoas alegres e tristes, porque o seu mundo interior é diferente. Pensam, querem, lembram, etc, coisas diferentes. O seu mundo interior não está confinado ao exterior. Há uma liberdade que só a doença ou a dor nos podem tirar, isto a nível mental.

É claro, um dia mais tarde podemos acordar senis, algum mago mágico nos pode transformar em ratazana ^_^ etc, e esse poder mental pode ser muito restringido. Mas mesmo assim ninguém te pode impedir de amar. Nem o ódio dos outros, nem os sentimentos de vingança dos outros, nem a senilidade, nos podem tirar a nossa ligação com a paz do amor, etc. Basta querermos e está lá. Mais uma vez, do ponto de vista neurológico, a pessoa pode ficar incapaz de amar, pode ficar por exemplo com raiva constante ou sentimentos inconstantes, apática, etc. Os estudos do Manuel Damásio abordam um pouco estas questões

Por isso, “tudo nos está reservado desde sempre” significa, entre outras coisas, que, pelo menos a nível mental e emocional, tudo o que precisarmos, tudo o que quisermos imaginar ou sentir, estará rapidamente connosco pois não depende tanto do exterior, desde que haja o mínimo de condições internas do corpo. (daí a importância da alimentação e do treino físico etc, – se mantivermos o veículo / corpo em boas condições conseguimos viajar para todo o lado interiormente.)

Isto tanto se aplica ao céu como ao inferno, pois o “tudo” é tudo o que a pessoa quiser e estiver preparada para receber (imaginar, sentir, ser). Qualquer pessoa, felizmente, pode viver isolada num inferno, mesmo que à sua volta só haja flores e espaços encantados de seres mágicos e exuberantes de felicidade. Hurra à Liberdade!!, pois sem ela seríamos pouco mais que nada.

Agora, há quem diga que existe ainda um outro nível, em que mesmo quando a pessoa está senil, com os sentimentos bloqueados a nível biológico (tipo estado vegetal), mesmo assim, apesar de o não conseguir expressar, mesmo assim, o seu Ser invisível, a sua alma, pode continuar a vogar livre e no próprio mundo que escolher. É claro que aqui já estamos no domínio da especulação.

Eu estava a falar mais deste último aspecto, mas, no domínio da paixão, bastam os primeiros dois. Repara que os homens conseguem estudar estrelas e planetas exactamente devido a esta capacidade prodigiosa de imaginação e todos nós de certeza temos a experiência de, depois de pensar árduamente e profundamente num amigo, familiar ou outra pessoa próxima, ficarmos a conhecê-lo muito melhor do que se passássemos horas a fio com ela/e. Ou seja, pormo-nos no lugar da pessoa, imaginarmos, é muitas vezes (nem sempre) mais profíquo, mais próximo, do que “the real thing”. Isto significa que a melhor maneira de “comer alguém” quando estamos apaixonados é simplesmente “ser” a pessoa, na nossa imaginação, coração, etc. Assim absorvêmo-la muito melhor do que, por exemplo, no sexo, e podemos aprender ainda mais com ela. É claro que isso não nos vai dar filhos, uma vida em conjunto, interdependência, etc. Se pudermos ter o bolo, melhor, mas se o bolo estiver na montra inacessível, então o simples facto de imaginar, sentir profundamente o seu sabor, pode-te alimentar mais ou pelo menos tanto, como o próprio bolo. Ao nível, claro, do que não se vê (quem precisa de calorias ou de gestos tá lixado por esta via). Enfim...


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