quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Nietzsche e o Super-Homem da bicharada

Eu não gosto do logro de Nietzsche, esse tipo mimado pela mamã e pela irmã, acalentado como um génio pelos colegas da faculdade, perdido primeiro pelas vénias e depois pelo desprezo, e que, em nome de um ideal de super-homem fantástico, largou tudo para viver num quarto exíguo, longe de todas as mulheres, de todos os prazeres, de todas as viagens, de toda a Vida... para escrever nos seus pequenos escritos as grandes virtudes desse super-homem da sua imaginação fértil que, entre outras coisas, seria capaz de ter sexo que não fosse pago... Uma espécie de alter-ego ficcionado para sustentar o escritor, que tinha de ser carregado (emocionalmente e também literalmente, no final da vida), pela irmã e pela mãe...É como se alguém que não sabe nada de Kung Fu se pusesse a falar sobre como seria ser um grande mestre e então inventa grandes passos de mágica, vôos, força incomensurável, um super-homem ao estilo da disney. E pronto, ficamos todos com a ideia do que é um super-homem: algo inderrotável, mas inventado, impossível, que até podemos tentar pôr em prática (há quem fale dos nazis, ou dos putos que andam vestidos com capas!), ou comentar apaixonadamente, que sim, que até tem coisas boas (alguns cristãos), mas esquecemo-nos do mais importante: é de papel!! Aquilo na realidade não existe nem podia existir!! Existem de facto artes marciais, mas não têm grandes vôos, nem força incomensurável: alimentam-se de pequenas coisas, de subtilezas e um combate de alto nível raramente é espectacular, a não ser para o olho bem treinado aos mais ínfimos pormenores.

Assim também é, digo eu, com esse "super-homem" pelo qual Nietzsche tanto ansiava, sobretudo na sua pessoa. O super-homem é como aquele tipo alto, bem formado, que impõe o respeito e ao qual ninguém é capaz de se opor, na sua hereditariedade tem todo o mundo como o pai, que esperam por ele como o filho principal, ao qual todos os outros se devem dobrar, e devido ao qual todos os outros fazem sentido, como se fossem rascunhos de uma obra maior! Sim, esses super-homens que todos os homens pequenos e medrosos se gostam de imaginar a ser.

Esta estupidez cantante é o que passa por super-homem, quando, no fundo, se trata apenas dos medos de um escritor angustiado consubstanciados na imagem de um herói que o viesse salvar da triste vida em que se encontrava. Senão vejamos, se existisse de facto um homem superior, ele veria certamente o valor de toda a vida, amaria a vida e seria essa paixão e deslumbramento por tudo que o guiaria. Mas isso não o levaria a desprezar ninguém, muito pelo contrário; nem o levaria a ter menos compaixão, a ser menos subserviente, ou a largar a sua própria vida em nome da de outros. Pois a verdadeira grandeza não é a daquela pessoa, da máscara (essas têm todas o mesmo valor, quer seja a do presidente ou a do vagabundo - aos olhos do mundo) mas a do que a guia e rege, do que a faz nascer todos os dias e brindar o momento com toda a sua presença. E esse "princípios" (à falta de uma palavra melhor), ou essa Vida que o anima, existe em tudo e todos. A grandeza faz parte da montanha, da criança que chora ou ri, da mulher rica ou pobre, do peixe pescado mas ainda vivo, a apresentar na feira mais tarde, como cadáver, e em tudo nos podemos deslumbrar, tudo podemos amar, em tudo nos podemos perder de paixão.

Se o Friedrich tivesse realmente sido um homem minimamente autêntico, teria compreendido que a escrita não era tão importante como cada momento. Que não era preciso deixar grandes legados e trazer às pessoas esse dionisíaco ancestral que ele só terá experimentado (ao que os seus escritos deixam antever) como transcendente alienação (comunhão com tudo, mas desgarrado da realidade concreta!!). Que o mais importante seria sorver essa força de loucura genial, em cada momento, e, cada vez com maior travo e em golos maiores, lentamente, a pouco e pouco, step-by-step. Essa pujança da vida, essa Liberdade em ser como se é, em se mostrar tudo o que é possível mostrar sem prejudicar ninguém, esse à vontade que é ver toda a vida como uma brincadeira de passagem, o ajudar a flor, a criança, a formiga, a digestão, a (des)composição dos talheres, a composição da face... pequenas coisas, muito pequenas, onde de facto se revela a transcendência, que é ver a vida a partir do cimo, a partir do todo: que nada importa mas onde tudo é sagrado e ocasião de culto, pois o momento é único sítio onde podemos ser e sentir a presença de Deus.

Porque não deverá o super-homem procurar a verdade? Será porque não se quer vergar? Mas o verdadeiro homem transcendente sabe que é impossível alguém vergar-se. Tudo o que se verga é a mente, são as aspirações, é a visão. Mas dentro do homem, a sua Vida não pode ser vergada, nunca foi vergada, é como a chama que, no máximo, pode extinguir-se. Se sou eu que me vicio em jogos de computador, como posso dizer que me verguei a eles? Pelo contrário, sou eu que me agarro ao vício como um cavaleiro em cavalo sem sela, galopando por montes e vales. Da mesma forma o cigarro, a religião, as honrarias... todas essas aparentes bengalas são agarradas ferozmente: não é por ser religioso que alguém se vergou ou está preso. Estará certamente numa prisão com pouca vista para o Sol, mas é porque quer lá estar. A porta da prisão sempre esteve aberta, mas as suas mão crivam-se nas grades, agarra-se com garras e dentes, apaixonadamente, à sua protecção, onde pode experimentar com segurança, os mundos interiores e exteriores que vai explorando e lhe abrem os olhos a infinitas belezas com que antes nunca tinha sonhado. Quando deixar de ser assim, cansa-se, parte para outra, que lhe dê o que desta só consegue antecipar.

Por isso o super homem, o homem transcendente, o verdadeiro übermensch, compreenderia que ninguém o é, ou então todos o são. A sua superioridade não se baseia em ser mais importante (líder), mais forte, mais valioso, nem sequer mais temperado, corajoso, inteligente, sábio, humilde ou qualquer outra coisa. A sua superioridade baseia-se apenas nisto: quando tem a possibilidade de olhar para alguém ou alguma coisa que, nem os sentidos, nem a razão, nem a emoção distorçam ou limitem a visão (há poucas coisas assim, por exemplo, uma árvore não encaixa nesta categoria uma vez que os nossos olhos só nos dão a visão de uma infinitesimal parcela da sua casca - a visão da casca de uma árvore, em todos os seus pormenores, pareceria maior do que nos parece a nossa galáxia), saboreia, interiormente, a paixão íntima dessa pessoa, objecto ou situação, como se o conhecesse há muitos anos, como se fizesse parte de si. Pode não o conseguir demonstrar, mas existe, mais que uma Irmandade, uma Unidade entre ele e todos os seres, o que lhe dá um à vontade e, sobretudo, este único saber: o de que não há nada a perder...

O verdadeiro Übermensch não se sente nem inferior, nem superior, nem igual: sendo Livre sente-se Uno com aquilo que vê.
(foto de Syd Barrett,
membro fundador dos Pink Floyd)

13 comentários:

luizaDunas disse...

Meu caro Luar,

Parece-me a mim que o Super Homem é um incentivo à lucidez além-mãe.

(Filho da mamã? Bolas, é que nós não somos (éramos) queres ver?)


Um beijinho, muito

Luar Azul disse...

minha Querida!


O problema não é ele ser menino da mamã, porque isso também eu sou, e com grande gozo!!! (que sorte tive por ter assim pais e irmãs que me apaparicavam e apaparicam ainda hoje, venham mais!!! ^_^) O que me aflige no Nietzsche é a negação, a dualidade, ser uma coisa e afirmar-se outra, não se explorar no que se é, afirmando-se como o que não se é, viver toda a vida na esperança de enrijecer a máscara ao ponto de esquecer o que está por debaixo dela (um pouco como na 2a parte da História Interminável). uma vida onde a loucura é apenas o espasmo final de um caminho que buscava a máscara que escondesse tudo o que se tinha vergonha de ser...

Eu, como o Nietzsche, também tenho dualidade dentro de mim, e como ele também procurei superar-me negando-me. Mas, como ele, também fui ficando cada vez mais fraco e louco, distante das minhas raízes primordiais.

Hoje sei que é pela aceitação e integração, de tudo o que por nós passa, que podemos encontrar as verdadeiras raízes que nos dão uma força que não é contra nada, onde não somos heróis face ao mundo, mas mundo feito olho, face e mão.

Mundo que nos transcende, loucamente, impossivelmente, como um amante muito além da nossa imaginação mais fantástica.

Nisto tudo as lutas de Nietzsche (que foram as minhas também) fechando os olhos às suas próprias dependências, na tentativa de se afirmar como herói, de se afirmar na máscara que cuidadosamente esculpiu para o esconder, são sem dúvida um incentivo à lucidez sem-mãe, mas como não existe lucidez sem mãe (e sem pai e toda a infinita família de macacos, pedras, elefantes estrelas, buracos negros, grãos de areia, peixes e mares), acabam por ser um mero incentivo a desagregação, à desintegração, em suma, à loucura.

Beijinhos!! não gostaste da foto do
Syd Barrett? Para mim esse sim, é como um guia / farol para transcender o que separa do Amante Primordial!!

luizaDunas disse...

Luar,

... Shine on you, crazy diamond*
Eu gostei muito da foto, sim. (suicidou-se não foi?)

Quanto ao Nietzsche, tu conheces melhor o seu pensamento e a sua vida, por isso elaboras com mais dados. Eu tenho alguns livros dele e não os li todos, nem os lerei. Na minha adolescência o que mais li foi Assim Falava Zaratustra, e sentia-lhe a ternura a escorrer sob aquela aspereza intrépida. Ele padeceu de tantos tormentos que os expulsava com rigor obsessivo.

Mas percebo-te muito bem quanto á questão da desintegração. Enfim, mas nao podemos eliminar a possibilidade de integração nestes seus modos. We never know...

Luar Azul disse...

Sim minha Querida!!! só dois acrescentos: eu estou longe de ser especialista em Nietzsche, agride-me a sua presença e só o consigo ler à custa de grande esforço! e o Syd Barrett acho que não se suicidou, pelo menos a confiar na Wikipedia! Beijinhos Linda ^_^

Anónimo disse...

Herdeiros do carpe diem que saltitam por aí e querem impôr bichinhos de pelúcia e flores a todo mundo. Curta sua vida e leia menos Nietzsche. :D Vamos amar a vida! Porque só vive quem ama a cada momento! Porque o amor é a grande virtude, e a felicidade o único grande objetivo constante e ditador dos bonequinhos republicanos :D

Filho do arco-íris :p

Luar Azul disse...

Não se trata de impôr mas de partilhar para, naturalmente, dar expressão à diversidade da vida. de um fragmento com paixão pelo todo...

Anónimo disse...

Você não entendeu nada, precisa sair mais.

Anónimo disse...

É, tudo que eu vi nessa exposição deu para ter certeza de um coisa; não entenderam nada de nietzsche e por isso colocam-me um comentario sobre o ideal de super homem com tanto ódio: deve ser que persebido que uma compreenção do super homem em nietzsche estava além do seu alcance. Simplismente lamentavel essa explicação tão odiósa de algo que não se comprende.

Luar Azul disse...

Meus amigos, se sabem algo de relevante por favor partilhem, pois tudo o que quero é aprender.

Anónimo disse...

carissimo... cai por acaso em seu blog e deparei-me com esse texto sobre Nietzsche... lí e pensei: nao pode ser verdade, se for verdade então nao é digno de comentários, deixe ai onde sempre esteve (no meu desconhecimento)... mas nao resisti e resolvi deixar uma palavrinha...
devo dizer que não seria justo colocar nietzsche nessa condição que vc o propoe. o super homem ao qual ele fala nao é efetivamente esse que vc "desenha". são forças e potencialidades distintas.
nietzsche era um conhecedor de mitologia grega e um filosofo com a solidão de um poeta... e, mergulhado nessa solidão encontrou a sí mesmo, em pé, sobre uma montanha (é uma metáfora)... meu amigo, esse super homem de nietzsche é super para sí mesmo, pois olhou fundo nos olhos de suas proprias fraquezas e mergulhou fundo nelas... é dai que nasce esse super homem de nietzsche..
agora, esses outros super homens são arquétipos que atuam por forças polarizadas de compensação.eles precisam do vilão, do inimigo para consequentemente viabilizarem suas ações heroicas... então vilão e heroi são irmãos, unha e carne...
esqueça nietzsche, deixe que ele descance em paz em sua montanha... não é justo reduzir as descobertas de um homem que enfrentou a sí mesmo enquanto estamos aqui, sentados diante do computador, confortaveis, dependendo de pequenos vicios mediocres para dar algum sentido à vida...
reflita com carinho.. (essa é minha sugestão)

Luar Azul disse...

Caro Anónimo, obrigado pelo seu comentário. Acredito que haja interpretações muito belas e relevantes do pensamento de Nietzsche, como parece ser a sua. A minha perspectiva é apenas isso, uma perspectiva e terá o valor que tiver. Não pretendo dizer "a verdade" sobre Nietzsche, apenas a minha verdade. Mas agradeço ter partilhado a sua visão.

Anónimo disse...

A tua verdade é a difamação de um idiota acerca de um autor que não entende, e contra o qual só expressa preconceitos de palerma sem miolo.

Luar Azul disse...

E, já agora, o que é que achou que este palerma não tinha compreendido? Foi a questão do fim da dualidade (entre Dionisos e Apolo), a questão de integração entre razão, emoção e instinto, talvez o facto de a vida de Nietzsche não dever ser usada para atacar o seu pensamento, ou a utilização que os nazis fizeram da sua obra não dever ser usada para a denegrir... deve ter sido isto não é, entre outras coisas? Pois, nas entrelinhas do que escreveu dá para compreender essas e muitas outras subtilezas... Agradeço o seu génio. É claro que um palerma como eu nunca compreenderá totalmente um génio como você ou Nietzsche, mas isso nem era preciso dizer...

É reconfortante escrever na net. Ao menos ficamos a saber que há quem nos leia... Yesss!!