domingo, 15 de fevereiro de 2009
O Mito do Eterno Retorno
- Voltarias?
- Não há Longe nem Distância!
- ...?
- O que significa que nunca te teria deixado.
- Mas...
- Com outros ares, outros Ventos, outros mares... Tudo seria diferente, o momento seria igual...
- ou a Presença ou a Ausência...
- Tudo o que há és "Tu" mais ou menos distante de mim...
- Não há Longe nem Distância!
- ...?
- O que significa que nunca te teria deixado.
- Mas...
- Com outros ares, outros Ventos, outros mares... Tudo seria diferente, o momento seria igual...
- ou a Presença ou a Ausência...
- Tudo o que há és "Tu" mais ou menos distante de mim...
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Amor e Sado-Masoquismo
(Desculpem esta história estar tão mal escrita, eu queria dizer algo tãaaao belo!!!)
Era uma vez... uma Voz Invisível e disse assim:
- Ama e Faz o que Quiseres... Quero que sejas Feliz, livre, pleno. Que as tuas asas voem bem alto, e que nessa visão do mundo, compreendas que toda a beleza que vês fora de ti está também dentro de ti, que és tu. Dou-te isto: o Mundo e Liberdade, agora faz tu o teu próprio mundo, sê tu o Deus livre e criador, faz da tua vida o que quiseres e fores capaz...
Era uma vez um eu, sozinho, isolado, cheio de luz e barreiras para o mundo, e respondeu assim:
- Yeahhh!!! Fixe, porreiro, bué da bom!! (Salta, pula, dança, espezinha os canteiros, destrói as alfaces, lambuza-se de doces, o seu prazer é imenso)
- Olha!
- (o olhar de Peter dirige-se subitamente para toda a destruição que a sua busca de prazer gerou e pensa:) Sinto-me tão bem, valeu a pena este momento... Queria-me sentir sempre assim, leve e solto e livre como o vento...
- Olha para dentro!
- (Peter apercebe-se quase subliminarmente que as suas acções, se continuarem assim, não vão ser "boas", mas é um sentimento subtil e tão fugaz que quase não se sente, e Peter pensa:) Pode não ter sido muito bom, mas sabe tão bem! Vou continuar, mais um bocado (e no horizonte da sua mente, com os frágeis conhecimentos de que dispõe, Peter é incapaz de se aperceber das consequências dos seus actos que invitavelmente, trágicamente, matemáticamente, magicamente, o aguardam docemente).
Salta e pula e dança e é tudo um prazer tão grande, vê o Sol no céu e pensa "hoje sou Feliz, sou livre, posso ser eu próprio" e tudo lhe parece cheio de magia e altivez, como um cedro brilhando ao sol num alvo dia de primavera.
Mas depois, nesse infinito horizonte de possibilidades onde pode ser tudo o que quiser, pensar tudo o que quiser, um súbito terror se apodera de si. Se Peter o pudesse pôr por palavras direi talvez algo como: «Estou só, infinitamente só. E a minha solidão é a minha Liberdade, pois se me disserem o que tenho de fazer, o que devo ouvir, o que posso esperar, se me castigarem, se me ordenarem e punirem e rectificarem, saberei que alguém me olha, que alguém se ocupa de mim, que alguém cuida do meu futuro. Mas neste infinito mar de possibilidades ninguém me ouve, ninguém me quer, ninguém se preocupa com o que posso fazer.» Mas Peter não compreendia a sua própria dor, sentia-se simplesmente só, afastado do mundo que maltratara e incapaz de ouvir as suas doces melodias de amor, incapaz de ouvir o seu próprio grito de amor que ansiava apenas, afinal, pelo que já tinha, pela proximidade com tudo...
Então a Voz Invisível, que o Amava, não conseguindo falar com ele com a voz do prazer e da beleza, mostrou-se próxima de Peter pela dor e tristeza.
- Meu Amor (disse a Voz, numa linguagem quase inaudível e certamente incompreensível para Peter), podes estar triste e sentir-te só, mas nunca deixarás de ser parte de tudo, a não ser que desistas de tudo e mates o tudo que há ou pode haver em ti. Terás sempre dois caminhos à tua frente: poderás vir ao meu Encontro, ou poderás afastar-te de mim. Em cada Encontro despertarás, para quem és, e para o que é o Mundo, e para o que Sou. E cada afastamente será uma morte. E o que dá tanto poder à tua Escolha, é ela ser tua e ninguém a poder tomar por ti, ou não teria qualquer valor, pelo menos para ti. A Escolha é o que faz de ti algo em vez de nada. Mas podes simplesmente deixar-te ir, afundar-te no Nada e afastar-te-ás assim de tudo... Para já mostro-te que não estás só...
- Peter (contemplando o mundo à sua volta, as alfaces desfeitas, os canteiros destruídos e um mundo de beleza lá fora) sentia-se um pouco melhor e procurava lembrar-se da sensação de dança que tinha tido à pouco tempo, gostaria de voltar àquela sensação. Mas eis que lhe aparece o Sado, para minimizar a sua solidão.
Sado - Vais apanhar já as alfaces, vais compor as suas folhas senão (ameaça que lhe bate)...
Peter - Mas eu sou Livre, sou inteiramente Livre e só faço o que quero...
Os dois entreolham-se e, nesse momento, infinitos mundos acontecem, de que aqui só poderemos dar um breve retracto: É que Peter desejava e não desejava a Liberdade e desejava e não desejava o Amor. Ou seja, ele lembrava-se de como podia ser bom ser Livre, mas sentia na pele o peso da solidão que tal Liberdade para ele implicava. Ele queria o êxtase, o enorme prazer do horizonte infinito, mas temia a terrível solidão que associava a essa liberdade.
O Sado, o homem do Calabouço, era para ele simultâneamente prisão e salvação, encarceramento e companhia, dor e identificação. Através do homem do Cadafalso, este Sado, Peter poderia reconhecer-se como Algo, como vítima ou pecador, como mártir ou rebelde, como triste ou incompreendido, mas, em todas estas formas, seria sempre algo no olhar de alguém. E ser algo ao olhar de alguém - romper essa infinita ambiguidade de não ser nada em específico - é bem melhor do que ser um infinito nada.
Por isso e por outras razões, é que se dá este estranho paradoxo, de Peter amar e odiar o seu calabouço e o homem que se preparava para o meter e manter nele...
Sado - (dá-lhe uma bofetada) apanha as alfaces já!
Peter ...
Aqui a história perde-se em detalhes insignificantes, quantas vezes é que se bateu, quantas se desobedeceu, quando e de que forma se cedeu? Tudo isso é insignificante. O que é realmente importante é que, no final, a vontade de Peter nada mais era do que a continuação do seu Mestre... A mais pequena entoação de voz era respeitada, nada negado, mesmo o mais doloroso... o asceta é, neste aspecto, apenas uma das muitas versões do submisso: aquele que submete a sua vontade à de outrem, passando pela mais elevada dor ou desagrado. Nessa eliminação da vontade própria é que está verdadeiramente a "conquista" do escravo. Ou seja, é aí que ele conquista na perfeição o "papel" de escravo. Digo papel porque na realidade temos de escolher ser Escravos. Somos sempre livres de escolher tornarmo-nos e mantermo-nos escravos. Todos os escravos são livres, infinitamente livres, e é isso que pode tornar a sua escravidão tão bela (por ser a procura do amor, ou da companhia através da anulação de si próprio).
Então, no fim desta história, Peter tinha um Amor, que era o seu Mestre, o seu Deus imaginado, desenhado a lápis de carvão.
Felizmente para esta história, o Sado de Peter, esse Mestre, não era senão um "Emissário" da Voz do Amor (na realidade Peter também era um emissário para o Sado, mas isso é outra história e será contada noutra ocasião). E, à medida que o tempo foi passando, e que Peter se sentia cada vez mais acompanhado e menos só, o Sado foi-lhe dando rédea mais solta, para experimentar, para olhar. Uma das primeiras coisas que Peter compreendeu foi a beleza do seu próprio corpo. Primeiro admirou o do Mestre, mas por admirar e obedecer tanto ao Mestre, compreendeu que ele próprio era semelhante ao Mestre, e amou-se. Nessa altura deixou de deixar inflingir-se dor, pois parecia-lhe inadmissível inflingir sofrimento a um corpo que era tão semelhante àquele que reverenciava e temia.
Depois, lentamente, compreendeu a beleza das alfaces e dos canteiros e pela primeira vez ficou triste por os ter destruído. Nas subtis voltas de todas as coisas parecia residir um mistério maior do que o que se pode nomear, mas era como se cada coisa fosse um emissário, tivesse uma mensagem, uma música... como se cada coisa falasse connosco numa língua imemorial, que não se pode expressar por palavras, mas que mesmo assim compreendemos, à maneira de uma música, mas mais rica que uma música.
Nessa altura os sofrimentos que o Safo lhe impunha já não faziam grande sentido. Não se sentia tão só, mas mais como uma música no meio de uma infinita melodia, infinitamente complexa e harmoniosa (infinitamente, isto é, sem fim à vista). Como pode uma nota musical sentir-se só no meio de outras notas, ainda por cima se todas cantam a mesma polifonia? Safo parecia agora a Peter mais um... Mais um Emissário, mais um Amor, mais uma flor, mais um lago, mais uma estrela, mais um rio. Podia obedecer-lhe exteriormente, mas isso agora não importava, porque a sua mente, a sua vontade, o seu coração, não lhe pertenciam, nem a Safo, nem a Peter, vogavam na noite dos tempos, dando beijos ao universo e às flores por toda a parte. Perdiam-se em mundos possíveis, ambiguidades terríveis, paradoxos e anedotas de todas as cores.
Sado deixou-o então, já não tinha piada e foi arranjar outro Peter com quem brincar.
O Peter já não era o Peter, mas um viajante da noite, na incrível agnosia em que só acredita quem vê. E depois amou, não só todas as coisas, mas o seu próprio Amor. E compreendeu que era Então o momento do Encontro... o momento porque sempre tinha Esperado...
o momento da União, com tudo e Todos
e compreendeu então que não estava só
e nunca tinha Estado
e Podia ser Livre Assim
com todas as Rosas e Alfaces e Canteiros do Mundo,
e então... saltou, pulou e Dançou
por toda a Eternidade... ^_^
Era uma vez... uma Voz Invisível e disse assim:
- Ama e Faz o que Quiseres... Quero que sejas Feliz, livre, pleno. Que as tuas asas voem bem alto, e que nessa visão do mundo, compreendas que toda a beleza que vês fora de ti está também dentro de ti, que és tu. Dou-te isto: o Mundo e Liberdade, agora faz tu o teu próprio mundo, sê tu o Deus livre e criador, faz da tua vida o que quiseres e fores capaz...
Era uma vez um eu, sozinho, isolado, cheio de luz e barreiras para o mundo, e respondeu assim:
- Yeahhh!!! Fixe, porreiro, bué da bom!! (Salta, pula, dança, espezinha os canteiros, destrói as alfaces, lambuza-se de doces, o seu prazer é imenso)
- Olha!
- (o olhar de Peter dirige-se subitamente para toda a destruição que a sua busca de prazer gerou e pensa:) Sinto-me tão bem, valeu a pena este momento... Queria-me sentir sempre assim, leve e solto e livre como o vento...
- Olha para dentro!
- (Peter apercebe-se quase subliminarmente que as suas acções, se continuarem assim, não vão ser "boas", mas é um sentimento subtil e tão fugaz que quase não se sente, e Peter pensa:) Pode não ter sido muito bom, mas sabe tão bem! Vou continuar, mais um bocado (e no horizonte da sua mente, com os frágeis conhecimentos de que dispõe, Peter é incapaz de se aperceber das consequências dos seus actos que invitavelmente, trágicamente, matemáticamente, magicamente, o aguardam docemente).
Salta e pula e dança e é tudo um prazer tão grande, vê o Sol no céu e pensa "hoje sou Feliz, sou livre, posso ser eu próprio" e tudo lhe parece cheio de magia e altivez, como um cedro brilhando ao sol num alvo dia de primavera.
Mas depois, nesse infinito horizonte de possibilidades onde pode ser tudo o que quiser, pensar tudo o que quiser, um súbito terror se apodera de si. Se Peter o pudesse pôr por palavras direi talvez algo como: «Estou só, infinitamente só. E a minha solidão é a minha Liberdade, pois se me disserem o que tenho de fazer, o que devo ouvir, o que posso esperar, se me castigarem, se me ordenarem e punirem e rectificarem, saberei que alguém me olha, que alguém se ocupa de mim, que alguém cuida do meu futuro. Mas neste infinito mar de possibilidades ninguém me ouve, ninguém me quer, ninguém se preocupa com o que posso fazer.» Mas Peter não compreendia a sua própria dor, sentia-se simplesmente só, afastado do mundo que maltratara e incapaz de ouvir as suas doces melodias de amor, incapaz de ouvir o seu próprio grito de amor que ansiava apenas, afinal, pelo que já tinha, pela proximidade com tudo...
Então a Voz Invisível, que o Amava, não conseguindo falar com ele com a voz do prazer e da beleza, mostrou-se próxima de Peter pela dor e tristeza.
- Meu Amor (disse a Voz, numa linguagem quase inaudível e certamente incompreensível para Peter), podes estar triste e sentir-te só, mas nunca deixarás de ser parte de tudo, a não ser que desistas de tudo e mates o tudo que há ou pode haver em ti. Terás sempre dois caminhos à tua frente: poderás vir ao meu Encontro, ou poderás afastar-te de mim. Em cada Encontro despertarás, para quem és, e para o que é o Mundo, e para o que Sou. E cada afastamente será uma morte. E o que dá tanto poder à tua Escolha, é ela ser tua e ninguém a poder tomar por ti, ou não teria qualquer valor, pelo menos para ti. A Escolha é o que faz de ti algo em vez de nada. Mas podes simplesmente deixar-te ir, afundar-te no Nada e afastar-te-ás assim de tudo... Para já mostro-te que não estás só...
- Peter (contemplando o mundo à sua volta, as alfaces desfeitas, os canteiros destruídos e um mundo de beleza lá fora) sentia-se um pouco melhor e procurava lembrar-se da sensação de dança que tinha tido à pouco tempo, gostaria de voltar àquela sensação. Mas eis que lhe aparece o Sado, para minimizar a sua solidão.
Sado - Vais apanhar já as alfaces, vais compor as suas folhas senão (ameaça que lhe bate)...
Peter - Mas eu sou Livre, sou inteiramente Livre e só faço o que quero...
Os dois entreolham-se e, nesse momento, infinitos mundos acontecem, de que aqui só poderemos dar um breve retracto: É que Peter desejava e não desejava a Liberdade e desejava e não desejava o Amor. Ou seja, ele lembrava-se de como podia ser bom ser Livre, mas sentia na pele o peso da solidão que tal Liberdade para ele implicava. Ele queria o êxtase, o enorme prazer do horizonte infinito, mas temia a terrível solidão que associava a essa liberdade.
O Sado, o homem do Calabouço, era para ele simultâneamente prisão e salvação, encarceramento e companhia, dor e identificação. Através do homem do Cadafalso, este Sado, Peter poderia reconhecer-se como Algo, como vítima ou pecador, como mártir ou rebelde, como triste ou incompreendido, mas, em todas estas formas, seria sempre algo no olhar de alguém. E ser algo ao olhar de alguém - romper essa infinita ambiguidade de não ser nada em específico - é bem melhor do que ser um infinito nada.
Por isso e por outras razões, é que se dá este estranho paradoxo, de Peter amar e odiar o seu calabouço e o homem que se preparava para o meter e manter nele...
Sado - (dá-lhe uma bofetada) apanha as alfaces já!
Peter ...
Aqui a história perde-se em detalhes insignificantes, quantas vezes é que se bateu, quantas se desobedeceu, quando e de que forma se cedeu? Tudo isso é insignificante. O que é realmente importante é que, no final, a vontade de Peter nada mais era do que a continuação do seu Mestre... A mais pequena entoação de voz era respeitada, nada negado, mesmo o mais doloroso... o asceta é, neste aspecto, apenas uma das muitas versões do submisso: aquele que submete a sua vontade à de outrem, passando pela mais elevada dor ou desagrado. Nessa eliminação da vontade própria é que está verdadeiramente a "conquista" do escravo. Ou seja, é aí que ele conquista na perfeição o "papel" de escravo. Digo papel porque na realidade temos de escolher ser Escravos. Somos sempre livres de escolher tornarmo-nos e mantermo-nos escravos. Todos os escravos são livres, infinitamente livres, e é isso que pode tornar a sua escravidão tão bela (por ser a procura do amor, ou da companhia através da anulação de si próprio).
Então, no fim desta história, Peter tinha um Amor, que era o seu Mestre, o seu Deus imaginado, desenhado a lápis de carvão.
Felizmente para esta história, o Sado de Peter, esse Mestre, não era senão um "Emissário" da Voz do Amor (na realidade Peter também era um emissário para o Sado, mas isso é outra história e será contada noutra ocasião). E, à medida que o tempo foi passando, e que Peter se sentia cada vez mais acompanhado e menos só, o Sado foi-lhe dando rédea mais solta, para experimentar, para olhar. Uma das primeiras coisas que Peter compreendeu foi a beleza do seu próprio corpo. Primeiro admirou o do Mestre, mas por admirar e obedecer tanto ao Mestre, compreendeu que ele próprio era semelhante ao Mestre, e amou-se. Nessa altura deixou de deixar inflingir-se dor, pois parecia-lhe inadmissível inflingir sofrimento a um corpo que era tão semelhante àquele que reverenciava e temia.
Depois, lentamente, compreendeu a beleza das alfaces e dos canteiros e pela primeira vez ficou triste por os ter destruído. Nas subtis voltas de todas as coisas parecia residir um mistério maior do que o que se pode nomear, mas era como se cada coisa fosse um emissário, tivesse uma mensagem, uma música... como se cada coisa falasse connosco numa língua imemorial, que não se pode expressar por palavras, mas que mesmo assim compreendemos, à maneira de uma música, mas mais rica que uma música.
Nessa altura os sofrimentos que o Safo lhe impunha já não faziam grande sentido. Não se sentia tão só, mas mais como uma música no meio de uma infinita melodia, infinitamente complexa e harmoniosa (infinitamente, isto é, sem fim à vista). Como pode uma nota musical sentir-se só no meio de outras notas, ainda por cima se todas cantam a mesma polifonia? Safo parecia agora a Peter mais um... Mais um Emissário, mais um Amor, mais uma flor, mais um lago, mais uma estrela, mais um rio. Podia obedecer-lhe exteriormente, mas isso agora não importava, porque a sua mente, a sua vontade, o seu coração, não lhe pertenciam, nem a Safo, nem a Peter, vogavam na noite dos tempos, dando beijos ao universo e às flores por toda a parte. Perdiam-se em mundos possíveis, ambiguidades terríveis, paradoxos e anedotas de todas as cores.
Sado deixou-o então, já não tinha piada e foi arranjar outro Peter com quem brincar.
O Peter já não era o Peter, mas um viajante da noite, na incrível agnosia em que só acredita quem vê. E depois amou, não só todas as coisas, mas o seu próprio Amor. E compreendeu que era Então o momento do Encontro... o momento porque sempre tinha Esperado...
o momento da União, com tudo e Todos
e compreendeu então que não estava só
e nunca tinha Estado
e Podia ser Livre Assim
com todas as Rosas e Alfaces e Canteiros do Mundo,
e então... saltou, pulou e Dançou
por toda a Eternidade... ^_^
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
A experiência de ser professor em Portugal
"Todos os homens desejam naturalmente saber." Eis a famosa frase com que Aristóteles inicia a Metafísica e que se revela como verdade desde a mais tenra infância, não só no apreço que os bebés têm pelos sentidos, mas pelo gozo da descoberta de jogos, relações humanas, funcionamento das coisas. Esse gosto pelo saber continua pela infância, os "porquês" contínuos: o que provoca o vento? O que são as estrelas? Porque estás triste? O que me faz crescer? Como é que eu nasci? De onde é que vim? Porque é que estamos aqui? etc. Questões habituais que por vezes são incómodas simplesmente porque os pais não têm resposta simples para ela, e por vezes é difícil dizer:: "não sei, também gostava de saber". Não seria isso um recuo da autoridade, uma mancha na imagem do pai / mãe que se quer grandioso e ideal máximo da criança?
Enfim... finalmente a criança parte para a escola ou para o jardim de infância e rapidamente descobre o significado de "educação". Educação, neste país, significa acima de tudo obedecer. Estar sentado quando nos mandam, estar calado quando nos mandam, dar a resposta que se pretende quando nos mandam. Lentamente toda a actividade inquisidora, crítica, da criança, e vista como o pior dos males para quem tem de manter calados e na ordem 20 ou 30 miúdos, é destruída por aquilo a que chamamos "conhecimento", ou seja, o empinar de preconceitos como se fossem saber.
O problema, é certo, não está nos professores, que fazem o melhor que podem com aquilo que têm e que lhes é pedido. O problema está na nossa cultura, nas nossas tradições que repetem à exaustão que "o menino bom", "o menino bem comportado", é aquele que obedece, que ouve o que lhe dizem, que respeita os pais e os professores. O nosso objectivo não é criar artistas rebeldes, cientistas revolucionários ou dar as condições para que surjam homens e mulheres mais felizes, livres e realizados do que o que nós próprios podemos ser ou até conceber no nosso estado actual. O nosso objectivo é criar e manter o conformismo, a "normalidade", o bom senso, o bom gosto, enfim pessoas "bem educadas", iguais a nós, ou, pelo menos, previsíveis, controladas. Nesta linha de pensamento não tem grande importância construir ginásios, pôr miúdos de quatro e cinco anos a fazer o pino e a roda, saltos em trampolim, corrida, natação, enfim, deixá-los desenvolver ao máximo. Pelo contrário, é até um pouco melindroso que uma criança de cinco anos consiga fazer na perfeição um salto mortal quando o seu professor de português mal se consegue levantar da cadeira sem se apoiar na mesa.
Dar às crianças a liberdade de serem elas próprias e a capacidade de se expressarem pode de facto parecer assustador. Por isso o mundo actual das crianças e adolescentes divide-se em duas partes: os jogos, a internet, o convívio social, onde exploram, aprendem e se mostram, e o mundo dos "adultos": da obediência, da aprendizagem à força, da "seca" das aulas, onde raramente se aprende algo de útil mas se recebe o diploma para depois ir continuar a obedecer ao patrão, ao estado, a troco de dinheiro.
Pode ser duro de ouvir, mas a verdade é que estamos a ensinar às nossas crianças a prostituirem-se mentalmente. Para terem a aceitação dos pais e da sociedade têm de deixar de ser elas próprias, têm de deixar de se comportarem como querem, têm de deixar de desejar o que desejam, têm de passar a ser "outro", uma máscara, uma mentira, um papel social. E só aí, nessa mentira, a sociedade as aceita. Aí serão os directores, os pais e mães de família, os estudantes abnegados, os colegas desgarrados, etc. Mas a sua verdadeira individualidade, o seu verdadeiro nome, perde-se, algures, entre a infância e a idade adulta.
Haverá alternativa? Sem dúvida, é aliás mais fácil do que todo o trabalho que actualmente temos para inculcar, formatar e dinamizar os jovens e crianças. A alternativa é simples: em vez de lhes dizermos como têm que ser, comportar-se e o que desejar, vamos ouvir e dar-lhes o que eles querem misturado com o que precisam.
Por exemplo, vamos dar-lhes desporto, mas não sempre o mesmo, variado, de forma a terem um amplo leque de experiências para mais tarde poderem escolher melhor o que se adequa àquele momento da sua vida.
Vamos dar-lhes a oportunidade de escolher o que querem aprender. Mais ou menos desporto, mais ou menos arte, mais ou menos ciência. Terá de haver alguns limites para evitar as armadilhas do hábito, da preguiça e da inconsciência. Mas tudo o que fizermos e lhes dermos deverá respeitar sempre os objectivos daquele indivíduo, daquela criança. Enquanto professores o nosso papel é servi-los (tal como o objectivo dos políticos deveria ser servir o seu povo). É dar-lhes o que eles precisam sem desrespeitar o que eles querem.
Deveríamos também acabar com os preconceitos sobre o que as crianças são capazes de aprender. É claro que, como os estudos de Piaget mostraram, muitas das capacidades de pensamento abstracto só estão presentes a partir da adolescência, mas nunca é cedo de mais para nos maravilharmos com a gradiosidade do universo por exemplo. Saber que existem biliões de estrelas na nossa galáxia, e que existem biliões de galáxias no universo visível, que há ainda muitos mistérios (como a matéria negra ou o que acontece no interior de um buraco negro) que a ciência ainda não desvendou, dá às crianças a visão real do nosso mundo e do papel que o homem tem actualmente nele: a de um explorador de infinitos. Esse é um papel que qualquer criança compreende e no qual se sente à vontade.
Este tipo de ciência, os rudimentos da astrofísica combinados com uma humildade popperiana, é tudo menos desadequado para a mentalidade das crianças. Para além da ideia geral do cosmos dada pela astronomia, e de falarmos de átomos, moleculas e partículas da física, deveríamos também falar às crianças extasiadas pelo mundo do conhecimento como por uma história da Disney, dos dinosaurios, do possível cometa que dizimou a vida na terra, deveríamos trazer ilustrações de bichos "pré-históricos" e falar da vida social dos muitos animais que habitam a terra: de como os albatrozes acasalam para toda a vida, do sacrifício que os pinguins fazem para cuidarem dos seus ovos, das brincadeiras dos leões-marinhos.
Mostraríamos filmes, livros, a net, como um mundo maravilhoso, cheio de coisas belas para descobrir. Aprender a ler e a escrever seriam então a continuação desses jogos de infância, divertidos, que nos abrem as portas para mundos novos.
Neste mundo que imagino não haveria propriamente aulas com tempos rígidos, em vez disso haveria espaços definidos. Por exemplo, num certo espaço haveria internet, falar-se-ia de astronomia, o tecto seria abaulado e, como um planetário, haveria desenhos de estrelas, galáxias, nebulosas e planetas distantes. Haveria também telescópios para olhar para o mundo para lá do céu que podemos ver a olho nu. Para examinar as crateras lunares, os aneis de saturno, ou os enchames de estrelas que compõem as nébulas e que são visíveis em noites claras.
Noutro espaço haveria réplicas de dinosaurios e outros bichos. Haveria também internet, poderíamos fazer jogos em que faríamos de leão e gaivota, imaginaríamos ser um desses bichos com todas as aventuras e viagens que teríamos. Imaginaríamos também por exemplo ser um insecto ou uma flor beijada pelo sol, ou então golfinho, ou águia. Para realizarmos essa tarefa poderíamos dispor da vasta quantidade de informação disponibilizada pela net. Quanto tempo vive um golfinho, como são os seus grupos, como comunicam entre si, como criam os filhos, etc. Veríamos também imagens da beleza deste planeta, dos recifes de corais, dos estranhos animais que habitam as profundezas dos oceanos.
Noutro espaço haveria o mundo humano, vestuários diferentes, diferentes normas que regulam o casamento, o comportamento, o ideal do que é levar uma boa vida. Neste espaço ouviríamos falar dos ascentas indianos que rejeitam todo o tipo de posse e andam nus por toda a parte, comendo apenas o que as pessoas lhes queiram dar. Veríamos comparações com diferentes tipos de ascetismo, como por exemplo os franciscanos. Saberíamos que em certos países as mulheres não podem destapar a cara, votar ou possuir propriedade. Ficaríamos a saber que já foi um pouco assim nos sítios onde vivemos, mas que entretanto as coisas mudaram. Poderíamos aprender coisas sobre o Corão, a Bíblia ou os textos sagrados Hindus e Budistas. Poderíamos também estudar como vivem as estrelas de cinema, como é a vida em Hollywood e Nova Iorque.
Estariam vazias salas como estas? Ou iriam algumas crianças, depois de brincarem e rirem umas com as outras, depois de jogarem na net, de saltarem à corda, de fazerem o pino, de dançarem e sorrirem, mergulhar nesta aventura do conhecimento de coração e mente aberta? Tentando aprender tudo o que conseguissem, como se a visão que o homem foi conquistando ao longo de séculos fosse o bem mais precioso que podiam alcançar?
Este processo de dar às crianças aquilo que elas querem e precisam de forma livre, respeitando o seu próprio tempo e prioridades específicas, teria também a vantagem de cada um desenvolver as capacidades e saberes que mais lhe são próprios. Quem tem jeito para a matemática iria mais para a matemática, outros dedicar-se-iam mais a construir motores, outros à história, outros à filosofia, às ciências empíricas, à dança, ao desporto. Teria certamente de haver alguns limites, mas o essencial é que o conhecimento fosse um prazer!
O conhecimento proposicional ou liguístico é a a vantagem central que permite aos seres humanos ter o modo de vida luxuoso que (alguns) têm. Deveríamos ver esse conhecimento como um dos bens mais preciosos, não só pelo que nos permite em termos materiais, mas pelos caminhos que abre ao espírito, à mente e ao coração. O conhecimento, o verdadeiro conhecimento, é um conjunto de janelas abertas sobre o mundo.
Como chegámos ao ponto de o transformar em tortura para alunos e professores?
É difícil de imaginar, mas olhando para a realidade que nos rodeia, é fácil de perceber:
1) obrigamos: impôr algo, mesmo que seja a goluseima mais apetitosa, é meio caminho andado para a tornar indesejável.
2) saturamos: damos sempre o mesmo doce, ou seja, em vez de alternarmos a expressão física (ginástica, atlétismo, desportos em grupo), com a expressão artística (música, teatro, poesia, etc), e com a expressão científica (matemática, astofísica, história, antropologia, etc), insistimos sempre no mesmo, aulas, aulas e mais aulas, até se tornar compleamente saturante, até vomitarmos conteúdos, até a própria palavra "aprender", "estudar", se tornar motivo de nojo, de vómito, ser capaz de nos tirar a boa disposição de um Domingo ensolarado.
3) substituímos o verdadeiro conhecimento, prático, rico, ambíguo, por uma farsa: descontextualizámos o conhecimento do mundo real que lhe deu origem, ensinando teorias como sequências de palavras ou ideias que têm de ser memorizadas, e consideramos que isso é que é o saber. Por exemplo, na biologia estudamos os nomes dos animais e a sua "taxonomia". Um bom aluno é aquele que sabe categorizar os animais, mas não aquele que conhece a forma como vivem, o que sentem, o que desejam, etc. Ou seja, substituímos a imensamente rica realidade que nos rodeia, rica em significados, em interpretações, em detalhes, por uma fórmula arcaíca e rígida que deve ser memorizada. Esta fórmula de facto empobrece a nossa visão global da realidade, sobretudo a nossa experiência por contacto directo com o mundo.
Esta última razão é a mais paradoxal pois poderia parecer que seria útil à sociedade veicular o melhor conhecimento que tem disponível aos seus "filhos". Mas nos nossos dias é muito mais fácil veicular velhas teorias já esquecidas do que tentar acompanhar o conhecimento actual, numa mutação cada vez mais rapida. O ritmo a que novos conhecimentos e conjecturas surgem é cada vez maior, tanto nas ciências abstractas como nas empíricas. Por exemplo o fractal de Mandelbrot surgiu apenas nos anos 80, dando origem a uma explosão no estudo da topologia, só há poucos anos se soube que os buracos negros estão no centro da maior parte das galáxias, os primeiros planetas descobertos fora do sistema solar foram também descobertos apenas na última década.
Ou seja, o enorme investimento dedicado à ciência e tecnologia nas últimas décadas provocou uma explosão de conhecimentos e aquilo que parece ser verdade hoje pode vir a revelar-se falso amanhã. É por isso mais simples dar a história da astronomia do que ensinar a astronomia actual. É muitíssimo mais fácil ensinar a história da filosofia do que acompanhar as lutas, refutações e contra-argumentações da míriade de filósofos e filosofias actuais. Mas o preço a pagar é que só ensinamos teorias ultrapassadas, feitas em contextos diferentes do nosso e que procuravam atingir objectivos que hoje já não seriam considerados tão essenciais.
Como "stor" de filosofia deparo-me exactamente com esse problema. Os manuais em geral oferecem como hipótese de estudo da epistemologia autores como Kant, Descartes ou Hume. Gigantes que tiveram um papel crucial no desenvolvimento da ciência como a conhecemos hoje em dia, que ajudaram, e muito, a garantir que o Renascimento, o Iluminismo, não morreria à nascença e que, em vez disso, floresceria nas muitas ciências que conhecemos hoje. Mas o seu esforço, tão glorioso na altura, e pelo qual eu por exemplo, estou muito grato, é hoje descontextualizado. Hoje em dia não procuramos rebater os dogmas da religião, não tentamos encontrar um processo de justificação que rejeite tudo o que não seja absolutamente fundado. Se as filosofias de Descartes, Hume e Kant, ajudaram a acabar com a superstição e dogmatismo do seu tempo afirmando a necessidade de apenas acreditar no que era absolutamente evidente, a sua exposição nos nossos dias só pode incentivar a desconfiança na própria filosofia. Porque o desafio hoje é conciliar os diversos saberes. Assistimos hoje ao surgimento da filosofia das emoções, do conceito de "inteligência emocional" a par de muitas outras formas de inteligência. Ou seja, o desafio dos nossos dias é unir, sintetizar os vários domínios do conhecimento, criar pontes. Ora as filosofias do século XVII e XVIII que ficaram para a história não nos permitem fazer isso. Pelo contrário.
Ter de ensinar teorias que estão em franca dessintonia com os desafios do nosso tempo, a alunos que consideram a escola e o ensino como uma forma dissimulada de tortura e de controlo que os tenta privar da sua liberdade e autenticidade é de facto a experiência do filósofo "ao contrário". Ou seja, não aquele que traz luz, mas a confusão, não aquele que é desejado pelo saber, mas o que é temido pela imposição de meros conceitos, não aquele que desperta o amor por tudo (por que é isso o amor pelo saber) mas aquele que transforma tudo numa grande "seca" (num terreno infértil).
Haverá uma solução para devolver às mentes que brilham, do insaciável ser humano, o medicamento, os nutrientes, a paz, que intimamente procura e que só o saber, a visão sem obstáculos do mundo (interior e exterior) pode trazer?
Enfim... finalmente a criança parte para a escola ou para o jardim de infância e rapidamente descobre o significado de "educação". Educação, neste país, significa acima de tudo obedecer. Estar sentado quando nos mandam, estar calado quando nos mandam, dar a resposta que se pretende quando nos mandam. Lentamente toda a actividade inquisidora, crítica, da criança, e vista como o pior dos males para quem tem de manter calados e na ordem 20 ou 30 miúdos, é destruída por aquilo a que chamamos "conhecimento", ou seja, o empinar de preconceitos como se fossem saber.
O problema, é certo, não está nos professores, que fazem o melhor que podem com aquilo que têm e que lhes é pedido. O problema está na nossa cultura, nas nossas tradições que repetem à exaustão que "o menino bom", "o menino bem comportado", é aquele que obedece, que ouve o que lhe dizem, que respeita os pais e os professores. O nosso objectivo não é criar artistas rebeldes, cientistas revolucionários ou dar as condições para que surjam homens e mulheres mais felizes, livres e realizados do que o que nós próprios podemos ser ou até conceber no nosso estado actual. O nosso objectivo é criar e manter o conformismo, a "normalidade", o bom senso, o bom gosto, enfim pessoas "bem educadas", iguais a nós, ou, pelo menos, previsíveis, controladas. Nesta linha de pensamento não tem grande importância construir ginásios, pôr miúdos de quatro e cinco anos a fazer o pino e a roda, saltos em trampolim, corrida, natação, enfim, deixá-los desenvolver ao máximo. Pelo contrário, é até um pouco melindroso que uma criança de cinco anos consiga fazer na perfeição um salto mortal quando o seu professor de português mal se consegue levantar da cadeira sem se apoiar na mesa.
Dar às crianças a liberdade de serem elas próprias e a capacidade de se expressarem pode de facto parecer assustador. Por isso o mundo actual das crianças e adolescentes divide-se em duas partes: os jogos, a internet, o convívio social, onde exploram, aprendem e se mostram, e o mundo dos "adultos": da obediência, da aprendizagem à força, da "seca" das aulas, onde raramente se aprende algo de útil mas se recebe o diploma para depois ir continuar a obedecer ao patrão, ao estado, a troco de dinheiro.
Pode ser duro de ouvir, mas a verdade é que estamos a ensinar às nossas crianças a prostituirem-se mentalmente. Para terem a aceitação dos pais e da sociedade têm de deixar de ser elas próprias, têm de deixar de se comportarem como querem, têm de deixar de desejar o que desejam, têm de passar a ser "outro", uma máscara, uma mentira, um papel social. E só aí, nessa mentira, a sociedade as aceita. Aí serão os directores, os pais e mães de família, os estudantes abnegados, os colegas desgarrados, etc. Mas a sua verdadeira individualidade, o seu verdadeiro nome, perde-se, algures, entre a infância e a idade adulta.
Haverá alternativa? Sem dúvida, é aliás mais fácil do que todo o trabalho que actualmente temos para inculcar, formatar e dinamizar os jovens e crianças. A alternativa é simples: em vez de lhes dizermos como têm que ser, comportar-se e o que desejar, vamos ouvir e dar-lhes o que eles querem misturado com o que precisam.
Por exemplo, vamos dar-lhes desporto, mas não sempre o mesmo, variado, de forma a terem um amplo leque de experiências para mais tarde poderem escolher melhor o que se adequa àquele momento da sua vida.
Vamos dar-lhes a oportunidade de escolher o que querem aprender. Mais ou menos desporto, mais ou menos arte, mais ou menos ciência. Terá de haver alguns limites para evitar as armadilhas do hábito, da preguiça e da inconsciência. Mas tudo o que fizermos e lhes dermos deverá respeitar sempre os objectivos daquele indivíduo, daquela criança. Enquanto professores o nosso papel é servi-los (tal como o objectivo dos políticos deveria ser servir o seu povo). É dar-lhes o que eles precisam sem desrespeitar o que eles querem.
Deveríamos também acabar com os preconceitos sobre o que as crianças são capazes de aprender. É claro que, como os estudos de Piaget mostraram, muitas das capacidades de pensamento abstracto só estão presentes a partir da adolescência, mas nunca é cedo de mais para nos maravilharmos com a gradiosidade do universo por exemplo. Saber que existem biliões de estrelas na nossa galáxia, e que existem biliões de galáxias no universo visível, que há ainda muitos mistérios (como a matéria negra ou o que acontece no interior de um buraco negro) que a ciência ainda não desvendou, dá às crianças a visão real do nosso mundo e do papel que o homem tem actualmente nele: a de um explorador de infinitos. Esse é um papel que qualquer criança compreende e no qual se sente à vontade.
Este tipo de ciência, os rudimentos da astrofísica combinados com uma humildade popperiana, é tudo menos desadequado para a mentalidade das crianças. Para além da ideia geral do cosmos dada pela astronomia, e de falarmos de átomos, moleculas e partículas da física, deveríamos também falar às crianças extasiadas pelo mundo do conhecimento como por uma história da Disney, dos dinosaurios, do possível cometa que dizimou a vida na terra, deveríamos trazer ilustrações de bichos "pré-históricos" e falar da vida social dos muitos animais que habitam a terra: de como os albatrozes acasalam para toda a vida, do sacrifício que os pinguins fazem para cuidarem dos seus ovos, das brincadeiras dos leões-marinhos.
Mostraríamos filmes, livros, a net, como um mundo maravilhoso, cheio de coisas belas para descobrir. Aprender a ler e a escrever seriam então a continuação desses jogos de infância, divertidos, que nos abrem as portas para mundos novos.
Neste mundo que imagino não haveria propriamente aulas com tempos rígidos, em vez disso haveria espaços definidos. Por exemplo, num certo espaço haveria internet, falar-se-ia de astronomia, o tecto seria abaulado e, como um planetário, haveria desenhos de estrelas, galáxias, nebulosas e planetas distantes. Haveria também telescópios para olhar para o mundo para lá do céu que podemos ver a olho nu. Para examinar as crateras lunares, os aneis de saturno, ou os enchames de estrelas que compõem as nébulas e que são visíveis em noites claras.
Noutro espaço haveria réplicas de dinosaurios e outros bichos. Haveria também internet, poderíamos fazer jogos em que faríamos de leão e gaivota, imaginaríamos ser um desses bichos com todas as aventuras e viagens que teríamos. Imaginaríamos também por exemplo ser um insecto ou uma flor beijada pelo sol, ou então golfinho, ou águia. Para realizarmos essa tarefa poderíamos dispor da vasta quantidade de informação disponibilizada pela net. Quanto tempo vive um golfinho, como são os seus grupos, como comunicam entre si, como criam os filhos, etc. Veríamos também imagens da beleza deste planeta, dos recifes de corais, dos estranhos animais que habitam as profundezas dos oceanos.
Noutro espaço haveria o mundo humano, vestuários diferentes, diferentes normas que regulam o casamento, o comportamento, o ideal do que é levar uma boa vida. Neste espaço ouviríamos falar dos ascentas indianos que rejeitam todo o tipo de posse e andam nus por toda a parte, comendo apenas o que as pessoas lhes queiram dar. Veríamos comparações com diferentes tipos de ascetismo, como por exemplo os franciscanos. Saberíamos que em certos países as mulheres não podem destapar a cara, votar ou possuir propriedade. Ficaríamos a saber que já foi um pouco assim nos sítios onde vivemos, mas que entretanto as coisas mudaram. Poderíamos aprender coisas sobre o Corão, a Bíblia ou os textos sagrados Hindus e Budistas. Poderíamos também estudar como vivem as estrelas de cinema, como é a vida em Hollywood e Nova Iorque.
Estariam vazias salas como estas? Ou iriam algumas crianças, depois de brincarem e rirem umas com as outras, depois de jogarem na net, de saltarem à corda, de fazerem o pino, de dançarem e sorrirem, mergulhar nesta aventura do conhecimento de coração e mente aberta? Tentando aprender tudo o que conseguissem, como se a visão que o homem foi conquistando ao longo de séculos fosse o bem mais precioso que podiam alcançar?
Este processo de dar às crianças aquilo que elas querem e precisam de forma livre, respeitando o seu próprio tempo e prioridades específicas, teria também a vantagem de cada um desenvolver as capacidades e saberes que mais lhe são próprios. Quem tem jeito para a matemática iria mais para a matemática, outros dedicar-se-iam mais a construir motores, outros à história, outros à filosofia, às ciências empíricas, à dança, ao desporto. Teria certamente de haver alguns limites, mas o essencial é que o conhecimento fosse um prazer!
O conhecimento proposicional ou liguístico é a a vantagem central que permite aos seres humanos ter o modo de vida luxuoso que (alguns) têm. Deveríamos ver esse conhecimento como um dos bens mais preciosos, não só pelo que nos permite em termos materiais, mas pelos caminhos que abre ao espírito, à mente e ao coração. O conhecimento, o verdadeiro conhecimento, é um conjunto de janelas abertas sobre o mundo.
Como chegámos ao ponto de o transformar em tortura para alunos e professores?
É difícil de imaginar, mas olhando para a realidade que nos rodeia, é fácil de perceber:
1) obrigamos: impôr algo, mesmo que seja a goluseima mais apetitosa, é meio caminho andado para a tornar indesejável.
2) saturamos: damos sempre o mesmo doce, ou seja, em vez de alternarmos a expressão física (ginástica, atlétismo, desportos em grupo), com a expressão artística (música, teatro, poesia, etc), e com a expressão científica (matemática, astofísica, história, antropologia, etc), insistimos sempre no mesmo, aulas, aulas e mais aulas, até se tornar compleamente saturante, até vomitarmos conteúdos, até a própria palavra "aprender", "estudar", se tornar motivo de nojo, de vómito, ser capaz de nos tirar a boa disposição de um Domingo ensolarado.
3) substituímos o verdadeiro conhecimento, prático, rico, ambíguo, por uma farsa: descontextualizámos o conhecimento do mundo real que lhe deu origem, ensinando teorias como sequências de palavras ou ideias que têm de ser memorizadas, e consideramos que isso é que é o saber. Por exemplo, na biologia estudamos os nomes dos animais e a sua "taxonomia". Um bom aluno é aquele que sabe categorizar os animais, mas não aquele que conhece a forma como vivem, o que sentem, o que desejam, etc. Ou seja, substituímos a imensamente rica realidade que nos rodeia, rica em significados, em interpretações, em detalhes, por uma fórmula arcaíca e rígida que deve ser memorizada. Esta fórmula de facto empobrece a nossa visão global da realidade, sobretudo a nossa experiência por contacto directo com o mundo.
Esta última razão é a mais paradoxal pois poderia parecer que seria útil à sociedade veicular o melhor conhecimento que tem disponível aos seus "filhos". Mas nos nossos dias é muito mais fácil veicular velhas teorias já esquecidas do que tentar acompanhar o conhecimento actual, numa mutação cada vez mais rapida. O ritmo a que novos conhecimentos e conjecturas surgem é cada vez maior, tanto nas ciências abstractas como nas empíricas. Por exemplo o fractal de Mandelbrot surgiu apenas nos anos 80, dando origem a uma explosão no estudo da topologia, só há poucos anos se soube que os buracos negros estão no centro da maior parte das galáxias, os primeiros planetas descobertos fora do sistema solar foram também descobertos apenas na última década.
Ou seja, o enorme investimento dedicado à ciência e tecnologia nas últimas décadas provocou uma explosão de conhecimentos e aquilo que parece ser verdade hoje pode vir a revelar-se falso amanhã. É por isso mais simples dar a história da astronomia do que ensinar a astronomia actual. É muitíssimo mais fácil ensinar a história da filosofia do que acompanhar as lutas, refutações e contra-argumentações da míriade de filósofos e filosofias actuais. Mas o preço a pagar é que só ensinamos teorias ultrapassadas, feitas em contextos diferentes do nosso e que procuravam atingir objectivos que hoje já não seriam considerados tão essenciais.
Como "stor" de filosofia deparo-me exactamente com esse problema. Os manuais em geral oferecem como hipótese de estudo da epistemologia autores como Kant, Descartes ou Hume. Gigantes que tiveram um papel crucial no desenvolvimento da ciência como a conhecemos hoje em dia, que ajudaram, e muito, a garantir que o Renascimento, o Iluminismo, não morreria à nascença e que, em vez disso, floresceria nas muitas ciências que conhecemos hoje. Mas o seu esforço, tão glorioso na altura, e pelo qual eu por exemplo, estou muito grato, é hoje descontextualizado. Hoje em dia não procuramos rebater os dogmas da religião, não tentamos encontrar um processo de justificação que rejeite tudo o que não seja absolutamente fundado. Se as filosofias de Descartes, Hume e Kant, ajudaram a acabar com a superstição e dogmatismo do seu tempo afirmando a necessidade de apenas acreditar no que era absolutamente evidente, a sua exposição nos nossos dias só pode incentivar a desconfiança na própria filosofia. Porque o desafio hoje é conciliar os diversos saberes. Assistimos hoje ao surgimento da filosofia das emoções, do conceito de "inteligência emocional" a par de muitas outras formas de inteligência. Ou seja, o desafio dos nossos dias é unir, sintetizar os vários domínios do conhecimento, criar pontes. Ora as filosofias do século XVII e XVIII que ficaram para a história não nos permitem fazer isso. Pelo contrário.
Ter de ensinar teorias que estão em franca dessintonia com os desafios do nosso tempo, a alunos que consideram a escola e o ensino como uma forma dissimulada de tortura e de controlo que os tenta privar da sua liberdade e autenticidade é de facto a experiência do filósofo "ao contrário". Ou seja, não aquele que traz luz, mas a confusão, não aquele que é desejado pelo saber, mas o que é temido pela imposição de meros conceitos, não aquele que desperta o amor por tudo (por que é isso o amor pelo saber) mas aquele que transforma tudo numa grande "seca" (num terreno infértil).
Haverá uma solução para devolver às mentes que brilham, do insaciável ser humano, o medicamento, os nutrientes, a paz, que intimamente procura e que só o saber, a visão sem obstáculos do mundo (interior e exterior) pode trazer?
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Já agora... um poema do Al Berto
Que a maquinaria do mundo te sorria e que o tempo se abra para ti como o solo, a água e a luz para uma flor.
Sequências causais dão forma ao nosso corpo, à incrível maquinaria que nos faz despertar, pensar, adormecer outra vez... Enquanto ela funcionar também nós funcionamos, e connosco tudo o resto, plantas, animais e sistemas sociais, planetas, estrelas e galáxias, tudo continua. Pelo menos para nós. Quem sabe se o Universo para, entre cada momento, durante incontáveis biliões de anos, onde civilizações alienígenas, que nos olham de fora, estudam cada passo, como alguém que aprecia um poema. Mas para nós é indiferente. Quer passe um bilião de anos ou quase nada entre este momento e o próximo, aquilo que sinto dele, da passagem do tempo, é o que o meu cérebro mo permite.
Sou conjunto de neurónios, a persona que dá voz a este amontoado de triliões de células, que coabita com outros da mesma espécie, que escreve, que dita, que ouve, que aprende, que ensina.
Tenho uma "identidade", um caminho, um percurso feito e outro a fazer... Existo como ser social, personalidade... Persona, essa máscara tão fácil de entender, de imaginar, de esculpir. Tão diferente do mar complexo, criado por biliões de anos de tentativa e erro, que realmente sou, e cuja verdade só se mostra na doença, no desfalecimento da máscara...
Já agora, um poema do Al Berto...
"amo as águas no instante em que não são do rio
nem ainda pertencem ao mar
árduas planícies rosto incendiado pesando-me nos ombros
hirto... tatuado no entardecer de magoada cocaína
leio baixinho aquele poema Eu de Belaflor
nocturna sombra do corpo embriagado
fogos por descuido acesos no humido leito de juncos
altíssima margem... inacessível noite de Florbela
e o soneto dizia:
Sou aquela que passa e ninguém vê
Sou a que chamam triste sem o ser
Sou a que chora sem saber porquê
apesar de tudo conheço bem este rio
e o cuspo diáfano do coral o sono letárgico
os ternos lábios das grandes bocas fluviais
sinto o rigor das plantas erectas as vozes esparsas
os corpos de ouro enleados na violência das maresias
junto à foz de meu insegura desaguar... contínuo sentado
escrevo a desordem urgente das horas...medito-me
cuidadosamente o tabaco amargo pressente-te na garganta
e no fundo inóspito do corpo desenvolve-se
o desejo de fugir
espero o cortante sal-gema das ilhas... a ilusão
de me prolongar na secreta noite dos peixes
adormeço
para que estes dias aconteçam mais lentos
nas proximidades inalteráveis deste mar"poema de Al Berto
Em toda esta maquinaria
ouve-se uma respiração,
para dentro, para fora,
para fora, para dentro...
É como se fosse uma música,
de beleza diáfana,
na qual nos entregamos,
choramos, gritamos,
gememos, ora de dor, ora de prazer...
Na maquinação vivemos,
como flores crescemos,
pela liberdade nos opomos
e nascemos
pelo amor crescemos
pela beleza somos guiados
a uma realidade mais profunda,
Um sabor que não se deixa dizer
que não é possível transmitir
mas que a dança da respiração
entre o dentro e o fora
traz, por vezes até ao orgasmo...
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