sábado, 23 de novembro de 2013

O sucesso da (in)dependência

Já pensaram como o que tem mais sucesso na sociedade é o que causa mais dependência?

Olhem à nossa volta, internet, televisão, bebidas, até o tabaco e outras drogas legais...

Nós somos um mercado, enquanto tivermos força, tempo, saúde, energia (e dinheiro)...

haverá ideias, hábitos, emoções, pessoas, indústrias, etc, a sobreviver aproveitando-se dessas capacidades...

resta saber se há também um íntimo em nós que queira usar essas disponibilidades para se realizar.

Certamente que há! E, tal como qualquer processo auto-replicativo inconsciente, usa qualquer corpo disponível...

domingo, 17 de novembro de 2013

O que os outros pensam sobre mim

Há uma frase conhecida "O que os outros pensam sobre mim reflete mais o que os outros são do que aquilo que eu sou". Na realidade reflete ambas as coisas: a interação que se estabelece. Mas há algo de verdadeiro nessa frase.

Por exemplo, em Portugal temos um conjunto de estereótipos sobre o que um homem pode ser, no topo está o futebolista, esse grande herói nacional, acima de qualquer crítica, exceto algum erro técnico que faça. Mas nem as faltas que comete (se não forem vistas pelo árbitro) ou alguma insanidade que possa dizer na tv, nada disso interessa. Ele é grande porque ganha e ganha porque é forte e sabe jogar em equipa, derrotando, de forma mais ou menos honesta, mas sempre pela força e colaboração com o resto da equipa, e segundo as disposições do treinador (esse sim, em conjunto com o árbitro, possível alvo de grandes críticas).

Todos os outros estereótipos se podem compreender a partir da imagem do futebol: o sr Doutor é também alguém que conseguiu vencer na vida, por meios mais ou menos lícitos, e agora ocupa um topo da hierarquia, mantendo o seu poder e exercendo-o a seu bel-prazer, sobre os sub-alternos e na sociedade em geral (indo a restaurantes onde os pobres não podem ir, conduzindo carros inacessíveis aos outros... etc).

Depois há o político, esse verme da sociedade, que finge ser um servidor, que aparece como um salvador, quando na verdade, não pode senão ser outro jogador, a tentar vencer-nos e portanto, burlar-nos com as suas falsas ilusões.

Em tudo isto as mulheres têm um papel pouco claro. Ou são as amantes de todos nós, homens, aprendizes de futebolista, e se portam como naquelas músicas do Quim Barreiros, ou, se sobem na hierarquia e se tornam juízas, advogadas, enfim, poderosas, aparecem então na mentalidade portuguesa como uma espécie de anomalia mental difícil de explicar e com a qual é difícil de lidar (sobretudo quando um homem é sub-alterno, a não ser que, num ambiente citadino, já mais aberto às ideias de Hollywood, elas "vençam" pelo charme, aí já se encaixa numa outra mentalidade que importámos com sucesso: são uma espécie de deusas do charme).

Uma categoria mais típica seria a da Maria, ou das Marias, essas Santas que só sofrem o amor carnal na medida em que é necessário para viverem o espiritual e por lá se mantém maximamente puras, intocadas, virgens mesmo, mas súmula da perfeição, num céu onde não há paixão, a não ser por Cristo, e Amor e Piedade pelos homens.

No meio destas cenas típicas onde se mistura a força mundana, pureza celestial e sexo brejeiro, aparecem os novos ideais transmitidos sobretudo por filmes americanos, onde temos o herói: polícia, ladrão ou militar, mas sempre em nome da justiça ou da amizade, e depois aqueles romances todos "para miúdas". Na prática o paradigma do herói americano não se integrou a 100% no ideário português porque há algo de profundamente incompatível com a noção portuguesa de herói: a justiça. Em Portugal só há uma forma de justiça, a justiça Divina que, mesmo essa, se mostra de formas algo misteriosas e difíceis de compreender («Deus escreve direito por linhas tortas»), como a do Anjo que aparece a Maria e lhe revela a vontade do Criador. É uma vontade que não precisa de explicação: é a do Mais Forte, o Criador, Supremo Bom. Se é Ele que diz, então seja feita a Sua Vontade e Maria, Santa, submete-se sem um laivo de rebeldia, aceitação total, amor total, total desprendimento. Essa é a nossa noção de justiça, aquilo que o Maior dita, e nós, como bons subditos, tentamos cumprir. Da mesma forma que o treinador dita as ordens aos jogadores, há que fazer, há que ir à luta, sem discutir (a não ser que dê pró torto).

Ora, o herói americano não podia estar mais longe disto, porque ele pensa por si próprio, é individualista. Vai contra tudo e todos se for preciso, para defender aquilo que acha justo! Que estranho! Nem um doutor, nem um futebolista, nem sequer um político, ninguém dos nossos ideais, poderia singrar assim. Até Cristo seguia a vontade do Pai que, neste caso de Perfeição Absoluta, era a Sua própria Vontade. Mas compreendemos algo do herói americano: a força, a coragem, a violência, a vitória sobre os maus. E, nesse sentido, o herói americano, dos filmes note-se, aparece em todo o seu esplendor na cultura portuguesa, mais importante que tudo: ele vence no fim. E esse é o único critério do futebol, bem ou mal, ou venceste ou foste derrotado, e é isso que define se és uma estrela ou apenas "mais um".

E sobre os filmes do tipo romance mais vale  não falar: uma miúda que procure na mentalidade portuguesa um homem sensível, carinhoso, que a ouça e respeite e partilhe de todas as decisões e responsabilidades sendo ao mesmo tempo um bom amante... hummm... talvez não haja assim tantos Hugh Grants como isso por aqui: não é essa a "educação" que temos, somos (nós homens) ensinados a ser fortes e insensíveis. A delicadeza é vista como uma fraqueza, uma anomalia. É mais fácil arranjar um bom partido em Portugal cumprindo os ideais do Quim Barreiros: a "Cabritinha" dá-se bem no nosso pequeno jardim à beira-mar plantado!

Por outro lado, eu sou aquilo que se chama "aquele que procura a verdade". Nasci nesta terra e não encaixo em nenhum dos protótipos: não gosto de vencer, o que me exclui de imediato do mundo dos machos, não gosto de futebol, o que me exclui do mundo (excetuando o grupo das mulheres caseiras e outros rebaixados ou inadaptados!), não sou padre nem poeta nem intelectual de vanguarda (inventor de novos mundos).

No entanto, ao viajar descobri que encaixo facilmente noutros mundos. Nos EUA sou simplesmente um nerd, em França pareço pertencer à elite (pelos gostos), na Inglaterra seria considerado um gentleman, num país do norte da Europa seria simplesmente "normal", ou seja não-hooligan.

Por outras palavras, eu sou exatamente o mesmo, mas o modo como as pessoas me vêm pode ser radicalmente diferente conforme as categorias que elas têm disponíveis e que define o modo como agem, o que sentem e pensam, o que desejam e esperam da vida.

Neste sentido, é evidente que aquilo que alguém possa pensar sobre mim diz um pouco sobre mim. Mas, do meu ponto de vista, diz muito mais sobre essa pessoa. Porque eu já me conheço e sei como apareço sob as diferentes perspetivas. Quando alguém diz que eu sou belo, feio, coerente, inconsistente, inapto, hábil, corajoso, cobarde, que "não sei o que quero", que "sou das poucas pessoas que sabe o que quer", que penso demais, que não penso o suficiente, que tenho espírito de liderança, que não sei lidar com os outros, que sou tímido, que sou extrovertido, que tenho grandes capacidades, que tenho muitas limitações, que ando perdido, que sou muito apaixonado, que "estás lá (a um sítio onde muitos desejam chegar supostamente)", que sou insensível como um robot, brilhante como um Sol, triste e só, derrotado, vencedor, etc, etc... isso realmente não me diz quase nada sobre mim, a maior parte das vezes não diz mesmo nada! Porque eu percebo o que aquela pessoa me está a tentar dizer e sobre que é que está a falar. (Muitas vezes nem é sobre mim mas sobre as circunstâncias em que me encontrou.) Mas também percebo, ao mesmo tempo, de onde é que ela vem, quem ela é, e isso já é novo! O que ela me diz sobre mim não revela grande coisa que eu já não saiba sobre mim mesmo, mas, na medida em que é inesperado, pode revelar-me imenso sobre quem ela é, o que quer, o que é capaz de ver e não ver, o que deseja e odeia, onde está e para onde vai.

Nesse sentido aquela frase inicial é verdadeira. Mas temos de ter cuidado, em geral uma opinião revela algo sobre a interação, só alguém que já se conheça bem e se tenha visto em muitas perspetivas diferentes pode conhecer, a partir da interação, o lado do outro.  Se não, ou seja, se não formos sensíveis ao que os outros nos dizem, podemos ficar cegos a características de nós mesmos, do que somos, fomos ou nos estamos a tornar.

sábado, 16 de novembro de 2013

Olha o meu dedo! Algo eterno e mutável...

"Nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma."

Pensamos que há certas coisas que são imutáveis, como a quantidade de energia/matéria no universo.

Se isso for verdade tudo aquilo que vemos tem uma aparência que muda e uma outra parte que não muda. Também se pensa que toda a matéria é formada exatamente pelo mesmo tipo de partículas elementares. Olhe eu para um candeeiro ou para um pintassilgo estou a olhar para um conjunto de quarks, eletrões, etc, que só variam na disposição. É a mesma coisa, mas organizada de maneira diferente, tal como uma pessoa e uma poça de água, só muda o aspeto.

Claro, tudo isto não passam de teorias, apesar de serem as melhores que conseguimos encontrar até ao momento. Mas, verdade ou falso, é curioso pensar que de um certo ponto de vista, o nosso universo é eterno e imutável, enquanto que, de outro, há mudança, morte e nascimento continuo. E, é exatamente a mesma coisa. Ou seja, exatamente a mesma entidade permanece, por um lado, exatamente igual e, por outro, está sempre a mudar.

Por exemplo, podemos pensar, seguindo a física atual, que o universo permanece sempre igual na sua composição elementar, nos seus princípios / leis: nesta perspetiva o universo é sempre a mesma coisa. Por outro lado, são as relações que essas entidades imutáveis estabelecem que dão origem a toda a diversidade e permitem a mudança que vemos à nossa volta e de que participamos.

Nesta tensão entre eternidade e mudança podemos acentuar qualquer dos aspetos: tanto podemos dizer que na realidade só há o mesmo e toda a mudança não passa de diferentes configurações ou aspetos da mesma coisa, como se diferentes facetas se tratasse de uma só existência. Mas também podemos ver a unidade como uma ficção, uma abstração, ou seja, pensando que o que existe são uma enorme quantidade de coisas, cada uma delas diferente de todas as outras, porque única, apesar de partilhar as mesmas propriedades. Mas a mesmidade, diremos quando olhamos nessa perspetiva, não passa de uma abstração, algo que inventámos na nossa mente para compreender melhor o mundo. Na realidade, diremos, a unidade é uma ficção.

Ambas as perspetivas parecem muito plausíveis, vistas de cada uma das perspetivas respetivas e praticamente incompreensíveis / absurdas, se vistas da outra. Quem consegue passar facilmente de uma para outra pode-se divertir a ver o mundo ora de uma maneira ora de outra, e sentindo talvez que ambas parecem partes essenciais de algo maior que é apenas pressentido.

Seja como for uma coisa é certa: sem a unidade o mundo seria incompreensível, um caos de mudança. Sem diversidade seria invisível, pois as leis nunca se vêm diretamente, apenas se deduzem pelos efeitos, pelas particularidades que provocam.

Seja qual for a perspetiva porque queiramos ver o mundo, parece certo que só o mutável é acessível aos sentidos e instrumentos de observação, mas só tentando chegar ao imutável fazemos desse caos uma unidade reconhecível.

Expectativas - não obrigado.

O problema das expectativas é que são, em geral, acerca de coisas que se passam no mundo e não apenas na nossa cabeça. Vimos que foi preciso um batalhão de génios, ao longo de séculos (milénios?) para descobrirmos que não era o sol que andava à volta da terra. Como saber então o que tu vais pensar a seguir, que és muito mais imprevisível que aquele astro fervilhante? Estás mais perto, mas é mais fácil deduzir a composição do sol do que as subtilezas dos teus pensamentos.

E o mesmo se passa com as situações, onde se emaranham as ações de inúmeros de nós, todos pelo menos parcialmente imprevisíveis?

Diremos então que não vale a pena ter expectativas?

Eu diria que vale a pena ter paixões, fazer planos, tecer esperanças, procurar certas coisas, mas sempre com um plano B e C e D prontos na manga para se tantas outras coisas falharem. É bom apontarmos para o melhor mas igualmente bom estarmos preparados para o pior.

Como o velejador que aponta o navio para um rumo certo sabendo à partida que terá de estar sempre a corrigir a rota. O importante não é saber o que vai acontecer a seguir, mas sim para onde queremos ir e o que estamos dispostos a pagar para tentar lá chegar...