Agora, sem esse peso, a vida parece um esvoaçar: ir às compras, meter o carro a mudar a correia de distribuição, arranjar aparelhos elétricos cá em casa (alguns há anos que andavam à espera do seu turno, incluindo este teclado ^_^), tudo isto parece uma festa... leve, livre...
Para o ano apenas 3 cadeiras em vez das 10... o que fazer com tanto tempo livre?
Subitamente desenha-se um desafio, um desafio que merece muitos meses a ser confrontado:
Estou aqui, num mar de estrelas sem fim, rodeado de oceanos, pessoas, emoções e pensamentos que desconheço... sei que vou morrer, em breve, no máximo algumas décadas de vida. O que fazer face a esta imensidão? O que fazer perante um mundo que me parece tão belo? O que fazer num sítio onde tudo é absolutamente misterioso? O que fazer com o tempo que me resta?
Poesia? Criar?
Ciência? Perscrutar?
Amor? Ser-livre-com...
Não há qualquer dúvida! Pois tudo o que desejo são facetas umas coisas das outras: o Encontro com tudo o que Existe de acordo com as minhas pequenas possibilidades!
Mas isto é na teoria... e na teoria é fácil imaginarmo-nos a ser o melhor bailaranino do mundo, o melhor mestre de artes marciais. Na imaginação o corpo não pesa, é absolutamente rápido, absolutamente destro, absolutamente ágil. Faz tudo o que queremos, quando queremos, à velocidade que queremos. Nunca caímos, nunca falhamos, nada nos escapa, a não ser se for para dar mais ênfase / dramatismo à história que corre na nossa imaginação.
Na realidade, perde-se o fôlego, o corpo arrasta-se, sentimos dores, não se dobra no sítio certo nem à velocidade certa. Somos uns desengonçados... a não ser depois de mesmo muitos anos de prática, e mesmo assim...
Ou seja, na realidade, Criar, Perscrutar, Ser-livre-com... a maior parte das vezes desemboca em rotinas, em prazeres que são vícios, em fugas e becos-sem-saída, em falsas esperanças e outras ilusões, em sonhos de grandeza que só mostram a nossa miséria, numa montanha russa de ganhos e perdas e ânsias por coisas que supostamente queremos mas que afinal não nos levam onde queríamos chegar... apenas aparentavam ser desejáveis.
Na verdade, a vida é mágica por todo o lado, mesmo na maior dor, se pusermos a tocar o Adagio de Albinone, percebemos a beleza da perda... Mas precisamente por ser tão bela em tantos sentidos diferentes podemos rapidamente perder o poder de síntese que nos dá a visão do todo e um caminho que resulte do florescimento de nós mesmos.
Ou seja, pode ser belo ter um acidente de carro e ficar todo partido. Mas, podendo escolher, preferimos manter o carro intacto durante a viagem. E pode ser belo ir para o parque de estacionamento subterrâneo de um centro comercial, ou uma lixeira! Mas se calhar preferimos atravessar a serra de Sintra e ir ver o Oceano do alto dos seus penedos...
É impossível sair da beleza da vida. Quem acreditar em Deus, pode talvez achar que é como a assinatura do Criador, está em cada coisa, em cada flor, em cada neurónio, em cada proteína. Mesmo na morte, precisamente por ser tão dolorosa, sendo ao mesmo tempo uma libertação.
Mas, podendo escolher... parece haver caminhos preferíveis a outros.
Afinal o corpo da Amada é Belo em todos os seus poros, em cada ponto da sua pele...
Mas, podendo escolher... há um caminho, uma música, a percorrer com ela e para ela...
e eu, aparentemente, posso escolher...
escolher o quê?
plenamente Atento à tua beleza
um gesto de Amor