sábado, 23 de novembro de 2013

O sucesso da (in)dependência

Já pensaram como o que tem mais sucesso na sociedade é o que causa mais dependência?

Olhem à nossa volta, internet, televisão, bebidas, até o tabaco e outras drogas legais...

Nós somos um mercado, enquanto tivermos força, tempo, saúde, energia (e dinheiro)...

haverá ideias, hábitos, emoções, pessoas, indústrias, etc, a sobreviver aproveitando-se dessas capacidades...

resta saber se há também um íntimo em nós que queira usar essas disponibilidades para se realizar.

Certamente que há! E, tal como qualquer processo auto-replicativo inconsciente, usa qualquer corpo disponível...

domingo, 17 de novembro de 2013

O que os outros pensam sobre mim

Há uma frase conhecida "O que os outros pensam sobre mim reflete mais o que os outros são do que aquilo que eu sou". Na realidade reflete ambas as coisas: a interação que se estabelece. Mas há algo de verdadeiro nessa frase.

Por exemplo, em Portugal temos um conjunto de estereótipos sobre o que um homem pode ser, no topo está o futebolista, esse grande herói nacional, acima de qualquer crítica, exceto algum erro técnico que faça. Mas nem as faltas que comete (se não forem vistas pelo árbitro) ou alguma insanidade que possa dizer na tv, nada disso interessa. Ele é grande porque ganha e ganha porque é forte e sabe jogar em equipa, derrotando, de forma mais ou menos honesta, mas sempre pela força e colaboração com o resto da equipa, e segundo as disposições do treinador (esse sim, em conjunto com o árbitro, possível alvo de grandes críticas).

Todos os outros estereótipos se podem compreender a partir da imagem do futebol: o sr Doutor é também alguém que conseguiu vencer na vida, por meios mais ou menos lícitos, e agora ocupa um topo da hierarquia, mantendo o seu poder e exercendo-o a seu bel-prazer, sobre os sub-alternos e na sociedade em geral (indo a restaurantes onde os pobres não podem ir, conduzindo carros inacessíveis aos outros... etc).

Depois há o político, esse verme da sociedade, que finge ser um servidor, que aparece como um salvador, quando na verdade, não pode senão ser outro jogador, a tentar vencer-nos e portanto, burlar-nos com as suas falsas ilusões.

Em tudo isto as mulheres têm um papel pouco claro. Ou são as amantes de todos nós, homens, aprendizes de futebolista, e se portam como naquelas músicas do Quim Barreiros, ou, se sobem na hierarquia e se tornam juízas, advogadas, enfim, poderosas, aparecem então na mentalidade portuguesa como uma espécie de anomalia mental difícil de explicar e com a qual é difícil de lidar (sobretudo quando um homem é sub-alterno, a não ser que, num ambiente citadino, já mais aberto às ideias de Hollywood, elas "vençam" pelo charme, aí já se encaixa numa outra mentalidade que importámos com sucesso: são uma espécie de deusas do charme).

Uma categoria mais típica seria a da Maria, ou das Marias, essas Santas que só sofrem o amor carnal na medida em que é necessário para viverem o espiritual e por lá se mantém maximamente puras, intocadas, virgens mesmo, mas súmula da perfeição, num céu onde não há paixão, a não ser por Cristo, e Amor e Piedade pelos homens.

No meio destas cenas típicas onde se mistura a força mundana, pureza celestial e sexo brejeiro, aparecem os novos ideais transmitidos sobretudo por filmes americanos, onde temos o herói: polícia, ladrão ou militar, mas sempre em nome da justiça ou da amizade, e depois aqueles romances todos "para miúdas". Na prática o paradigma do herói americano não se integrou a 100% no ideário português porque há algo de profundamente incompatível com a noção portuguesa de herói: a justiça. Em Portugal só há uma forma de justiça, a justiça Divina que, mesmo essa, se mostra de formas algo misteriosas e difíceis de compreender («Deus escreve direito por linhas tortas»), como a do Anjo que aparece a Maria e lhe revela a vontade do Criador. É uma vontade que não precisa de explicação: é a do Mais Forte, o Criador, Supremo Bom. Se é Ele que diz, então seja feita a Sua Vontade e Maria, Santa, submete-se sem um laivo de rebeldia, aceitação total, amor total, total desprendimento. Essa é a nossa noção de justiça, aquilo que o Maior dita, e nós, como bons subditos, tentamos cumprir. Da mesma forma que o treinador dita as ordens aos jogadores, há que fazer, há que ir à luta, sem discutir (a não ser que dê pró torto).

Ora, o herói americano não podia estar mais longe disto, porque ele pensa por si próprio, é individualista. Vai contra tudo e todos se for preciso, para defender aquilo que acha justo! Que estranho! Nem um doutor, nem um futebolista, nem sequer um político, ninguém dos nossos ideais, poderia singrar assim. Até Cristo seguia a vontade do Pai que, neste caso de Perfeição Absoluta, era a Sua própria Vontade. Mas compreendemos algo do herói americano: a força, a coragem, a violência, a vitória sobre os maus. E, nesse sentido, o herói americano, dos filmes note-se, aparece em todo o seu esplendor na cultura portuguesa, mais importante que tudo: ele vence no fim. E esse é o único critério do futebol, bem ou mal, ou venceste ou foste derrotado, e é isso que define se és uma estrela ou apenas "mais um".

E sobre os filmes do tipo romance mais vale  não falar: uma miúda que procure na mentalidade portuguesa um homem sensível, carinhoso, que a ouça e respeite e partilhe de todas as decisões e responsabilidades sendo ao mesmo tempo um bom amante... hummm... talvez não haja assim tantos Hugh Grants como isso por aqui: não é essa a "educação" que temos, somos (nós homens) ensinados a ser fortes e insensíveis. A delicadeza é vista como uma fraqueza, uma anomalia. É mais fácil arranjar um bom partido em Portugal cumprindo os ideais do Quim Barreiros: a "Cabritinha" dá-se bem no nosso pequeno jardim à beira-mar plantado!

Por outro lado, eu sou aquilo que se chama "aquele que procura a verdade". Nasci nesta terra e não encaixo em nenhum dos protótipos: não gosto de vencer, o que me exclui de imediato do mundo dos machos, não gosto de futebol, o que me exclui do mundo (excetuando o grupo das mulheres caseiras e outros rebaixados ou inadaptados!), não sou padre nem poeta nem intelectual de vanguarda (inventor de novos mundos).

No entanto, ao viajar descobri que encaixo facilmente noutros mundos. Nos EUA sou simplesmente um nerd, em França pareço pertencer à elite (pelos gostos), na Inglaterra seria considerado um gentleman, num país do norte da Europa seria simplesmente "normal", ou seja não-hooligan.

Por outras palavras, eu sou exatamente o mesmo, mas o modo como as pessoas me vêm pode ser radicalmente diferente conforme as categorias que elas têm disponíveis e que define o modo como agem, o que sentem e pensam, o que desejam e esperam da vida.

Neste sentido, é evidente que aquilo que alguém possa pensar sobre mim diz um pouco sobre mim. Mas, do meu ponto de vista, diz muito mais sobre essa pessoa. Porque eu já me conheço e sei como apareço sob as diferentes perspetivas. Quando alguém diz que eu sou belo, feio, coerente, inconsistente, inapto, hábil, corajoso, cobarde, que "não sei o que quero", que "sou das poucas pessoas que sabe o que quer", que penso demais, que não penso o suficiente, que tenho espírito de liderança, que não sei lidar com os outros, que sou tímido, que sou extrovertido, que tenho grandes capacidades, que tenho muitas limitações, que ando perdido, que sou muito apaixonado, que "estás lá (a um sítio onde muitos desejam chegar supostamente)", que sou insensível como um robot, brilhante como um Sol, triste e só, derrotado, vencedor, etc, etc... isso realmente não me diz quase nada sobre mim, a maior parte das vezes não diz mesmo nada! Porque eu percebo o que aquela pessoa me está a tentar dizer e sobre que é que está a falar. (Muitas vezes nem é sobre mim mas sobre as circunstâncias em que me encontrou.) Mas também percebo, ao mesmo tempo, de onde é que ela vem, quem ela é, e isso já é novo! O que ela me diz sobre mim não revela grande coisa que eu já não saiba sobre mim mesmo, mas, na medida em que é inesperado, pode revelar-me imenso sobre quem ela é, o que quer, o que é capaz de ver e não ver, o que deseja e odeia, onde está e para onde vai.

Nesse sentido aquela frase inicial é verdadeira. Mas temos de ter cuidado, em geral uma opinião revela algo sobre a interação, só alguém que já se conheça bem e se tenha visto em muitas perspetivas diferentes pode conhecer, a partir da interação, o lado do outro.  Se não, ou seja, se não formos sensíveis ao que os outros nos dizem, podemos ficar cegos a características de nós mesmos, do que somos, fomos ou nos estamos a tornar.

sábado, 16 de novembro de 2013

Olha o meu dedo! Algo eterno e mutável...

"Nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma."

Pensamos que há certas coisas que são imutáveis, como a quantidade de energia/matéria no universo.

Se isso for verdade tudo aquilo que vemos tem uma aparência que muda e uma outra parte que não muda. Também se pensa que toda a matéria é formada exatamente pelo mesmo tipo de partículas elementares. Olhe eu para um candeeiro ou para um pintassilgo estou a olhar para um conjunto de quarks, eletrões, etc, que só variam na disposição. É a mesma coisa, mas organizada de maneira diferente, tal como uma pessoa e uma poça de água, só muda o aspeto.

Claro, tudo isto não passam de teorias, apesar de serem as melhores que conseguimos encontrar até ao momento. Mas, verdade ou falso, é curioso pensar que de um certo ponto de vista, o nosso universo é eterno e imutável, enquanto que, de outro, há mudança, morte e nascimento continuo. E, é exatamente a mesma coisa. Ou seja, exatamente a mesma entidade permanece, por um lado, exatamente igual e, por outro, está sempre a mudar.

Por exemplo, podemos pensar, seguindo a física atual, que o universo permanece sempre igual na sua composição elementar, nos seus princípios / leis: nesta perspetiva o universo é sempre a mesma coisa. Por outro lado, são as relações que essas entidades imutáveis estabelecem que dão origem a toda a diversidade e permitem a mudança que vemos à nossa volta e de que participamos.

Nesta tensão entre eternidade e mudança podemos acentuar qualquer dos aspetos: tanto podemos dizer que na realidade só há o mesmo e toda a mudança não passa de diferentes configurações ou aspetos da mesma coisa, como se diferentes facetas se tratasse de uma só existência. Mas também podemos ver a unidade como uma ficção, uma abstração, ou seja, pensando que o que existe são uma enorme quantidade de coisas, cada uma delas diferente de todas as outras, porque única, apesar de partilhar as mesmas propriedades. Mas a mesmidade, diremos quando olhamos nessa perspetiva, não passa de uma abstração, algo que inventámos na nossa mente para compreender melhor o mundo. Na realidade, diremos, a unidade é uma ficção.

Ambas as perspetivas parecem muito plausíveis, vistas de cada uma das perspetivas respetivas e praticamente incompreensíveis / absurdas, se vistas da outra. Quem consegue passar facilmente de uma para outra pode-se divertir a ver o mundo ora de uma maneira ora de outra, e sentindo talvez que ambas parecem partes essenciais de algo maior que é apenas pressentido.

Seja como for uma coisa é certa: sem a unidade o mundo seria incompreensível, um caos de mudança. Sem diversidade seria invisível, pois as leis nunca se vêm diretamente, apenas se deduzem pelos efeitos, pelas particularidades que provocam.

Seja qual for a perspetiva porque queiramos ver o mundo, parece certo que só o mutável é acessível aos sentidos e instrumentos de observação, mas só tentando chegar ao imutável fazemos desse caos uma unidade reconhecível.

Expectativas - não obrigado.

O problema das expectativas é que são, em geral, acerca de coisas que se passam no mundo e não apenas na nossa cabeça. Vimos que foi preciso um batalhão de génios, ao longo de séculos (milénios?) para descobrirmos que não era o sol que andava à volta da terra. Como saber então o que tu vais pensar a seguir, que és muito mais imprevisível que aquele astro fervilhante? Estás mais perto, mas é mais fácil deduzir a composição do sol do que as subtilezas dos teus pensamentos.

E o mesmo se passa com as situações, onde se emaranham as ações de inúmeros de nós, todos pelo menos parcialmente imprevisíveis?

Diremos então que não vale a pena ter expectativas?

Eu diria que vale a pena ter paixões, fazer planos, tecer esperanças, procurar certas coisas, mas sempre com um plano B e C e D prontos na manga para se tantas outras coisas falharem. É bom apontarmos para o melhor mas igualmente bom estarmos preparados para o pior.

Como o velejador que aponta o navio para um rumo certo sabendo à partida que terá de estar sempre a corrigir a rota. O importante não é saber o que vai acontecer a seguir, mas sim para onde queremos ir e o que estamos dispostos a pagar para tentar lá chegar...

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Diretamente prá veia...

Esta vai diretamente prá veia...




sábado, 26 de outubro de 2013

Procurei a verdade, encontrei a Beleza...

Uma verdade que não encontrei foi a de saber se a beleza que sinto corresponde ou não a algo existente fora de mim, ou seja se é um encontro ou apenas uma ilusão.

Mas, se for um encontro, então talvez seja uma forma ainda mais completa e profunda, do que procurei atingir pela "verdade", ou seja, pelos conceitos.

Isso não quer dizer que tenha desistido de procurar a verdade, até porque elas parecem acompanhar-se bem. Uma beleza apoiada em ilusões, um verdade feia, duram pouco. A primeira compreende-se (só a verdade é imutável), a segunda é um mistério que revela a beleza do mundo.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O mais belo

Durante muitos anos procurei na religião, na filosofia, na poesia, a beleza do mundo e de como eu poderia viver uma vida bela, com sentido, nele.

Mas, apesar de todas essas viagens por pensamentos, emoções, teorias, continuarem a ter grande importância para mim, descobri, com bastante surpresa, que a maior beleza está mesmo aqui, basta ser realista, estar atento, e o universo de estrelas, galáxias e tempos imemoriais salta à vista. Está aqui, foi de onde vieram estes móveis, a comidinha, o ar que respiramos, as ideias que temos, este corpinho, este edifício. E é para lá que tudo irá novamente, passado um certo tempo.

Numa certa altura, o próprio planeta terá esgotado a possibilidade de suster vida, mas ela continuará (como agora) para lá do nosso sistema solar... E isso é tão real como o pãozinho a fazer lá dentro na cozinha.

Posso morar no Algueirão, mas é naquele Algueirão que habita a via láctea (faz parte).

O único que é real.

O mundo, tão pouco humano... tão para lá do humano...

O mundo é gigantesco. Tanto que não conseguimos definir o nosso tamanho nele. Somos muito menos que minúsculos, quase inexistentes. Mesmo o nosso pequeno planeta se perde na imensidão do mundo, o próprio sistema solar, onde a terra é apenas um grão de areia, também se perde de vista entre os milhões de milhões de galáxias...

O tempo que já decorreu é igualmente gigantesco, acompanhando bem este espaço aparentemente sem fim. E todas estas quantidades são ainda mais avassaladoras quando pensamos no detalhe que cada nanosegundo ou nanometro contém. São (por exemplo, em algo tão simples como o ar que respiramos) biliões de biliões de moléculas chocando a milhares de kms/hora, isto tudo acontecendo num espaço mais pequeno do que o que conseguimos imaginar.

Há tanto detalhe, mesmo nesta parte infinitesimal do mundo que habitamos...

E no entanto o espaço gigantesco e o tempo gigantesco combinam bem um com o outro. Olhados em conjunto dão-nos uma imagem do Universo bastante congruente. Um universo com tantas galáxias não poderia deixar de ter tantos biliões de anos e a história do nosso planeta encaixa-se bem nessa imagem, onde a vida tem conhecido inúmeras aventuras por segundo mais de 3 mil milhões de anos em que tem transformado a terra....

Toda esta imensa paisagem, que tem tão pouco de humano, ou melhor, que está tão para lá do humano, parece transportar como que uma música com ela, um certo feeling, como qualquer outra música ou quadro ou paisagem.

Uma cena bem bonita, onde, afinal, somos pouco mais que irrelevantes. Mas que a paisagem e a aventura são bonitas, diríamos mesmo extasiantes, disso só quem não ouviu a "música" pode ter dúvidas....


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

As pessoas

Uma pedra é o que é, e, para além do que é, podemos, com os olhos da mente, imaginar o que foi, como chegou ali, o que poderia ter sido, o papel que tem no mundo e o mundo de significados que poderia ter para nós.

Mas uma pessoa, para além de tudo isto, que advém da sua existência enquanto ser físico, também fala e nos diz coisas em que é suposto acreditarmos. Mas há vários problemas em usar a linguagem para ver como uma pessoa é. Por um lado a linguagem é sempre parcial, ela apenas sugere, não dá o objeto, emoção, sensação, que pretende evocar. Quando alguém diz "gosto de ti" tenta evocar em nós um sentimento muito peculiar, que é diferente do gosto dele ou dela, ou gosto de carapau. Porque cada maneira de gostar é única e varia não só segundo o objeto mas também segundo o tempo. Gosto de ti hoje como gostava de ti há dez anos, sim, mas não exatamente da mesma maneira: eu mudei, tu mudaste, tudo mudou à nossa volta. O mundo já não é o mesmo, ou pelo menos já não o vejo da mesma maneira.

O que queres dizer então quando dizes "gosto de ti"?

É preciso saber decifrar, nem sei se o Sherlock Holmes conseguiria tal proeza. É preciso conhecer-te, lentamente, pela história, e em pormenor. Saber o que dizem cada um dos teus gestos, não só em relação a mim mas ao mundo inteiro. Conhecer a tua beleza única e irrepetível, e também o modo como te relacionas com o mundo, com a existência, contigo própria, com os teus medos e desejos. E então, talvez, possa então ter um vislumbre do que queres dizer quando dizes "gosto de ti".

Sei que me tentas ajudar e me dizes muitas outras coisas para me ajudares a tentar compreender. Dizes por exemplo: "gosto muito de ti" ou "o meu amor por ti é profundo como o mar e gigante como o universo" ou "e não há mais ninguém de que eu goste tanto como gosto de ti".

Infelizmente, todas essas palavras, que podem ajudar num certo sentido, a precisar o que significa esse "gosto de ti", também confundem, afogam, matam uma certa clarividência. Porque também há, provavelmente, todo um lado das coisas que não gostas em mim, ou que gostas menos em mim, das coisas que não jogam, que não encaixam, que gostarias de mudar, que te desapontam. E essas, seja por pena, por medo, por respeito ou por amor, não as dizes, guarda-las para ti.

Então o que fica é uma imagem muito distorcida dada por todas essas palavras, cuidadosamente filtradas para só deixar ficar as verdadeiramente positivas e "lindas" mas onde nem tudo o que é verdade fica.

E, sabes, o que é mais curioso, é que eu também gosto muiiiiito de ti. Tanto que nenhuma palavra do mundo o poderia dizer.

domingo, 21 de julho de 2013

... o individuo não vai permanecer, mas a dança vai continuar...

Milhares de milhões de planetas em milhares de milhões de galáxias e eu aqui com a minha dor de barriga. Aquele diz que disse que era assim que se fazia e se andar de cores trocadas ninguém vai gostar de mim... Quantos serão os satélites de Saturno onde há vulcões de água e onde a crusta é feita de gelo? E como será ver o Sol a partir dos anéis de Saturno? Corrupção, política e televisão... o meu dia-a-dia... com que se enchem os meus olhos?

O que escolhi retirar do mundo para encher a minha mente? Que música escolhi ouvir? Será a das esferas celestes ou da dor de barriga e «ai as minhas costas!» ...

A realidade oferece-nos várias coisas: podemos olhar para a esquerda ou direita, pensar naquela pessoa que me anda a tramar ou no computador para arranjar, no novo filme do momento...

Mas a realidade não se esgota no nosso minúsculo planeta, neste grão de areia invisível à escala cósmica. Toda a humanidade, toda a nossa história, tudo o que fizemos, é apenas uma vírgula no contexto cósmico. Então e eu? Serei a minúscula parte de uma minúscula vírgula?

Toda essa irrelevância me fazem sentir muito livre, afinal, o meu nascimento é um acontecimento de probabilidade zero ou perto disso. Eu podia não estar aqui, nunca ter nascido. «A minha vida toda», o mais provável era nunca se ter dado.

E o vizinho que continua a sacudir a toalha aqui para o terraço...

Podemos, durante o tempo que temos, neste momento / presente, escolher para que paisagem virar os olhos.

Até podemos escolher fechar os olhos.

Conheces alguém que ande de olhos fechados? Que não se aperceba do mundo que o/a rodeia? Que não queira saber? Que prefira não saber? Porque a realidade é cruel... ?

Olhemos então para o retrato cruel desta vida: a lei dos mais fortes, o acaso que tanto leva a vida do inocente como do culpado, a morte, ou derrota final, no fim de todos os esforços, de tudo quanto queremos alcançar... a injustiça em toda a parte...

Olhemos por exemplo para o ciclo das chuvas e das secas... dá-se vida a tantos durante o tempo de fartura, para logo a seguir os matar numa agonia lenta, à sede e à fome... E ainda falam em mundo maravilhoso? É maravilhoso ver milhares de milhões de animais (incluindo insectos) numa luta pela vida que os levam a comerem-se uns aos outros, a viver cheios de medo, a matar para viver, para depois encontrarem apenas a morte? É maravilhoso morrer à fome e à sede em números demasiado grandes para caberem na imaginação, em cada verão? É maravilhoso ficar a ver o seu corpo a ser desmembrado, comido ainda vivo por algum predador que também ele vai morrer?

Podemos dizer, quem se quiser focar nisto, que a realidade, longe de ser maravilhosa, é um ciclo de sofrimento, medo, tortura mesmo, um mero esperar pela inevitável morte e separação de tudo o que amamos e somos. E quem se quiser focar antes em incontáveis mundos e estrelas e galáxias, só terá, se quiser ser honesto, de multiplicar esse sofrimento, por incontáveis biliões de ocasiões.

Pois em todos esses mundos, cada indivíduo estará sujeito à morte, à corrupção, ao sofrimento, é como um gigantesco palco de sofrimentos, um palco de torturas onde se deitam os bichos, que se destroem, comem, lutam, sofrem, até ao suspiro final.

Mas até aqueles que sustentam esta visão da natureza como algo horrendo, uma gigantesca casa das torturas, reconhecem que não isso que parece à primeira vista. Mesmo que peguemos em espécies onde há muito sofrimento, como é o caso das sociedades da maior parte dos símios, devido à natureza hierárquica dentro das suas comunidades e às "guerras" entre comunidades, é verdade que, misturado com esse desprazer, ou com essa dor, existe também muito prazer. Por exemplo, numa guerra entre comunidades de símios pode haver um elemento que seja apanhado sozinho e seja agredido até não haver esperança de que sobreviva (isto é um acontecimento vulgar, não só entre os humanos) e deixado para morrer. Todo o processo (até à morte) pode durar umas horas, talvez até um dia ou dois. No entanto, se considerássemos um momento ao acaso na vida desse individuo, o mais provável seria encontrar-mo-lo a dormir, a comer, ou simplesmente a apreciar o sol ou a catar e a ser catado. Ou seja, em momentos de prazer. E isso porque a esmagadora maioria dos momentos da maior parte dos seres vivos (exceto em situação de escassez extrema) são de prazer, pelo menos de prazer relativo. Aliás, se assim não fosse, o suicídio seria provavelmente muito mais vulgar.

Se quisermos fazer a experiência basta olhar. O que vemos?

É verdade que há um sofrimento permanente se pensarmos que o individuo não vai permanecer. Mas a dança vai continuar.

E a dança é cheia de prazer. O sol que nos bate na pele. Sensações de toda a parte e a aventura de estar vivo. Cada momento, até ao último, cheio de mistérios: afinal o que é isto de viver, de ter sensações...? Quem sou eu...? não posso ser um nada absoluto, alguma coisa existe que sente, quer e pensa...

Apesar de não alcançarmos a resposta a estas questões é certo que, se nos abstrairmos do individuo, vendo tudo como uma espécie de mescla, então o veado vive através do tigre que o come, tal como nós vivemos através de tudo o que tem consciência neste mundo. A morte ou vida de cada indivíduo (incluindo a minha) tem então um papel muito menos central, tal como tudo o que nos acontece. Não é que deixem de ser importantes. Simplesmente tornam-se relativas: não é assim muito mais importante que eu morra atropelado, ao fim de imensas horas de sofrimento atroz, do que um miúdo na China ou noutro sítio qualquer morra atropelado nas mesmas circunstâncias. E faz um certo sentido, que eu, que matei tantos seres vivos para poder viver (por exemplo, comprando cereais, o que impede que muitos animais existam nessas terras de cultivo humano), morra também, como eles, cumprindo o ciclo da vida.

Mas apesar de nos desfocarmos do indivíduo, como se víssemos o mundo em que tudo está em tudo, e somos todos idênticos (ou quase) como eus, nem por isso o mundo perde detalhe. E isso só acontece porque o próprio conceito de identidade, de individualidade, não é inteiramente evidente. Como sei que "eu" sou o mesmo que há 5 minutos atrás, ou há 5 anos atrás? O que é que define esse "eu". Parece que estamos a impor esse conceito, que pode ser uma simplificação útil para a vida em sociedade, como algo existente em si mesmo.

Quando deixamos de considerar a individualidade como algo real a visão que temos do mundo não parece perder qualquer pormenor. Apenas consideramos os nomes que damos às pessoas e às coisas como labels úteis mas que não apontam para nada de real. São simplificações de uma realidade muito mais fluída onde o "eu" e o "tu" estão sempre em fluxo.

Olhemos agora para o mundo, com as suas secas, os seus meteoritos catastróficos, os seus eventos de extinção em massa, as suas doenças, as dores, a morte, o acaso e a cegueira /injustiça de tudo (a inexistência de recompensas para os bons e de castigos para os maus)... Mas agora, tudo isso sem o conceito de identidade. Como uma gigantesca massa que evolui onde a consciência desperta de imensos olhos, ouvidos e outros sensores dispersos pelo planeta. Acordando aqui e ali, desaparecendo ali e acolá, para logo voltar a emergir noutros sítios.

O que vêem esses olhos, o que sentem aqueles corações?

Eu diria: o Encontro, por vezes pequeno, minúsculo, mas que vai crescendo, mais e mais, até se tornar o Encontro com o Infinitamente Maravilhoso que está por toda a parte.

Este é um testemunho de um ser meramente mortal e muito, infinitamente, pequenino e irrelevante... Mas que vê em tudo o que o rodeia a marca do Infinito. (e até em si)

sábado, 1 de junho de 2013

Others...

Podemos ser com outros realidades que nunca poderemos ser sozinhos...

Sim, é verdade que poderia dar a mão a mim mesmo... mas não seria bem a mesma coisa

sábado, 25 de maio de 2013

Orwell ou Oppenheimer

"Aquele que controla o passado controla o futuro. Aquele que controla o presente controla o passado." Eis uma frase conhecida de Orwell e que descreve bem o funcionamento geral da civilização humana.
"Aquele que conhece o passado, antevê o futuro e compreende o presente. E já lá vão mais de 13 mil milhões de anos..." Eis uma frase que eu gostaria que descrevesse o funcionamento geral da civilização humana.