quarta-feira, 18 de maio de 2011
Quem sou eu?
Quem sou eu? Pobre, rico, estulto, genial... inseguro necessariamente, porque, neste jogo de espelhos e imagens, onde tudo só o é por comparação, por relação,
o pequeno só é pequeno relativamente a algo grande
mas grande relativamente a algo ainda mais pequeno.
O nosso planeta é grande, um grão de areia é pequeno?
Qual o meu tamanho?
Só o sei por comparação. Comparado com o metro, com o ano luz, com o ångström...
Somos mestres da comparação. E alguém poderá dizer: tens uma medida precisa, qualquer que seja a unidade de referência com que te compares.
É verdade! Mas a segurança da comparação (és realmente mais forte que X, mais alto que Y, mais amado que W, mais sábio que Z) não resolve a insegurança de múltiplas comparações (és realmente mais fraco que A, mais baixo que B, mais desprezado que C, mais confuso que D).
Quem sou eu? Neste jogo de imagens, senão algo necessariamente inseguro, volátil. Que de um lado parece uma coisa e de outro já outra? Por vezes o seu contrário absoluto?
Quem sou eu? Quem sou eu?
E a resposta é... só pode ser...
Uma incógnita.
Um ponto de interrogação. Como tudo o resto.
Qual o valor de uma pedra, de um rio, de uma estrela, de um caminho, de uma viagem?
Sabemos qual o seu valor relativo, a mim, a outros. Mas, quanto ao seu absoluto valor, ignoramo-lo até se terá. Haverá um tamanho absoluto, uma distância absoluta, um tempo absoluto?
Talvez todas estas quantidades sejam relativas, só façam sentido para um observador.
Tal como na teoria da relatividade somos capazes de compreender como diferentes observadores medem o tempo e o espaço de maneiras distintas, talvez seja esse o único absoluto a que podemos chegar: uma espécie de "métrica" que nos diz quais os diferentes valores para observadores possíveis.
Ou seja, eu sou formiga microscópica e desmesurado Atlas, consoante se veja do ponto de vista do planeta ou da pulga. Podemos extremar o quanto quisermos. Serei universo infinito para o átomo ou átomo invisível para a Galáxia, etc. Do ponto de vista do momento "eu", "Pedro", sou uma sucessão gigantesca, incontável, de momentos diferentes. Parece que nunca mais acaba. Mas, do ponto de vista da história da humanidade (vamos começar à 3 milhões de anos, por exemplo), toda a minha vida é uma gota de água num rio imenso.
Espartilhado entre todas estas imagens do que sou, tão diferentes, tão opostas, tão inintegráveis, tão verdadeiras, tão parciais, tão complementares, tão incompletas...
resta dizer o essencial: é que eu sou um desconhecido. Desconhecido até para mim mesmo, que me sou, por dentro, e me deveria conhecer, mas não conheço.
Mas nisso, pensando bem, não há nada de estranho: pois não conheço nada a fundo, tudo é misterioso, desde o tempo e o espaço, aos objetos do dia-a-dia, forjados no centro de uma estrela que morreu dando-nos à luz. Buracos negros, teorias de cordas, matéria e energia "negra", consciência e cérebro, matéria e cor...
Só há uma coisa que sei...
que nada sei. Sou um perfeito desconhecido, num mundo desconhecido com um propósito desconhecido.
E a aventura, a mais bela que conheço, é a de tentar mergulhar nestes Mistérios, todo inteiro, de corpo e alma e mente, e vivê-los tentando desvelá-los e desvelar-me neles.
Quem sou eu?
Sou aquele perfeito desconhecido que procura a Liberdade, a nudez, a verdade.
sábado, 7 de maio de 2011
Vício e liberdade
Vício é tudo o que se faz por ausência de liberdade.
Por vezes define-se um vício pelas consequências que traz. O desporto, trazendo saúde, não será um vício, já os jogos de computador em demasia, serão um vício porque trazem consequências más.
É uma perspetiva válida e interessante, mas eu, que não quero separar-me do fogo interior da minha liberdade, procuro outro tipo de visão.
Para mim "vício" é aquilo que me rouba a liberdade, é o que faço pensando, ao mesmo tempo "podia estar a fazer algo melhor". E não mudo. Mantenho-me na rotina, prisioneiro de pequenos prazeres e ânsias que se repetem ad infinitum... E quanto mais ando à roda à procura desses pequenos prazeres, mais me perco de mim, até que, às tantas, já nem sei que há um eu, lá dentro, a tentar ser livre, voar no fogo efémero da vida e explorar todas as suas possibilidades, tanto quanto consiga.
Mas lidar com um vício é difícil. Não se pode proibi-lo simplesmente, porque senão ele fica lá, a arder, ou é simplesmente substituído por outro, como o vício da ordem e do poder sobre si próprio. Que pode dar melhores resultados, mas que quero eu saber de resultados, se só me importa a chama da liberdade?
Por isso, para lidar bem com um vício, não é bom prendê-lo, proibi-lo, torná-lo ainda mais apetecível ao prisioneiro que somos nós, privados dele.
Em vez disso, não fiquemos aquém dele! Superemo-lo! Deleitemo-nos nele! Abracemo-lo inteiros. Com um gozo nos olhos, um sorriso nos lábios e o coração cheio de esperança. Abracemo-lo sem nos esquecer do sol, que há um mar e uma terra, e estrelas por toda a parte. E que aquele vício, tão apetecível, é mais um diamante numa terra de diamantes. Aproveitemo-lo bem, até ao tutano, até ficarmos cheios. E depois procuremos outras paisagens, deixemo-nos conduzir sempre pelo nosso interior. Que não está em luta com nada, que não recusa nada, apenas não quer ser amarrado. Apenas não quer ficar limitado. Apenas quer voar até ter vontade de ficar parado.
Livre, livre para viver os vícios, livre para se livrar dos vícios, já não há vícios... pois não há nada melhor, mais apaixonante, que viver o fogo da própria liberdade...
Velho!
Paralysis. Cada gesto é um esforço, tudo convida à quietude, a vida morreu, a pele está velha, cansada, sente-se os ossos, o esqueleto. Nem me lembro de quando era água viva, fluída e risonha. Vêm-me à memória esses tempos como imagens de uma criança que em tempos conheci, uma criança muito distante que não poderia voltar a ser, nem sequer imaginar-me a ser.
As crianças parecem vir de lugares tão distantes. A sua energia, a sua força, falam como que de um paraíso perdido. Eu, que estou, como dizem, "com os pés para a cova". Arrasto-me, lamento-me, vejo a hora chegar... a hora da partida final. E só consigo pensar: mas porque dura tanto tempo? Noutros tempos morríamos logo, na flor da vida. Hoje, tantos medicamentos, operações, cuidados, alimentação, aquecimento e tantas outras coisas, vão-nos mantendo e mantendo e mantendo, até que começamos a apodrecer pelo interior. Vamos vendo as coisas a começar a falhar. Primeiro o sistema circulatório já não é o que era, a visão piora, a força enfraquece, a agilidade desaparece... um a um os sistemas vão parando até que olhamos com alguma surpresa para aqueles que se mantém "vivos"... os resistentes no meio da debandada geral...
Pergunto-me se não seria melhor abandonar esta vida ainda pleno de jovialidade. Mas é só a parte infantil e saudosista que o pergunta. Porque eu, verdadeiramente, a luz da consciência, está-se, verdadeiramente, nas tintas. E quer apenas, absorver, nos seus vários matizes, os cambiantes da vida. Um jovem incapaz de imaginar um velho, um velho incapaz de se imaginar jovem, eis a única pobreza, de visão, a interior.
E se bem que o meu corpo esteja a morrer, dia a dia, em declínio fatal, a viagem não é menos bela, menos autêntica, menos atraente. Como um passeio de bicicleta em que chegámos àquele ponto em que começamos a voltar para trás, já olhamos com alguma saudade para a viagem que não se irá repetir, nunca mais, pelos milhões de anos fora. Outras aventuras se viverão no mundo, quase todas com outras personagens e contextos... mas agora, aqui, eis a oportunidade de cheirar mais esta flor, de ver mais este rio, de sentir mais este momento, pleno de tudo.
Sim! Morra a carne, apodreçam os tendões, absorva-me a dor e encha-me o peito esta vontade de ficar imóvel... Eu verei tudo, apaixonadamente como sempre, detalhadamente, quanto puder... lá estarei, no momento da doença, da desgraça, da perda do que tanto se valorizou... e quando os meus olhos, lentamente, se desfocarem do mundo visível, acho que vou chorar, de pena, por não ver as serras e os mares, as estrelas e as flores, a pele e os seus poros e pelos, os teus olhos, tão belos e cheios de perfumes e mistérios de outras dimensões...
Mas na minha mente, cada vez mais reduzida e senil, gostaria de conservar pelo menos esta verdade: que o mundo é maior e mais belo do que aquilo que sou capaz de ver...
que o mundo é maior, muito maior, e mais belo, muito mais belo, do que aquilo que sou capaz de ver...
e mergulharei na escuridão dos tempos, e o Pedro nunca voltará... nunca mais...
mas virão biliões de biliões de outros Pedros, tal como eu vim... e brilharão, como eu, à luz do sol e tremerão ao frio da chuva, e viverão mil aventuras e terá valido a pena porque sim! porque sim
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