sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Grande Entrevista - lista de episódios interessantes

Já agora, uma vez que o site da RTP não tem uma maneira simples de mostrar a lista de "Entrevistas" disponíveis fiz aqui um apanhado das que acho que merecem mais atenção:
Saliente-se que o Rui Veloso é o cantor favorito de Judite de Sousa, pelo que deve dar uma boa entrevista!!

Iluminação

O que é a iluminação? Talvez estar desperto para a infinita beleza da vida. E o mais fácil é começarmos por reconhecer a beleza nos Olhos do outro. Se vivemos com alguém, a que olhamos? Para as mágoas ou para a Eterna Criança que vibra dentro das suas roupas e da sua história.

Comparado com essa criança brincando às escondidas com o Esplendor, por vezes tímida, torturada pelas "boas maneiras", pela incompreensão, pela solidão, pequena e engelhada como uma velha no interior do adulto... comparado com essa criança que podemos acolher, olhar nos olhos, regar com a vida da nossa própria criança, partilhar com ela o Sol, as Estrelas e o Mar... comparado com essa criança, tudo o resto que há no outro de feitos e conquistas e vitórias, parece um fato cinzento e velho e sem interesse. A criança interior é iluminada, pela beleza de mil mistérios que ninguém sabe contar... a não ser de passagem... renascendo a cada momento...

Mas quando alguém a vê e brinca com ela... oh! é como se renascesse de dentro das velhas pregas dos hábitos, preconceitos e virtudes e desse uma nova vida, uma alma inteira, a esse corpo e a essa história...

A maneira como lidamos com o amor... por vezes magoados, obsessivos, quase destruídos, desprezando, menosprezando, morrendo de sede...

A maneira como lidamos com o amor...

determina...

a maneira como o Amor lida connosco...

é que também pode haver

o simples reconhecimento...

Do esplendor que és para mim, do Amor em que me transformo para te banhar...

Mulheres: há quem as tente dominar, há quem tente passar sem elas, há quem as tente transformar em "coisas" compreensíveis, mais simples, capazes de se encaixar numa visão racional, limitada, do mundo, há quem tente torná-las dependentes, sôfregas... há quem seja sôfrego por elas...

E depois há quem compreenda, que a "nossa história", a história dos opostos, a história dessa sofreguidão impossível de colmatar sem morrer, está escrita nas estrelas, que é pela viagem ou dança em torno dos opostos que aprendemos o que significa ser realizado (the meaning of success)...
Woman, de John Lennon, é um exemplo de um momento iluminado na aproximação ao amor.

Um hino à mulher de Lennon (Yoko) é também dedicado a todas as mulheres, e tem como nome "Woman", ou seja, um Universal, o papel do nosso oposto, do nosso reverso... neste Uni-verso, a unidade expressa em infinitos versos.



Woman I can hardly express
My mixed emotions at my thoughtlessness
After all I'm forever in your debt
And woman I will try to express
My inner feelings and thankfulness
For showing me the meaning of success

Ooh, well, well
Doo, doo, doo, doo, doo
Ooh, well, well
Doo, doo, doo, doo, doo

Woman I know you understand
The little child inside of the man
Please remember my life is in your hands
And woman hold me close to your heart
However distant don't keep us apart
After all it is written in the stars

Ooh, well, well
Doo, doo, doo, doo, doo
Ooh, well, well
Doo, doo, doo, doo, doo
Well

Woman please let me explain
I never meant to cause you sorrow or pain
So let me tell you again and again and again

I love you, yeah, yeah
Now and forever
I love you, yeah, yeah
Now and forever
I love you, yeah, yeah
Now and forever
I love you, yeah, yeah

Ricardo Araújo e Judite de Sousa trocando palavras e olhares

Bem, estou muito grato à RTP por colocar online grande parte da sua programação de qualidade. Neste caso a "Grande Entrevista a Ricardo Araújo Pereira" ter-me-ia passado totalmente ao lado. Já foi no dia 14 de Janeiro de 2007, mas continua a estar no site da RTP (secção multimédia). Também se pode vir aqui e fazer uma pesquisa (por exemplo "Ricardo").

Bem, até estava a gostar, uma coisa muito mais "íntima" do que os programas cómicos permitem, mas eis que, já depois de ter cortado uma reflexão sobre os limites da comédia (algum dia saberemos porque razão o Ricardo acha que a comédia deveria ter apenas os limites da liberdade de expressão?), chegamos ao que me parece ser o ponto alto do programa: «o que é o humor?»

Bem o Ricardo começa por descrever três teorias sobre o humor: rimo-nos por sentirmos superioridade; por escape ou por contactarmos com o absurdo. E não é que, estando a descrever com uma clareza notável estas três teorias, é cortado para falar sobre futebol!?!?!?!? É precisamente aqui que ele é cortado:
"provavelmente aquilo que está na origem da comédia é basicamente o mesmo que está na origem da tragédia: é a incongruência que há entre o homem e o universo, ou seja, entre a aquilo que nós achamos que as coisas deviam ser, e aquilo que as coisas são de facto."
Bolas! Isto é a génese e a essência do gato fedorento. A partir do momento em que ouvi isto percebi o que eles fazem: eles mostram-nos "aquilo que as coisas são de facto" contrapondo-as àquilo que nós imaginamos. Daí as cenas dos padres e freiras e congregações, daí a análise dos tiques e convenções sociais, é um expor dos "absurdos" da vida que normalmente nos passam ao lado.

E estes gajos cortam!! Cortaram a conversa aqui, para falar de «como é que você trabalha a personagem do Paulo Bento?»

Ai Deus! A tv, por vezes, parece uma coisa feita para deficientes mentais ou que nos tenta transformar em deficientes mentais. Para quem ganha dinheiro com aquilo era bom, papávamos tudo o que eles quisessem. Quanto menos informados, menos capazes de pensar criticamente, menos conhecermos outros paladares, mais papamos do mesmo... é o que há!

Enfim, apesar de curta e entrecurtada a entrevista foi um espectáculo, gosto imenso da Judite de Sousa e tenho pena que o programa não tenha, por exemplo, três horas, pois há assuntos que, só aflorados, nos deixam apenas com água na boca e nada nutridos.

Aconselho vivamente a entrevista!!

à roda de Mim

Não deixes entrar o Sol, que me acorda, e eu quero dormir um pouco mais...

Que as incongruências do mundo não venham ter comigo

Que eu não me lembre nunca que existem estrelas e galáxias sem fim

Que antes de mim não tenha havido incontáveis vidas

e aventuras

(muito mais aventurosas que a minha)

Que eu seja o único no Universo

E que tudo Rode

afinal

À volta de Mim...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A música ideal para viver

Se fosses uma nota musical, em que tipo de música preferias participar?

O mundo pode ser pequeno ou grande e nós somos apenas uma nota de música nele. Quer tenha milhares ou milhares de milhões de anos, quer tenha um continente ou biliões de galáxias, quer tenha eu como missão ser obediente ou descobrir-me em incontáveis mistérios...

...serei apenas mais uma nota de uma melodia...

Em que melodia preferiria eu viver? Qual é o tamanho do meu mundo ideal? Em que espaço me sinto bem, em casa? Em que tipo de Universo sentiria eu ter chegado, finalmente, ao lar?

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Marc-André Hamelin

dedos e nuvens de doçura,
para sonhar durante o dia,
ou dançar à luz do sol...

Clareza e Mistérios

A Clareza pode ser translúcida mas os mistérios contêm todas as cores do mundo...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Todo o tempo do mundo - tu e eu, eu e tu, neste mundo, de eternos fantasmas dançantes...

[a todos os meus amigos, inimigos e restantes companheiros de viagem...]

Teremos todo o tempo do mundo para falarmos, através de incontáveis cabeças, ideias, gestos, actos, olhares, tu e eu, eu e tu, faremos uma dança para todo o sempre, juntamente com todos os mortos e vivos e aqueles que nunca foram mas estiveram sempre presentes, de uma forma ou de outra, neste mundo de fantasmas dançantes...


Coldplay - Viva la Vida or Death and all its friends

Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras...

O sentido da vida e Vida de imensidão de sentidos

Por vezes a vida é como um rio, sentimos que temos uma missão, um destino, um caminho, um Sonho...

Por vezes a vida é como um mar, não há um sentido ou direcção, apenas ondas que se agitam em direcções muito diferentes e nós vamos saudando-as e conversando com elas.

Quando não há direcção e o mar está flat o horizonte é mais vasto, espraia-se para todos os lados, fazendo-nos rir das limitadas limitações da mente humana. Mas as tempestades também são maiores e, não havendo terra para nos dar referências, deixamos por vezes, sob as enormes vagas, de ver o céu. Então tudo o que existe é o mar, as ondas, a tempestade... vivemos os braços e as pernas e emoções que nos habitam e as de com quem habitamos o momento.

Por vezes gostaria de voltar às estrelas... a essa perspectiva maior onde dores, desconfortos e tragédias são apenas piccoli momenti de uma história universal onde o infinito se encontra e se liga em conexões sempre novas...

Mas agora sou o Mar, só o mar... sem destino nem sentido nem razão, aberto a todos os destinos e todos os sentidos e todas as razões... amando apenas o que há de mais profundo em ti e que é semelhante em todos.

...Cada momento é diferente, único, o futuro... totalmente inesperado... nem desejado nem indesejado apesar de amado de braços e boca aberta, de braços e boca prontos para comunicar... como quem se despede eternamente e eternamente se revê em tudo...

Olá, por aqui?
Olá, para acolá?
Eu agora vou por aqui, digo-te isto...
Amanhã logo se verá...

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sonhos de Amor

O Amor cria e destrói. Cria ligações, propósitos, aventuras, sentidos, dá início a uma viagem de (parece) infinitas facetas, como se mergulhássemos, em viagem, pelo fractal de Mandelbrot. Por qualquer razão para mim misteriosa nada neste mundo se deixa agarrar. Quando olhamos, para uma pessoa, uma profissão, uma música, uma comida, apaixonamo-nos, parece simples, ao alcance da mão, do toque, basta estendermos a mão e fechá-la. Mas não...

Quando comemos a comida ela desaparece, transforma-se e em breve queremos mais. Quando amamos uma pessoa ela metamorfoseia-se constantemente, sempre que parece que a alcançamos ela muda e parece mais e diferente do que era. Tudo muda, nós mudamos, e a morte está ali, à espera para nos tirar tudo o que possuímos neste mundo.

O amor parece assim levar-nos numa viagem sem fim. Sem dúvida que aprendemos muito, crescemos, temos muitas aventuras, mas é também uma sucessão de prazeres e sofrimentos, de encontros e separações. Conseguiremos sempre recriar dentro de nós as presenças dos nossos amores? Poderá a saudade ser superada pela realização, em mim, do que me falta. Poderei ser eu como aqueles seres de que Platão falava, completos, de quatro braços e pernas? Poderei eu recriar a completude em mim?

O que poderia amar um ser completo, que já tivesse em si tudo, que já tivesse aprendido tudo? O que faria uma comunidade de seres completos que já não tivessem nada a aprender nem a dar? Ficariam simplesmente felizes uns pelos outros e por si próprios, por estarem assim, cheios de tudo e todas as aventuras viverem dentro de si mesmos. Teriam dentro deles todas as possíveis histórias de todos os possíveis universos, ou pelo menos saberiam contá-las com precisão absoluta, com todas as nuances.

Talvez esses seres tivessem espaço para tudo menos para sentir a cisão do amor, a separação do amor. Pois, para eles, amar alguém não seria amar algo que estivesse "fora". Não seria amar algo que não fizesse parte deles. Pelo contrário, conheceriam aquilo que amam tão profundamente, tão intimamente, como se fossem os seus próprios dedos, as suas próprias peles, a sua própria boca, os seus próprios dentes, e pensamentos e coração. Tudo seria tão íntimo que não haveria possibilidade de separação. A presença física seria irrelevante pois tudo nesse Amor era conhecido da raiz às mais altas folhas, ao perfume... tudo, tão íntimo.

De certo modo esses seres poderiam sentir uma espécie de amor: o amor que é intimidade, o amor que é sintonia, o amor que é ver no que se ama o divino... mas não poderiam viver o amor como alcançar, desejo, separação, vontade de estar junto de, saudade...

Mas eu, que triste sou, não aproveitei para te conhecer bem, precisava da tua presença física para te recriar. Parecias estar tao próxima e sempre foste um mistério. Hoje, estás longe e só a tua própria vontade de permanecer junto do meu coração me permite ter-te contigo.

Como gostaria de ter olhos capazes de desvendar as tuas vestes e ver-te, como se vê para sempre alguém, como se vê e nunca mais se esquece, como se vê para sempre... E no entanto não cabes em mim, és mais vasta, sabes mais, viveste mais, o meu pequeno coração não te capta, não te alcança, sinto sede e fome de ti, pois sei que se te afastares não te poderei seguir, as minhas asas não voam tão alto como as tuas, resta-me pedir-te «não me abandones», pelo menos para já, deixa-me crescer junto a ti, deixa-me crescer para que as minhas asas possam também ascender a esses voos, deixa-me conhecer-te melhor, para que, com uma nova visão, sejas minha para sempre, e nenhuma distância nos possa afastar, como a vontade de ser maior...

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Vasco Gato

Enviaram-me este poema de Vasco Gato, intitulado

Primavera Primeira

estremeço desde o princípio do meu rosto
desde o momento em que sorri e me sorriram
e é nesse lugar ínfimo que suspendo todas as palavras
que fecho os olhos e sinto a frescura de todas as águas
o oceano que cessa e atende o esvoaçar da primavera

é a primavera de todos os outonos
é aqui que em silêncio se bordam os calendários
dias entre dias e sobre dias e as memórias que escapam
e não mais se alcançam se não nos tornamos menores
- no futuro não há esquecimento nem segredos
cada coração guarda apenas o que for mais comum
[Vasco Gato, Um mover de mão, col. peninsulares/literatura/63, Assírio & Alvim, Lisboa, 2000, p. 42].

Este e outro poema de Vasco Gato (seus olhos choram) podem encontrar-se aqui: http://letracorrida.blogspot.com/

A Wikipedia tem o índice das obras, e aqui lê-se um breve esquisso biográfico; outros poemas disponíveis na net:

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Josué Yrion

Há gajos malucos...

e depois há gajos mesmo malucos!!! :)





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Prazer... Uma chave do Paraíso: mover-se em harmonia com ele


O Génesis foi escrito fora do Paraíso.
Nesse local onde o Paraíso é apenas uma estória, um desenho, um desejo, de algo que não se vive, que não se é...

É a história escrita pelos despojados, pelos escorraçados, pelos expulsos.

Seria espantoso que uma tal estória estivesse correcta: Se eles continuam expulsos é precisamente porque não compreendem o motivo da sua expulsão. O Criador dos Mundos vive no Paraíso (ou no melhor mundo que consegue criar), o que o levaria a excluir alguém desse mundo, a não ser os incapazes de viverem nele?

É como se desde sempre as portas estivessem abertas. Não é preciso encontrar "Deus" ou o Paraíso. Desde sempre que ele já nos encontrou a nós. Só precisamos de o saber receber, de o saber escutar, de não fugir constantemente com as tentativas de sair deste mundo, desta realidade, de tentar fazê-la melhor, e, em vez disso, aceitá-la como ela é. Quando deixarmos de tentar mudar o mundo e tentarmos meramente vÊ-lo, compreenderemos que isto é o Paraíso, um Paraíso muito mais belo do que todos os nossos contos de fadas, retratos religiosos e outros frutos da imaginação humana souberam pintar. A ciência desvela-nos uma parte física, infinita complexidade, dimensões sem fim. A arte mostra-nos o que desde o início era uma possibilidade e aquilo que Mozart, Yes ou a Regina Spektor apenas começaram a explorar. Do mundo fazemos parte nós, com todos os nossos sonhos, a nossa Liberdade, o nosso amor, a nossa angústia e necessidade de mais. Não vemos o fim ao mundo, para onde quer que olhemos, só há perfeição absoluta. Morte e vida, sofrimento e dor e prazer e êxtase alternam-se criando uma tapeçaria imensamente complexa de sentimentos, de factos, de estruturas físicas e (no caso dos organismos inteligentes) conceptuais. Por toda a parte o jogo se repete, cheio de detalhes, infinitamente intrincado, sem qualquer falha. Como se nos quisesse transmitir uma mensagem: chegaste, estás em casa, aqui é o Mundo por que esperavas e que não acaba aqui.

Porque somos incapazes de ver este mundo? Porque focamos apenas a tristeza, a dor, a solidão? Porque tentamos sempre aperfeiçoar aquilo que já é muito mais do que a nossa parca concepção de perfeição, aquilo que nem compreendemos?

A razão é que, apesar de estarmos no Paraíso, não o vemos, não o sentimos, não lhe tocamos. Somo-lo e não nos apercebemos de o somos. Tocamo-lo e olhamo-lo com desprezo e com ódio. Odiamos a morte, odiamos a dor, odiamos a perda, sem nos queremos aperceber que tudo morre, tudo passa, e só por isso estamos aqui hoje, Pedro e Lídia, Rosa e João, Maria e José, etc. Cada pessoa, cada animal e planta e pedra só existe porque tudo passa, como centelha, fragmento ínfimo de um todo que não cabe na nossa imaginação. Amaldiçoamos assim a morte e, ao fazê-lo, amaldiçoamos a condição que permite a nossa própria vida. Não nos apercebemos sequer que morremos a cada instante, que a morte é tão inevitável e frequente como a passagem de um segundo. O Pedro de hoje não é Pedro de amanhã. O Pedro deste momento não existirá no próximo. A memória, os conceitos, o nosso articulado cérebro, dá-nos uma sensação de continuidade do eu. Mas a única coisa que continua realmente é a própria Vida, que não se deixa limitar pelo Pedro ou pela Marisa, que não se esgota numa experiência, mas que contém em si todas as possibilidades. Enquanto Vida somos de facto imortais. Mas, o nosso corpo desaparecerá e nada há de dor nisso para quem compreende a sua verdadeira natureza, quem não se identifica.

Aqui está pois uma causa para não conseguir viver no paraíso apesar de já lá estar. É como se o Paraíso fosse o Tudo e nós, maravilhados com uma parte, nos agarrássemos tanto a ela que já não conseguimos ver o todo. O Paraíso esconde-se de nós por não integrarmos essa parte no todo que lhe dá o sentido total e pleno, que a revela como Beleza Infinita. Em vez disso amamos as coisas como se elas fossem dissemelhantes do resto do Universo. Por exemplo, o que há de mais natural do que apaixonar-me pela Ana e pensar que ela é não só circunstancialmente diferente da Zebra, da Lua e do Mar, mas fundamentalmente diferente, como se tivesse uma outra natureza. E, no entanto, é apenas na aparência que a Ana diverge do Mar, ou de um caracol, ou da bosta de uma vaca, ou de uma galáxia longínqua. Aquilo que deu origem à Ana foi toda a história do Universo. Aquilo a que a Ana vai dar origem (a matéria, as consequências dos seus actos) vai provavelmente ficar presente em toda a história do Universo. A matéria de que é feita a Ana é, fundamentalmente, igual à matéria de todo o Universo. A alma de que é feita a Ana acompanha tudo, todos os corpos, todas as pessoas, está presente nos lagos e nos rios. Só a mente da Ana é única, o seu braço direito é diferente de todos os outros braços que já existiram ou vão existir, incluindo o seu braço direito daqui a um momento. Mas, fundamentalmente, ela é igual a tudo e tudo é igual a ela.

Por isso, quando pensares ou disseres ou te disserem, "amo-te", podes ficar a saber que não te amam fundamentalmente. Amam aquilo que aparece, aquilo que agora é assim e amanhã é assado. Amam-te de uma certa maneira. Se passares a ser de outra maneira (e poderias, porque todas as possibilidades estão dentro de ti), poderão já não te amar. Já não serás tu dirão talvez. Mudaste! "Amo-te" - eis a receita prática da ilusão, o símbolo de garantia de que quem o diz ama apenas um eu que tu só és de passagem.

A única forma verdadeira de Amor tem apenas esta expressão "Amo (tudo)" pois só ao Amar Tudo sem excepção, sem distinção, será possível amar um ser por completo. Para Amar a Ana tenho também de Amar todo o Universo, desde a vida à morte, as fezes às estrelas, os lagos aos peixes, aos vírus. Tudo se reflecte em um e um faz parte do Tudo. Compreender intimamente, secretamente (para além do que o pensamento abarca), intuitivamente, alguém até às raízes é sentir o pulsar do Universo em tudo o que faz, o que diz, o que É. Esta é a única forma de amor livre.

Como é óbvio, quem vivesse nesta realidade (alucinado, diriam a esmagadora maioria dos seres humanos - que me receitariam com certeza um asilo para me salvarem do êxtase) só veria beleza a toda a volta. Em tudo veria os olhos do Amante, o Coração do Amante, a boca do Amante. Cada coisa seria o sexo do Amante, o beijo do Amante, o olhar mais do que em Êxtase do Amante. Teria portanto chegado ao Paraíso.

Mas se tudo aponta para que seja assim (olhemos a Astrofísica e todos os campos do saber humano, olhemos a beleza simples e óbvia de tudo o que nos rodeia, uma mensagem elevada em cada estrela, em cada aranha, na lua e nos satélites que o homem fez, e em tudo sem excepção que nos rodeia, porque não o vivemos?

A resposta é o que o vamos vivendo, aos bocadinhos. Não vemos o Palácio gigantesco criado para nós porque é muito grande, muito diverso, tem muitas facetas. Alguns de nós só exploram pequenas parcelas da realidade. Para uns é a força física, para outros contar anedotas, para outros são as curvas misteriosas das mulheres, para outros são os carros, para outros o dinheiro, outros já vão mais longe, gostam de contemplar todo o mundo humano e estudam psicologia e antropologia, sociologia e outras ciências humanas. Outros tentam abarcar o mundo animal, muito mais vasto e diverso do que o humano, outros especializam-se na pintura, na música, na escrita. Outros ainda nas ciências (hard sciences). Mas como é óbvio tudo isto são pequenas parcelas da realidade. Só quando uma única mente começa a captar tudo em uníssono. Só quando abarca religiões, arte, ciência, emoções, animalidade, sexualidade, etc. Só quando, esgotados os preconceitos, se predispõe a ver tudo o que está ao seu alcance, a deixar entrar a luz deste mundo, só nessa altura a Beleza de todas estas vertentes se complementa para criar um verdadeiro quadro para lá da compreensão, mas capaz de inspirar. Uma mente assim percebe que está no Paraíso, ainda pode não lhe conhecer a gigantesca maioria dos detalhes, mas sabe qual é a sua natureza fundamental.

Aquilo portanto que separa os homens e outros animais do Paraíso é verem apenas a parte. Na história desenhada no Génesis e noutros relatos religiosos a razão dada é outra! Haveria um "fruto proibido"!! E, como eles foram lá ver, uhau, ficaram cheios de vergonha e foram expulsos, não se percebe se por causa da vergonha ou da desobediência ou de ambas.

Antes de alargar os horizontes desta história é necessário compreender o bem que ela faz. Ela concentra-nos em certos pensamentos e estados de espírito. Ou seja, imaginemos uma pessoa que sempre viveu em função do dinheiro, de dependências emocionais, de poder, etc. Ora estas estórias levam-na a centrar-se em coisas bem mais interessantes e profundas: a "Voz de Deus" a "Obediência ao Amor", etc, etc. Apesar de toda esta capacidade de escuta que é desenvolvida ser também muitas vezes desviadas para jogos de poder que transformam as igrejas em verdadeiros clubes hierárquicos onde a coesão social é de longe mais importante que o desabrochar desta capacidade de "sintonização" individual, o que é certo é que muitas pessoas precisam destas pistas, destas muletas, para crescerem "para dentro", para despertarem o seu "ouvido interior".

Como é óbvio estes textos bíblicos estão longe de trazer a felicidade ou a vivência do Paraíso. Isso é tão óbvio que normalmente se remete essa experiência para depois da morte (sofre agora que depois terás a sua recompensa). O sofrimento não só é visto como algo normal mas até desejável. Ninguém acha estranho que, apesar de fazer tudo por tudo, nem os padres, nem profetas, nem papas, vivam no Paraíso, mas muito longe dele e preguem precisamente o que não devia existir: vergonha, culpa, pudícia, etc. O mundo de Êxtase que o Paraíso descreve não é, segundo estes profetas, para ser vivido, apenas para ser sonhado, desejado e esperado numa outra vida.


É claro que tudo isto é necessário. Porque se fôssemos falar de prazer e êxtase a alguém que só se pensa em embebedar, seja nas bebidas, no sexo, no amor, etc. Ou seja, que procure fugas e não encontros. que veja a vida e todos os prazeres que ela proporciona como oportunidades para fugir de si próprio, da realidade, para se alienar... bem, então é óbvio que teremos de lhe impôr um stop, um obstáculo: tu desejas isto, mas isto é o teu fim, é isto que te retira do paraíso.

E "isto" pode ser sexo, bebidas, futebol, dinheiro, poder, enfim, tudo o que nos afasta de nós próprios. Todas as ilusões. Nesse sentido a religião é porreira e desempenha um papel fundamental no crescimento interior, porque permite estancar a energia voltada para vícios (fugas), para nos centrar na voz interior que tínhamos vindo a desrespeitar.

A história do Genesis é portanto, não tanto um mapa assinalando o local do Paraíso, e muito menos a sua porta. Mas é uma parte do caminho. Infelizmente contém a história toda trocada. A serpente nunca existiu, nem nunca houve nenhum Deus a dizer "daquela árvore não comerás". Nenhuma árvore é proibida. Aliás, essa é uma das marcas do Paraíso: tudo serve para o nosso crescimento, tudo serve para o nosso bem, não há nada enganador. E porque haveria de um Deus infinitamente bom criar ilusões? Não! tudo é real, mais precisamente, tudo o que podemos tocar e sentir é parte da realidade, que continua, por mais dimensões e escalas do que as que podemos conceber. A realidade é simplesmente demasiado vasta para ser contida na imaginação de qualquer ser. Ela contem, inclui tudo aquilo que vemos, sentimos, vivemos, pensamos, imaginamos. E tudo aquilo que vivemos é apenas uma ínfima parte dela.

Mas é o nosso medo de pecar, de olhar para árvores indevidas, ou sexos de mulheres comprometidas ou demasiado livres, esse medo, que nos permite, numa primeira fase, concentrar nessa "voz interior", no mundo interior que na religião católica se chama de "espírito santo" mas que tem sempre lugar com outros nomes noutras religiões. Mais tarde, essa culpa, essa vergonha, é um impedimento para ver mais e melhor. É como se tivéssemos sempre a vista toldada. Olhamos para uma mulher, o seu sexo, o seu desejo, o seu pudor, a sua vontade, a sua gula, e dividimos. Uns queremos, outros tememos, outros detestamos. A partir desta perspectiva dividida, de um mundo em parte bom e em parte mau, tentamos transformar tudo, melhorar tudo, manipular para ficar perfeito. Não só os outros, mas também as coisas e nós próprios.

É claro que a mudança faz parte da vida. Faço a barba porque faz sentido fazê-la. Mas sei que seria igualmente bom não a fazer. Simplesmente, para o pedro fonseca, hoje, faz mais sentido fazê-la. É como uma música, há certas notas que ficam bem a seguir a outras, e há certas melodias que fazem mais sentido em certos momentos.

Viver no Paraíso terá também este requisito: para reconhecermos o Palácio em que já vivemos sem o saber, temos de nos mover em harmonia com ele. Esta é outra chave do Paraíso, não só a integração como a aceitação que leva à acção. Este mover em harmonia, a um nível profundo sem esforço (a um nível mais superficial poderá representar todos os papéis) é apenas ser a nota certa no momento corrente. É como se, estando a ouvir uma música que nos diz muito, saibamos sempre a próxima nota, e possamos cantarolá-la e antecipá-la mesmo sendo a primeira vez que a ouvimos: faz sentido e isso é viver sem fugir ao Paraíso.

Quando, em vez de ouvirmos o mundo e respondermos com a nota que achamos melhor, o tapamos, cheios de vergonha, e não queremos ver o sexo da solteira ou da casada, temos medo de enfrentar os demónios, de ir à profundeza dos infernos, ou simplesmente de viver a alegria do sexo que ri de alegria de ter encontrado alguém que lhe "encha as medidas", quando tapamos o mundo ou fugimos dele, então somos incapazes de o ouvir, e por isso somos também incapazes de lhe dar resposta. Cantamos, mas uma música dissonante com a que nos rodeia. É como se estivéssemos dentro de um paraíso de loiça frágil de cristal e trouxéssemos uma marreta para nos proteger dos bisontes. Não ouvimos nada, não compreendemos nada, dançamos na contra corrente... Se o Paraíso não fosse feito de matéria indestrutível e se, a um nível fundamental não fizéssemos tanto parte dele que nenhuma das nossas acções está no fundo contra ele, talvez o destruíssemos com tantos actos cegos. Mas na realidade o Paraíso continua a 100%, sempre a 100%, sempre, sempre. Mesmo durante a ditadura de Hitler, nos campos de concentração nazi, ou hoje nos campos de refugiados de Gaza, ou antes, nas fogueiras portuguesas e espanholas da inquisição, ou durante as chacinas da Revolução Francesa, ou nos incendios que matam biliões de seres vivos em apenas alguns minutos, ou numa qualquer catástrofe capaz de transformar o planeta numa bola de fogo. Em tudo isto o Paraíso continua, imperturbável, acima de tudo porque não identificado com nada. Contemplando tudo como outra possibilidade sua, mais uma divisão da casa, ligada a todos os seus antecedentes e consequentes, com o seu valor próprio, mais um passo para a evolução.

Não é por acaso que foi depois da 2ª Grande Guerra que ganhou mais impulso a ONU, que se assistiu a um período de paz e cooperação internacional sem par, que foi condenada a eugenia (até então em voga tanto nos EUA como na Inglaterra), que o colonialismo deu verdadeiramente os seus últimos suspiros. Quem olha para o Hitler como um monstro não compreende as origens e causas profundas da guerra, causas essas que estão no colonialismo, nas condições impostas à Alemanha após a 1ª grande guerra, e, de forma mais geral, na arrogância dos povos e no desprezo que sentem por quem não pertence à sua equipa. Na guerra, o lado dos Aliados era o "menos mau", mas fomos também nós que recusámos a entrada dos judeus nos nossos países vindos da Alemanha, antes dos programas de extermínio. Foi a Inglaterra, por exemplo, que impediu a entrada de judeus no que se viria a tornar Israel: não havia alternativa para estas pessoas senão voltas às nações onde eram perseguidas (maioritariamente a Alemanha e Rússia).

Por outras palavras, tudo acontece por um motivo. Muitas vezes nascem bebés que morrem logo após um periodo prolongado de sofrimento. É triste se pensarmos nos seus corpos, na sua dor, não é triste se compreendermos que a vida que permitiu o sofrimento subsiste além deles, e é também, pelas mesmas razões (a ligação a um corpo e a um objectivo) origem de satisfações.

Não pode haver uns sem os outros. Desde há milhões de anos que as ninhadas de gatos são maiores do que é possível alimentar. Morrem à fome, ao frio, à sede. É o equilíbrio natural da natureza. O facto de hoje podermos controlar a nossa própria população permite-nos evitar aos nossos bebés, o sofrimento enfrentado por quase todas as espécies, que procriam mais do que o seu meio permite. Mesmo assim só agora, e em algumas comunidades, começámos a fazê-lo eficazmente. Durante os próximos séculos a população humana continuará a ter tendência para aumentar agravando os problemas de poluição, escassez energética e de alimentos, etc. Quem se poderá queixar então da guerra, que palavras monstruosas chamaremos àqueles que, como Hitler, exterminaram e torturaram inocentes? E no entanto, nós também seremos responsáveis. Estamos ligados nessa cadeia causal. O facto de não o vermos com a nossa mente meramente humana não faz com que essa ligação seja menos real. Eles são os monstros que executarão, nós fomos os monstros que montaram o palco.

Mas na realidade não há monstros, há apenas pessoas perdidas num mundo sem fim, uns mais perdidos que outros, uns que reconhecem mais que estão perdidos do que outros, uns mais capazes de olhar de frente o mistério diante deles do que outros (a realidade não pode deixar de ser mistério para nós - algo que não compreendemos mas sabemos estar lá - devido às limitações do nosso cérebro, e que, em alguma medida, poderão ser estendidas a qualquer sistema computacional - devido ao teorema de Gödel entre outros aspectos). Dentro dessa perdição que é viver o mundo a descoberto (como mistério) ou tapado (com a ajuda de teorias / alucinações), cada um faz o melhor que pode. Ou caindo no desespero ou agarrando-se a qualquer coisa que lhe pareça de valor no meio de toda esta confusão (por exemplo a fama ou simplesmente a aceitação).

Tanto Hitler como Estaline como o padeiro da esquina, a mulher a dias, o executivo, Gandi, Osho, etc, viveram, como pessoas, esta limitação. E não foram mais do que isso, pessoas, limitadas, a tentar encontrar o seu caminho num mundo necessariamente impossível de compreender na sua totalidade por um organismo como o homo sapiens.

O espantoso é o número de pessoas que acredita que sabe realmente em que mundo vive, o que é esta madeira que o rodeia, o plástico, o sorriso, o ambiente, a sensação. Espantoso é que haja tanta gente mergulhada no Mistério sem falar sobre ele, tentando não pensar sobre ele, como se a vida se reduzisse a um conjunto de horários e obrigações, como se fôssemos meros autómatos correndo atrás de objectivos.

Na verdade, não sei o que somos, para que vivemos, o que podemos esperar, de onde viemos, para onde vamos...

Sei apenas, porque o sinto, porque me é evidente, que vivo num mundo bem para além do Paraíso, de tão belo que é. Sei também que durante muito tempo tive vergonha de, havendo tanto sofrimento (ilusório no sentido em que é fruto da ilusão) viver eu tanto prazer e em êxtase maravilhado com o tudo e o nada. Mas hoje compreendi que esse medo de viver o Paraíso, ou melhor, essa vergonha, essa sensação de culpa, é precisamente o que me afasta dele.

À que saborear, sem medos, esse Prazer. O Prazer não é mau, é fonte de Amor, de Inspiração, alimenta a Liberdade, dá-nos Luz. Se queremos verdadeiramente habitar (conscientemente) o Paraíso que nos foi oferecido, é preciso dispormo-nos a viver essa Liberdade, essa Alegria, esse Amor. Ele está LÁ, para todos os que o quiserem e souberem receber...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

...ahhhhh!!...

O mundo pode fazer muito mais por nós do que nós podemos fazer por ele.

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É certo que cada gesto de cada ser vivo poderá ter repercussões até ao fim dos tempos, que serão por vezes amplificadas à medida que o tempo passa. Por exemplo, a humanidade inteira não existiria se um único coito não tivesse ocorrido há milhões de anos atrás. E não foi apenas esse coito, foram precisos biliões de coitos, exactamente iguais, até ao mais ínfimo detalhe para estarmos hoje aqui os dois: tu e eu.

No entanto, apesar da enormidade das consequências dos nossos mais pequenos actos (a maior parte dos nossos gestos, mesmo os mais pequenos, terão uma infinidade de consequências até ao fim da história do nosso planeta ou mesmo para além disso (caso haja seres vivos que emigrem daqui para outros sistemas solares, por exemplo), o mundo é tão incompreensivelmente enorme, gigantesco para além dos nossos mais extravagantes sonhos, que tudo o que possamos fazer é menos do que uma gota de água num gigantesco oceano. Se bem que os nossos gestos tenham consequências, essas consequências diluem-se no tempo há medida que vão sendo misturadas com biliões de biliões de outros factos e eventos. Por isso, certamente que um único coito no passado longínquo modaria a face de cada ser humano (e talvez da maior parte dos seres vivos) no planeta. Se andássemos suficientemente para trás no tempo, uma pequena diferença num único coito, faria com que não existisse um único ser vivo dos que agora existem. Nem eu nem tu, nem ninguém que conheçamos ou de que ouvimos falar, nenhuma das personagens da história. Tudo seria diferente devido a apenas um único ai ou ui diferente há biliões de anos atrás. No entanto provavelmente a história do planeta seria muito semelhante. Haveria certamente mamíferos, peixes, aves, tudo estaria coberto de vida, desde as plantas, aos aracnídeos, a festa da vida seria a mesma. Eventualmente apareceria vida inteligente, alguns milhões de anos antes ou depois, o que interessa? Talvez a linhagem fosse diferente, talvez fossem vegetarianos a alcançar a inteligência, ou predadores sanguinários. A história do planeta seria diferente nos detalhes mas não na aventura, não no prazer, não na infinita variedade, não nas suas linhas centrais de abertura à consciência.

É neste sentido que qualquer um de nós tem pouco ou nada a oferecer ao mundo. Existem sistemas planetários a perder de vista, certamente um número de civilizações inteligentes maior do que o número de seres humanos que alguma vez habitaram o planeta. Se tivéssemos nascido numa nébula, na companhia de muitas estrelas e sistemas planetários, certamente que teríamos contacto regular com outras civilizações extra-planetárias. Mas nascemos num sol algo isolado e é pouco provável que seja fácil para nós manter um contacto frequente com essas civilizações. Estamos demasiado longe. É claro, há medida que as nossas ondas hertzianas se forem espalhando para o espaço (como no livro Contacto, de Carl Sagan) estaremos a emitir como uma espécie de farol que grita: «há vida inteligente aqui!», mas é questionável que na balbúrida do universo, com tanta incontável vida, haja alguém realmente interessado em nos conhecer. Fazendo uma analogia, é como se tivéssemos nascido numa ponta qualquer do oceano onde houvesse pouca vida, e muitos de nós pensássemos até que éramos os únicos seres nesse oceano que podíamos ver como gigantesco. Mesmo que as nossas actividades fossem gerando cheiros e sabores que indiciassem a nossa presença a outros seres, porque se haveriam eles de interessar por nós? Teriam as suas próprias actividades, aventuras, comunidades, sistemas de pensamento e objectivos onde nós, provavelmente, encaixaríamos mal ou pelo menos de forma imprevisível. Só os seres mais curiosos os famintos estariam talvez dispostos a mudar as suas rotinas para nos encontrar e se darem ao trabalho de nos confrontarem e compreenderem.

Apesar da nossa solidão, é certo que vivemos num mundo gigantesco, para lá da compreensão ou da imaginação humana. Talvez um dia possamos aproximarmo-nos mais de o compreender, quando a cibernética aumentar ainda mais as capacidades da mente humana. Em todo o caso para já parece inconcebível que algum ser consiga abarcar o que existe. Por exemplo, só em termos de música, em apenas algumas centenas de anos o homem assistiu a criações tão diversas como as de Gerswhin, Wagner, Vivaldi, Mozart, Black Eyed Peas, os Beatles, Bob Dylan, Strauss, Holst, Vangelis, Elis Regina, Paul Simon, Ney Matogrosso, Trovante, Amália, Regina Spektor, U2, Céline Dion, Gabriel o Pensador, Vitorino, Louis Armstrong, Bob Marley, The Doors, Steve Reich, etc. A própria lista de músicos é gigantesca. Se víssemos apenas a lista de músicos de que há memória, certamente seriam precisos muitos volumes para conter apenas os seus nomes. Mas seriam precisas muitas vidas humanas para conhecer apenas uma música de cada um dos autores. E nem se sabe o que seria preciso para que alguém conseguisse imaginar a vida ou estado de espírito de cada um deles a partir das suas músicas.

Há ainda o caso da literatura, da pintura, da ciência e da filosofia e, se fosse possível ver a história do mundo como a de um filme, poderíamos ainda dar-nos ao luxo de ver cada uma das pessoas em cada um dos seus momentos. Acompanhar também os canários e piriquitos nas suas aventuras, entrar nos seus mundos interiores e saborear, compreender, os seus objectivos e medos, sensações e sentimentos, prazeres e emoções.

Por aqui é fácil de compreender que seriam precisos milhões de anos para um ser humano, ao seu ritmo actual de aprendizagem, para se pôr a par do que tem acontecido pelo universo. É claro que só orgnismos ciebernéticos com prazos de vida de vários milhares de anos ou mais, e com ritmos de aprendizagem e graus de compreensão muito superiores, poderiam sequer ambicionar a compreender uma parte substancial do que nos rodeia. Ao homem isso aparece como um sonho tão impossível e longínquo, que só pode ser apresentado à generalidade dos homens actuais como uma bizarria da imaginação. Mas para seres mais inteligentes (que estarão com toda a probabilidade no futuro deste planeta, e de quem nós podemos até ser também progenitores) poderá ser um objectivo prático a atingir. Por exemplo, se o homem não se destruir entretanto (em nome de Deus, da paz e do amor, etc) é bem possível que dê origem a organismos cibernéticos cada vez com maior tempo de vida e maior capacidade intelectual. Quando se chegar à fronteira dos milhares de anos, quando a nossa memória puder abarcar milhões petabites de informação, quando formos tão flexíveis que sejamos capazes de compreender a beleza divina tanto de Mozart como dos Black Eyed Peas, então estaremos preparados para começar a empreender essa maravilhosa fronteira que é a de ler o mundo que nos rodeia, a realidade que está à nossa volta, com menos fronteiras, com menos limites.

Para esses seres o mundo será algo maravilhoso, cheio de diversidade, muito mais complexo do que o que podemos imaginar. Para muitos seres humanos actuais e outros animais, o mundo é algo chato e cinzento e sempre igual. Não conhecem as aventuras emocionais de Göthe e Herman Hesse, não mergulharam nos dilemas existenciais de Patrick Süskind, não viveram a força de Thomas Mann, ou a libertinagem de Henry Miller, a sensibilidade de Anaïs Nin ou a sensibilidade de Jane Austen, e ainda menos talvez a aguda atenção do gato da vizinha, vivência lúcida mas silenciosa e mais intransponível que a de Anaïs Nin. Ou a da vontade de agradar do cãozinho do outro vizinho, ou a alegria do pardal esvoaçante, o agudo prazer da andorinha malabarista, o sorriso levantado ao sol da flor, o estado da pedra, crescendo e movendo-se a um ritmo extraordinariamente mais lento do que nós, à escala geológica. Tudo isso e infinitamente mais nos vai passando ao lado, e então acreditamos numa vida cinzenta e triste, onde os dias passam sempre iguais. Mas é o nosso cérebro que está bloqueado à beleza que existe, à diversidade que não cabe num lugar pequeno, num pensamento triste.

Neste mundo absolutamente bombástico de luzes e cores e sabores e sentidos e histórias, acontecimentos, percursos, sensações, emoções... Neste mundo imenso parece que nos perdemos. Qual é afinal a nossa escala, a nossa importância, o nosso peso, o nosso papel? Aquele certamente que soubermos e quisermos ter. Mas certamente um infinitamente pequeno e insignificante. Mesmo o maior imperador do maior planeta não afecta praticamente nada do que existe. Olhando para as galáxias que se estendem a perder de vista, esse encimado ditador, cujo reinado se poderia estender por milhares ou mesmo milhões de anos, nunca seria conhecido, os seus gestos nunca seriam sentidos por praticamente 100% do que existe. Não seria exactamente 100% mas apenas 99,99999999...%.O que é certo é que tudo continuaria. Não apenas noutros mundos mas mesmos junto de si. Os fotões e protões e neutrões continuariam, impassíveis aos seus sonhos de glória, a movimentar-se segundo exactamente as mesmas leis, a gravidade, as forças moleculares ou mesmo da psicologia continuariam a ser as mesmas. O passado seria o mesmo, o futuro continuaria a ter o seu quê de imprevisível. A sua ditadura restringir-se-ia sempre a uma íinfima parcela do real: àqueles sistemas que estivessem feitos de maneira a obedecerem à sua vontade: fossem psicológicos, eléctricos, mecânicos, têxteis, biológicos, etc. A causa desse poder, no entanto, seria uma possibilidade desde sempre presente no próprio universo e, por isso, para lá do seu próprio poder. Ou seja, a origem do poder deste possível hiper-ditador não está no seu poder, escapa-lhe, transcende-o. Não lhe pertence, não a pode alterar. Antes lhe pertence e nasce e morre com ela. Por outras palavras, é filho do universo como tudo o resto. E só faz o que lhe é possibilitado por ele.

Mesmo o maior ditador é assim um mero filho do mundo, uma mera consequência de actos que vieram antes dele, e tudo o que fizer está limitado pelo que o universo permite. Possibilidades essas inscritas desde a origem. Nem o passado nem o futuro nem tão pouco o presente lhe pertecem. E, tal como a ele, também não a nós. Somos frutos do Universo, partes incessantemente mutáveis. Nascendo e morrendo da sopa cósmica que nos deu origem, nos mantém e nos vai engolir.

Temos pouco a dar, dada a nossa finitude, mas tudo a receber, dada a imensidão e complexidade e perfeição de tudo o que nos rodeia. Abramos portanto os olhos e os ouvidos, treinemos a mente, libertemos o espírito, deixemos viver o animal consciente e desperto que existe dentro de nós. Armados de tudo, intuição, sensações, mente, espírito, liberdade, vamos então à procura do mundo, vamos deixar que ele nos ensine, que nos desperte, que nos inspire, deixemos que nos guie e nos dê aquilo que nos quiser dar e que possamos receber. Tenhamos confiança na Existência que nos deu lugar.

sábado, 26 de julho de 2008

Individualidade e inveja... morrer?, para quê??

Como seria um olhar sem inveja, como veria os outros, desde os que consideramos "santos" aos "egoístas", etc?

No filme Life After Life, Raymond Moody entrevista uma série de pessoas que afirmam ter tido experiências após a morte. Nessas entrevistas todas as pessoas descrevem um encontro com um ser que as compreende sem as julgar. Quando encontram esse ser ele pergunta-lhes o que aprenderam nessa vida e toda a vida passa diante delas como se o tempo adquirisse mais dimensões e pudesse ser visto todo ao mesmo tempo e andar para a frente ou para trás (como fazemos com uma paisagem).

Os relatos destas pessoas são tudo menos bem estabelecidos científicamente. Se pudemos duvidar da veracidade da teoria M (teoria das cordas), do porquê de por vezes o alcatrão da estrada reflectir o céu, dos modelos de funcionamento do cérebro, dos modelos de previsão do clima, das fases da vida das estrelas, do modo como as galáxias apareceram, do funcionamento das patas dos lagartos, da personalidade real do filósofo Sócrates, do porquê dos sonhos, da necessidade de dormir, ou, até, de sabermos com certeza se o futuro será como o passado e se o sol irá nascer amanhã, pois certamente este tipo de relatos, impossíveis de testar de forma objectiva e sistemática, será ainda mais falível, mais objecto de incertezas. Poderá ser uma simples fraude, uma experiência provocada pela falta de oxigenação do cérebro, ou simplesmente uma bela história com uma finalidade teológica qualquer ao serviço de um qualquer grupo ou religião.

Seja como for eu acredito nela, não é uma crença justificada por outras crenças, mas apenas pela própria experiência em si. Ou seja, tal como acredito na beleza do mar, apenas porque a sinto, não sabendo porém se aquilo que sinto tem algum valor ou realidade para lá da própria sensação, também em relação a esta presença, que não julga, que tudo compreende, que é luz pura, também acredito porque a sinto, apesar de não saber se a essa sensação corresponde algo fora de mim.

Seja como for não precisamos de acreditar na realidade de um tal ser, basta-nos a sua concepção ideal para compreender que uma visão sem inveja seria uma visão incapaz de julgar, ou melhor, uma visão onde a compreensão do outro, da sua viagem, dos seus motivos, é tão profunda, que todo o julgamento desaparece, sendo convertido em visão.

Por outro lado, a falta de compreensão gera um hiato entre a minha visão e a visão do outro. Então posso considerá-lo um deus ou um diabo, ou outra coisa qualquer. Ou seja, para complementar essa falta de visão, de compreensão, terei de estabelecer outra ponte qualquer. Essa ponte é o juízo, dizer: "fez bem" ou "fez mal" colmata séculos de investigação que seriam necessários para saber porque é que a Joaquina matou o José.

Mas quando compreendemos verdadeiramente porque alguém fez isto ou aquilo, estamos mais próximos (se bem que ainda muito distantes) do psicólogo do que do juíz. Para o psicólogo não fará grande sentido condenar alguém. Qualquer criança chora por uma razão, qualquer pessoa faz o que faz por uma razão. Algo teve de acontecer, a nível físico, psicológico, cultural, etc, que justifica a acção daquela pessoa. Quanto mais não seja, a sua própria liberdade.

Deus (a tal luz dos relatos) seria nesta perspectiva também o psicólogo perfeito. Teria não apenas uma compreensão do outro, mas uma compreensão total, de cada momento, de cada parte, da articulação, da decisão, do peso que a liberdade teve em tudo isso, etc. Mas um psicólogo perfeito vê com total clarividência, tudo o que faz em seguida é no sentido do futuro. Para ele não faz qualquer sentido condenar a não ser como estratégia para o futuro...

É claro que o homem, enquanto homem, não poderá nunca ter uma perspectiva completa sobre uma pedra (que inclui a sua estrutura molecular e quântica, etc, a sua história, a sua relação com cada outra parte do Universo que a influencia e influenciou, etc, já sem falar das possibilidades futuras), uma árvore, uma nuvem, um rio. Portanto não terá também qualquer possibilidade de vir a compreender na totalidade outro ser humano (ou restantes animais). Se bem que a psicologia de um ser humano (ou de outro animal) seja infinitamente mais simples comparada com a estrutura molecular de uma pedra, mesmo assim é demasiadamente complexa para ser apreendida inteiramente. Seja como for, é pouco crível para mim que compreender alguém se reduza a compreender a sua psicologia.

Dado este estado de desconhecimento inultrapassável como pode o homem estar perante os seus pares e o mundo. Bem, a ignorância em si mesmo pode dar origem a muitos sentimentos: medo, mistério ou inveja, por exemplo. O medo leva ao afastamento, o mistério à contemplação, a inveja leva à condenação.

Quando olhamos para o mundo com olhos de ver vemos algo muito para além do Paraíso. Cigarras e formigas, joaninhas e escaravelhos, ratos e serpentes, leões e corças, aranhas e mosquitos, pardais e andorinhas, todos gozam o momento... O prazer de todos, em uníssono, é um som difícil de suportar, uma felicidade atroz que nos parte os limites de ser, que nos rebenta numa gargalhada, que nos parte os princípios e os fins, que nos acorda para um outro mundo: o mundo REAL.

Toda essa beleza, toda essa alegria, é incompatível com a nossa vida miserável, com as nossas preocupações com o dinheiro, com o trabalho, com o que os outros ganham ou pensam de nós, ou porque têm uma vida mais fácil, com o sofrimento dos animais e do mundo. Por isso temos de fazer uma escolha: ou escolhemos a alegria ou escolhemos o eu. O eu exige paredes, medos, divisórias; para haver um eu tem de haver um tu, um medo, uma possibilidade de queda, um afastamento. A Alegria do mundo, do planeta, de cada bicho unida à de todos os outros é demasiado Feliz, demasiado Orgástica, para nos deixar manter nos nossos frágeis limites do Eu. Ou a ouvimos e nos partimos, ou nos mantemos unos na nossa concha, na nossa solidão, e então temos de reinventar tudo, de redefinir tudo. É aí que aparece uma visão alternativa da vida e das coisas, onde o sofrimento é fundamental. Agarramo-nos, não ao biliões de biliões de animais que vivem em joyeusement, alegria profunda e dedicada, mas àqueles momentos de sofrimento por vezes associados ao fim da vida ou à impossibilidade de chegar ao objecto do desejo. Então pega-se num animal que está quase a morrer ou vive preso e arrasta-se o seu sofrimento, prolonga-se o seu sofrimento, enfatiza-se, publicita-se... Contempla-se... e, nessa contemplação, descobrimo-nos como santos por o fazer permanecer vivo assim por vencermos assim a "infelicidade" do mundo.

Nessa visão do mundo nós somos os grandes heróis num mundo marcado pela dor, pela perda, pela derrota. Somos os maiores, tentando "salvar o mundo". Na verdade, porém, nós estamos é a tentar salvar o nosso eu do abraço murmurante de prazer do mundo, para que ele não acabe connosco num orgasmo sem princípio nem fim. Porque, mesmo enquanto morre, o animal está vivo. E estará vivo, presente, no momento, e quando deixar de estar presente ficará apenas o seu corpo. Mas tudo o que observamos é vida, e depois cadáveres vazios dela. Em nenhum momento a vida cede à morte. Em nenhum momento se "morre" verdadeiramente, como algumas pessoas parecem crer, a não ser que com isso digam que a vida deixou de se manifestar. Tudo o que se possa dizer para lá disso (ou seja, que a alma permanece ou não permanece) é pura especulação.

Alimentando assim um mundo onde a morte é uma coisa má, onde o sofrimento é preponderante, conseguimos manter uma certa individualidade. Mas o nosso pior inimigo é o prazer dos outros. Quando vemos as andorinhas a voar, naquele êxtase de se dissolver no vento, pensamos "ah! mas não pensam, e logo virá a morte e os caçadores". Quando vemos um belo animal pensamos "ah! mas já estão em extinção" ou "os homens vão matá-los" ou "não são tão bons como nós" ou "mas há muitos que não apreciam esta beleza" ou "poderia dar uma bela pele".

Ou seja, substituímos a visão extasiante da beleza por outros pensamentos mais negros que nos permitam manter a ficção de que este é um mundo menos que "Beyond Paradise", que é feio, que é dor, que é injusto, que é cheio de perigos, etc.

Assim mantemos a nossa identidade...

Pior do que isso é quando a visão da beleza é tão forte que não nos dá lugar para fugir dela. É o caso do sexo entre dois amantes: vamos escondê-lo, proibí-lo, condená-lo! É o caso da vida das andorinhas e dos pardais e dos golfinhos e de tantos outros... vamos denegri-los, vamos usá-los, vamos matá-los! É o caso do próprio Universo que na sua visível infinitude, perfeição e complexidade nos faz esquecer de nós: vamos ignorá-lo - as estrelas não têm nada a ver com o preço do gasóleo, é com isso que nos devemos preocupar.

Com todas estas estratégias o homem conseguiu sobreviver como indivíduo. reCriou-se a si próprio. Ganhou um lugar privilegiado no universo como "Filho de Deus", veículo para o Nirvana, dono do mundo, empresário, investigador, etc. Nesse papel irá evoluir certamente muito, pelos milénios fora e dará origem a outras formas de vida, como organismos cibernéticos, cujo tempo de vida e capacidades cognitivas lhes abrirão mais as fronteiras da percepção e cognição, permitindo-lhes talvez escapar mais um pouco a esta cegueira. Daqui a milhões de anos, quem sabe a que daremos lugar?

Mas sem dúvida que o nosso individualismo cumpre um papel, uma função, certamente que não seríamos os mesmos caso a beleza extasiante e tão plena do mundo nos fosse visível. Certamente, não seríamos humanos, mas outra coisa qualquer...

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Quem critica o egocentrismo, fá-lo por inveja?


Costumamos dizer que o egoísmo traz infelicidade, mas de facto traz-nos mais infelicidade a nós, sobretudo quando vemos o pessoal com quem não nos identificamos, que não joga o nosso jogo, a divertir-se. Para o pessoal intelectual o futebol é uma perda de tempo, e o Ronaldo, o Figo, o Mourinho e outros que tais, são apenas palhaços num circo nacional destinado a entreter as pessoas e a distraí-las do que é importante (política, espiritualidade, problemas sociais, amor, etc).
Esquecem-se que se sentem mais felizes quanto mais infelizes esses tais se mostram. A infelicidade da derrota do egoísta é a coisa que nos dá mais prazer. Nessa altura entramos como santos: «estás a ver? Isso do futebol não te traz nada de bom, é so frustrações em cima de frustrações e mesmo quando ganhas, é sempre um risco, podes perder no ano a seguir.»
Somos os salvadores, os benfeitores. Mal mesmo é quando eles se dão bem e cada vez entram mais no vício. Da mesma forma com o tabaco. Como detestamos os vícios dos outros, sobretudo quando lhes dão muito prazer!! Eles a divertirem-se com aquilo! Ahhh! Que nojo. O melhor mesmo é quando têm tosse e cancro etc. Nessa altura é como se o céu nos ouvisse e finalmente nos desse razão: «Estás a ver, há quanto tempo te dizia que isso era mau para ti?»

Mais uma vez somos os anjos salvadores, como aqueles inquisidores de outras eras, também eles fantasiados de Santos que nos vinham salvar do sexo e das orgias e dos pensamentos inconsequentes e alheios à vontade do Senhor.
Que bons que eles eram, e que maus que nós, pecadores, éramos. Hoje em dia nada mudou. Já não se critica os judeus, não vão para a fogueira, e os fornicadores até passam despercebidos. Mas o discurso crítico continua o mesmo de uma facção da sociedade para as outras. Os intelectuais criticam o futebol, os pais criticam as drogas, todos criticam os políticos (incluindo eles próprios) e, em tudo isso, o que mais nos apavora são os incríveis prazeres que o egocentrismo proporciona.
Não aguentamos que alguém se divirta mais do que nós. Só se for da nossa equipa, só se nos identificarmos com aquela camisola. E, aí sim, ai que bom é o engenheiro Sócrates, ai que bom era ser como o Huxley e tomar LSD à vontade, ai que bom ser como a Madona e poder consumir crack, ai que bom ser rico e poder andar com jaguares, ai que bom é o Figo e o Ronaldo que nos levaram à Taça! Ai que bom - quando participo, quando sou uno com os que ganham...


Mas não me deixem ver o prazer dos outros, escondam-no entre os lençóis, tapem-no entre esquinas escuras e vielas escondidas, proibem-no, queimem-no, não falem dele, façam-no tabu...

Que eu não quero saber de como os fanáticos da religião se sentem plenos de amor, como os fotógrafos da natureza ganham a vida a viajar, como os que nascem ricos nunca tiveram de trabalhar, de como os ursos vivem de papo para o ar, e os pandas passam a vida a dormir e os golfinhos a festejar: tapem-me as cobertas do mundo. Deixem-me dormir de mansinho, calminho, no meu quartinho de janela pequena e virado apenas para o que eu gosto,

não aguento, não, não aguento, os rugidos de prazer dos outros,

especialmente os que não jogam os meus jogos,

vamos condenar o egoísmo:

têm de ser todos bons,
como eu!!

^_^

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Para além do bem e do mal -- Infinita Imensidão -- Beyond Paradise

Que outra forma há de viver que não seja procurando o que desejamos e criando distância do que tememos? Um mundo visto assim, por uns olhos de um tal ser vivo, é uma Viagem e está dividido ao meio: a parte boa, de que nos queremos aproximar, e a parte má, de que queremos fugir a todo o custo, mais essa zona difusa de permeio, às vezes gigantesca, do que não metemos claramente nem num saco nem no outro...

Quando olhamos para o Cosmos, no entanto, temos dificuldade em manter essa perspectiva. É como se, o Infinito em que se espalham biliões de Galáxias e mundos sem fim, diluísse os nossos "problemas", as nossas ambições, a nada... Nessa infinita imensidão, onde tantos incontáveis biliões de biliões de seres procuram a seu tempo as suas "preciosidades", somos apenas mais um. Um pequeno habitante de uma imensa floresta, onde tudo, mas absolutamente tudo, tem o seu papel.

É como se, de repente, a mosca verificasse que o a aranha tinha o seu papel. Que se não fossem as aranhas e outros predadores e doenças, os insectos cresceriam exponencialmente até arrasarem com todos os recursos. Tudo se alimenta de tudo, e é precisamente o facto de os excessos de uns alimentarem os excessos de outros, contrabalançando-os, que faz com que a floresta se mantenha, ao longo dos milénios, de forma harmoniosa. Cada predador desempenha o seu papel.

Por outras palavras, é como se o homem compreendesse subitamente que as doenças, a falta de comida, as pestes, as guerras, os ditadores, etc, fazem parte do equilíbrio do mundo. São a forma de manterem em equilíbrio a ambição desmesurada do próprio homem, que procura sempre mais e mais, até se converter numa das piores pragas que o planeta já conheceu.

De rei do mundo e Filho de Deus, a praga infestante, a distância é pequena ou quase nula, melhor dizendo, uma é causa da outra. É precisamente por pensarmos que temos direito a tudo, que podemos explorar sem limites todos os recursos do planeta, que podemos tratar os animais como objectos e as coisas como instrumentos do nosso bem estar, por pensar que somos sagrados num mundo profano, é essa Ilusão de Grandeza, essa Cegueira, que faz de nós pragas. Cegueira certamente partilhada com as moscas que também não estariam dispostas a conterem-se em nome do bem estar de tudo.

É irónico que, em nome do bem, de Deus, do Sagrado, se combatam as doenças e a fome, os predadores e a morte, quando, vistos a outra escala, essas mesmas coisas são tão Sagradas como tudo o resto, são tão boas como tudo o resto, trazem equilíbrio, são o produto do nosso próprio desequilíbrio, do nosso desrespeito para com tudo o resto.

Dito de outra maneira, se os insectos se tivessem dado conta de que tudo à sua volta merecia viver tanto como eles, que tudo era Belo, infinitamente belo, teriam certamente evitado a destruição da floresta, porque se compreenderiam como parte dela e não acima dela. Por esse motivo, ter-se-iam contido no que comiam, nos números em que se reproduziam, etc. Sem excesso de insectos nunca teriam surgido pragas de aracnídeos capazes de os comer. O excesso de uns provocou o aparecimento dos outros.

Do ponto de vista Cósmico, tudo faz sentido. Não há uma única coisa que tenha aparecido sem razão para isso, sem uma história que a sustente. Tudo se integra coerentemente numa história comum onde cada coisa acontece devido a tudo o resto ter também acontecido e cada coisa é também uma (ínfima) razão para tudo o resto acontecer. Nesta concepção do Cosmos, cada parte é o resultado e um contributo para o todo.

Um homem iluminado pela luz do Cosmos é como uma mosca que subitamente compreende, grosso modo, que as coisas que lhe fazem medo, também têm uma Beleza intrínseca, um papel, um valor. Ela não deixa de ter medo, não deixa de ter dor (se é que as moscas sofrem ou pensam), não deixa de fugir dos seus inimigos, de procurar comida e de combater quem lhe faz frente, não deixa de ter dias bons e dias maus...

E no entanto, no meio de todas essas viagens, há algo que a distingue das outras moscas. Ela olha para a aranha e, em todos aqueles oito olhos, naquelas patas longínquas, naquela sede de apanhar e comer, a mosca vê uma beleza, uma irmandade, uma frame comum, entre ela e a aranha e a árvore e a estrela, a e planta devoradora de insectos e a papoila e o girassol.

Nisso que têm de comum, a mosca encontra a imagem mais bela de si, que é também a imagem de tudo, a imagem de um Cosmos perfeito, infinitamente complexo, imagem - porta de Entrada, para a Beleza Infinita que lhe subjaz...

Se o Homem se tivesse visto como parte de um Universo todo ele sagrado, do maior grupo de galáxias à mais pequena partícula, teria procurado compreendê-lo em vez de o instrumentalizar, teria vivido a Beleza em vez de lutar contra monstros, exteriormente viveria mais ou menos da mesma maneira, em Viagem, mas interiormente teria chegado ao Paraíso em vez do Inferno que criou, com os seus medos, para si próprio.

Num Universo onde tudo é sagrado, não pode haver bem e mal, estamos para lá do Infinito, num local bem para lá do Paraíso - vou chamar-lhe Beyond Paradise

segunda-feira, 21 de julho de 2008

a oração do Eu



Eu quero ser bom
eu quero ser puro
eu quero o melhor para ti
eu quero anular-me
eu quero ser melhor
eu quero agradar-te
eu quero fazer bem
eu quero ajudar
eu quero obedecer
eu quero desaparecer em ti
eu quero ser melhor
eu quero superar-me
eu tenho tantas faltas
eu sou tão infeliz
eu pequei tanto
eu irei pagar
eu vou sofrer
eu vou transcender
eu vou para lá da dor e do prazer
eu quero ser teu
eu quero ser belo
eu quero ser forte
eu quero vencer
eu quero ser aceite
eu quero desaparecer
eu quero morrer por ti
eu quero merecer-te
eu quero viver enfim
..........um único dia de paz...

eu quero
eu quero
eu
eu
eu...

eu

e se não houvesse eu?

?
nada teria a perder
senão a Gargalhada
ENORME
do Mundo
abrindo-se de Flor em Flor!!



sexta-feira, 18 de julho de 2008

Conto quase erótico

Tu eras tão presa, tinhas tantos medos,

mas lentamente fui-te ajudando a perceber que não fazia mal, juntos penetrámos nos teus segredos, os teus piores medos.

ensinaram-te que eras feia, a teres vergonha: disseram-te isto em ti é proibido, não o podes mostrar.

Pois a mim podes-me mostrar. Não te direi "desavergonhada" ou "porca". Pelo contrário, admirarei aquilo que outros desprezaram ou meramente cobiçaram como coisa a usar e deitar fora.

Direi que és Linda, e, lentamente, recuperarás a confiança perdida na tua própria beleza, no teu próprio corpo. Porque com dois é mais fácil de enfrentar os demónios.

Confia em mim também os teus segredos, os teus secretos impulsos, que, igualmente, paralelamente, te levaram a desprezar e a esconder. Da mesma forma não te direi que és "porca" ou impura por desejares o que se convencionou ser proibido. Direi que é natural, porque me amas, e que amar o sexo do amado e desejá-lo é tão só a expressão de um grande amor.

Não te baterei nem te condenarei, antes aceitarei os teus anseios e desejos e dir-te-ei que os tenho também. Como dois confidentes começaremos a aceitar intimamente tudo aquilo que nos foi negado pela sociedade ter de forma natural. Seremos dois viajantes, caminhantes, à procura de uma infância primordial esquecida onde tudo é afinal belo, onde não existe pecado senão a própria rejeição da verdade que somos e vivemos.

Aceitando tudo em ti, reconhecer-te-ei, bela, esplêndida, magnífica. E, se fizeres o mesmo comigo, oh!, que valor darás então às minhas palavras, tal como eu às tuas. Encimar-nos-emos aos dois em cima da mais alta montanha onde seremos expoentes máximos de beleza, nessa cama alquímica onde nos despimos de roupas e reganhamos a nossa honra da forma menos púdica possível.

Depois deixar-me-ás despir-te cada vez mais, para lá das roupas, vou mexer-te nas tensões do corpo. Deixa-me abraçá-las, agarrá-las, tocá-las, para que se dissipem, para que se tornem férteis, não de dor e embaraço, mas de ternura e de prazer e abertura a tudo, à criatividade.

Serei como um saca-rolhas, sacando um a um esses medos que te afogam e te prendem, vou ensinar-te a ver o corpo de outra maneira...

Serás um instrumento de prazer, por instantes, veremos tudo o que a sociedade nos disse de pernas para o ar.

E agora quem és? Cada vez mais livre, menos medos te afogam, sabes tudo sobre ti, nada te enoja. Estás solta, aberta ao tempo, aberta ao mar e à vida. Livre para abraçar tudo e para com tudo lidar.

Eis o que fizeste de mim: um herói, um navegante feliz, um Êxtasiado contigo e com o tudo de que fazes parte.

Seremos dois ou um só? Perderam-se as fronteiras, perderam-se os braços e as pernas. Fica apenas o beijo, o gesto, a carícia,

aquele... em que dois se transformam num

a olhar o Cosmos,

Abertos e pontiagudos simultaneamente,
entrando em tudo, abertos a tudo,
abençoando tudo,
em Deus.

A liberdade não tem forma

(este texto é mau, mas a liberdade que está por trás de tudo não tem fim)

Todos nós sentimos que temos dentro de nós algo extremamente belo... algo que podemos querer dar, preservar, ostentar, usar como arma, etc.

Por vezes olhamos o mundo como se fosse um espelho de Deus. Mais vulgarmente ainda, olhamos o nosso corpo, a nossa vida, como se fosse um espelho de nós. Se temos sucesso somos bons, o nosso fulgor interior, essa beleza intangível, mostrou as suas fagulhas na prática. Fomos reconhecidos pelo que realmente somos! Esse reconhecimento atrai, como um magnete. Talvez porque vemos nessa imagem, nesse reconhecimento, nesse gesto que tem o seu quê de perfeito, uma verdade importante e profunda, como se algo vindo do além, e que sabemos ser verdade (a nossa própria beleza interior) se concretizasse agora nesta realidade - a Beleza mostrou-se finalmente: afinal somos realmente bons escritores, fotógrafos, bons pais de família, bons amantes, bons negociantes, ricos, famosos, inteligentes, espertos, divinos... Que verdade saborosa e eu sou assim, de facto!!

E então olhamos para essa figura no espelho e queremos para sempre ser assim, como ela. Porque achamos que ela nos expressa, a nossa realidade bela e interior. Agarramo-nos a ela, identificamo-nos com ela. A partir daí queremos crer que somos aquilo e esforçamo-nos para os nossos filhos gostarem sempre de nós daquela maneira (eu sou um bom pai), para escrevermos textos belos e profundos (eu sou um bom escritor), para continuarmos a ter sucesso nos negócios daquela maneira (eu sou inteligente). Fomos reconhecidos por isto, agora vemo-nos como isso. Confundimo-nos com a nossa imagem no espelho...

Esquecemo-nos, no entanto, que um espelho é só um espelho. Um espelho não tem órgãos, nem coração. Numa sociedade ou mente corrupta o santo que existe em nós é violado, vilipendiado ou desprezado, numa sociedade ou mente adormecida é simplesmente ignorado ou esquecido. Os espelhos estão muitas vezes sujos, são pequenos, deformam. Mas, mesmo quando são perfeitos, revelam apenas uma pequena parcela de nós.

A nossa beleza interior, que, acho, todos sem excepção sentimos lá no fundo, como ponto primordial de toda a nossa inspiração, como alimento da nossa vida, não pode ser retractada nem condensada por nenhum dos nossos gestos. Toda a nossa vida, quer tenhamos sucesso ou insucesso, diz, na melhor das hipóteses, apenas parte do que somos, e, na pior, é como um autocolante que nos esconde o interior. Esse belo interior, esse Paraíso escondido, no máximo, poderá ser adivinhado, por quem nos ama. Mas esses não precisam de sinais exteriores de riqueza interior. Adivinham-na, nem tanto pelo olhar, é qualquer coisa que está para lá do gesto e que também existe nas conchas e em todos os mares... Por isso se chamam amantes aos amantes, para lá do concreto vêem o Paraíso escondido, semi-revelado, nas dobras perfeitas dos seus amados.

... esquecemo-nos tantas vezes que um gesto é apenas o reflexo de um casamento entre tudo o resto e algo infinitamente Belo e muito íntimo e indizível:

a origem da Liberdade...

sábado, 21 de junho de 2008

Life after life, again

Os estudos de Raymond Moody (Life after life, A vida depois da vida) vão sendo replicados, apesar de que a morte continua a ser um tabu e poucas pessoas, na comunidade médica ou civil, estão verdadeiramente interessadas em revelar os seus mistérios. Mas é possível que, enquanto não explorarmos a morte, não compreenderemos a vida.

http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/wales/7463606.stm

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Nos interstícios da Existência

Que o mundo tem uma lógica é fácil de perceber.
Qual é essa lógica? Isso nunca alguém até hoje foi capaz de o dizer.

Cada vez descobrimos mais, cada vez mais se adensa o mistério.
É preciso humildade e coragem e um sentido de aventura,
para perscrutar os interstícios da Existência.

domingo, 8 de junho de 2008

Hubble em alta definição

Este é o mundo em que vivemos apesar de muito poucos de nós nos apercebermos que ele existe.

"O que é o homem perante o infinito? ... Como poderia a parte conhecer o todo?"
(Blaise Pascal, O Homem perante a natureza, mais citações aqui)

Desafiando o assombro de Pascal, o homem tem de facto tentado conhecer o infinito. Talvez continuemos infinitamente longe de o conseguir na totalidade, isso ninguém o poderá comprovar ao certo; certo é que a imagem de um Universo povoado por estrelas, galáxias, planetas e quasares, nos inspira, nos inunda de uma paz, de uma gratidão por termos nascido num Cosmos assim tão belo, nos convida a transcender os nossos limites e os nossos medos; o mundo que a ciência desvela é um mundo cheio de sentido, cheio de esplendor, cheio de mistério...

A página europeia do Hubble, além das muitas imagens, wallpapers, etc, apresenta agora mais de uma dezena de videos e pequenos filmes em alta definição (e também em definições normais). Vale a pena ver, só faltam as legendas!! Muitos dos videos não têm som, mas são muito belos, por exemplo este.

A lista dos pequenos filmes pode encontrar-se aqui, a partir do 6º episódio já se encontram filmes em alta definição, escolhi a versão HD 1080p (screen). No entanto esta versão é bastante exigente, ou se tem um bom PC ou então uma placa gráfica com aceleração de alta definição.

No meu caso tenho um pc fraquinho, e uso uma Ati Radeon 2400pro para acelerar o vídeo, tenho de renomear o ficheiro da extensão mp4 para avi e uso a última versão do Media Palyer Classic - HomeCinema para vizualizar os ficheiros com recurso a descodificação por hardware.

Os vídeos são fantásticos. Já agora, promovendo a divulgação de material livre de copyright, aqui está um filme de animação também disponível em alta definição e criado inteiramente através de software gratuíto: Big Buck Bunny (para crianças, não tem diálogo).

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Gostas mais do doce ou salgado?

gostas mais do doce ou salgado? Preferirias ser Rei ou Mendigo, Deus ou Amante sedento?

Friedrich Holderlin no seu livro, Hyperion, afirma que

"O HOMEM É UM DEUS QUANDO SONHA E UM MENDIGO QUANDO RACIOCINA."

É um pouco como quando conhecemos alguém tão profundamente que nesse mundo, da intimidade sem palavras, parece que não há distinção entre eu e o outro, mas apenas continuidade. Somos o mesmo em dois corpos, somos um. Mas quando pensamos, quando reflectimos sobre ele, vem novamente a distinção, fomos como que expulsos do Paraíso, agora há o tu e o eu, agora somos dois onde antes havia apenas um.

Havendo um não há necessidade de linguagem ou aprendizagem, esta cumplicidade, interioridade, não exige qualquer conhecimento, apenas uma alma que não seja pequena e fechada.

Mas será que nos contentamos com isso? Não será essa cumplicidade apenas um prelúdio, um convite, a uma fusão ainda maior?

Nesse livro / poema o Holderlin queixa-se:

"Oh meu Belarmin, nestas alturas permaneço frequentemente. Mas um momento de reflexão atira-me para baixo. Ai, o homem é um Deus quando sonha, mas um pedinte quando pensa."

Ora, não será precisamente isso que sentimos mesmo com aqueles que amamos profundamente? Num momento somos um, mas no outro já estamos afastados novamente. Afastados por quezílias, desejos mal entendidos ou mal pronunciados, enfim, é a incomprensão, a cegueira que nos afasta. Do mesmo modo, olhamos para as estrelas à noite e sentimo-nos num mundo infinito e perfeito, mas quantos de nós se lembram delas durante o dia, e se sabem e sentem, vogando nesta frágil esfera, rodando pelo meio do espaço cósmico?

Pode ser que o Amante, olhando a sua Amada, a compreenda profundamente. Mas isso não chega para a conhecer. É como se nos contentássemos tanto por receber o convite que nos esquecemos de ir à Festa!! Conhecer a Amada é também conhecer a sua história, as suas predisposições, os seus medos, as suas virtudes, as suas derrotas. É um trabalho infinito, e nessa aplicação de tempo e energia, vamos construindo pontes que vão tornando essa Unidade inicial em algo mais profundo, mais Verdadeiro, mais Pleno!

Por isso, ser mendigo é necessário, é complementar de ser "Deus" (neste sentido de se sentir Uno e Pleno). É no jogo, na dialéctica, entre ser Mendigo e ser Deus, entre Saber tudo e ignorar-se tudo, entre tudo ter e tudo procurar, entre usar o para-lá-do-espírito e a mente, que vamos viajando neste mistério Cósmico à procura de tudo, incluindo a de desvendar a nossa própria essência.

Resumindo: os mendigos, esses pensadores eternamente arredados dos objectos que reflectem cada vez melhor, vão à lua, desvendam a composição de estrelas e planetas, mergulham em buracos negros, contemplam galáxias, os mistérios do clima, as civilizações passadas, a história do planeta, viajam nos Oceanos e conhecem biliões de espécies, seres e histórias... o seu olhar abarca biliões de anos, a sua viagem é infinita e infinitamente bela: esse é o milagre do homo sapiens - usou a mente como asas que lhe permitiram contemplar muito mais do que a sua própria vida, não tem asas mas voa muito mais alto do que os outros seres vivos. Ao contrário de outros animais, não tem de ter a visão centrada em si próprio, o seu olhar pode abarcar muito mais. É claro que isso ainda é muito pouco e talvez daqui a biliões de anos nós pareçamos também limitados como os macacos nos parecem hoje a nós. Mas tanto nós como esses seres superiores, seremos eternos mendigos, porque teremos sede e fome desse Encontro com tudo, e estaremos a caminho...

Mas por outro lado, há ainda um outro lado de nós, de Deuses, que por sua vez, já têm tudo, são Plenos, não precisam de nada e todo o mundo está para eles aberto, no seu Mistério, de par em par. Estão em todo o lado, são tudo!!

Estes dois lados não se devem opor, eles são como o lado esquerdo e direito da mesma face. Estar a caminho e chegar, na verdade, são dois momentos da mesma dança, do mesmo Êxtase...

O desapego leva ao Encontro do que está para lá da forma, e vice-versa; quem vê a partir do limitado verá um pedinte, afastado de tudo, quem vê a partir do infinito verá Deus, celebrando tudo; reconhecer ambas as faces como caminhos uma para e na outra é parte do despertar.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Dinheiro, meu rico dinheirinho...

É curioso como o animal supostamente mais inteligente do planeta (é ele próprio que o considera) passa a maior parte do seu tempo a pensar em dinheiro...

terça-feira, 3 de junho de 2008

Um outro olhar sobre a religião, por Bertrand Russell

A religiosidade, ou seja, a conexão íntima e invisível ao Real, não é o que está em causa neste texto, mas sim o dogma, a superstição, a (falsa) autoridade, a ignorância, o medo, que criaram e alimentaram, ao longo dos milénios, aquilo que hoje conhecemos por religião (como organização social e não a "religiosidade" da busca individual pelo sentido da própria vida). É verdade: Cristo não era cristão nem Buda era budista!! Tentemos nós também evitar todas as defesas e olhar para tudo com olhos de ver, sem pré-concepções ou ensinamentos de outros... Assumir a ignorância é o primeiro passo para estar receptivo. Estamos "condenados" a ser mestres de nós próprios...

Eu acrescentaria mais uma vantagem da religião: tal como a paixão cega também a religião conduz à sua própria superação, ou seja, a maior vantagem da religião é conduzir à desilusão... mas isto, em ambos os casos, só para aqueles que as viverem intensamente e integralmente...


Has Religion Made Useful Contributions to Civilization?
by Bertrand Russell

"My own view on religion is that of Lucretius. I regard it as a disease born of fear and as a source of untold misery to the human race. I cannot, however, deny that it has made some contributions to civilization. It helped in early days to fix the calendar, and it caused Egyptian priests to chronicle eclipses with such care that in time they became able to predict them. These two services I am prepared to acknowledge, but I do not know of any others.

The word religion is used nowadays in a very loose sense. Some people, under the influence of extreme Protestantism, employ the word to denote any serious personal convictions as to morals or the nature of the universe. This use of the word is quite unhistorical. Religion is primarily a social phenomenon. Churches may owe their origin to teachers with strong individual convictions, but these teachers have seldom had much influence upon the churches that they have founded, whereas churches have had enormous influence upon the communities in which they flourished. To take the case that is of most interest to members of Western civilization: the teaching of Christ, as it appears in the Gospels, has had extraordinarily little to do with the ethics of Christians. The most important thing about Christianity, from a social and historical point of view, is not Christ but the church, and if we are to judge of Christianity as a social force we must not go to the Gospels for our material. Christ taught that you should give your goods to the poor, that you should not fight, that you should not go to church, and that you should not punish adultery. Neither Catholics nor Protestants have shown any strong desire to follow His teaching in any of these respects. Some of the Franciscans, it is true, attempted to teach the doctrine of apostolic poverty, but the Pope condemned them, and their doctrine was declared heretical. Or, again, consider such a text as "Judge not, that ye be not judged," and ask yourself what influence such a text has had upon the Inquisition and the Ku Klux Klan.

What is true of Christianity is equally true of Buddhism. The Buddha was amiable and enlightened; on his deathbed he laughed at his disciples for supposing that he was immortal. But the Buddhist priesthood -- as it exists, for example, in Tibet -- has been obscurantist, tyrannous, and cruel in the highest degree.

There is nothing accidental about this difference between a church and its founder. As soon as absolute truth is supposed to be contained in the sayings of a certain man, there is a body of experts to interpret his sayings, and these experts infallibly acquire power, since they hold the key to truth. Like any other privileged caste, they use their power for their own advantage. They are, however, in one respect worse than any other privileged caste, since it is their business to expound an unchanging truth, revealed once for all in utter perfection, so that they become necessarily opponents of all intellectual and moral progress. The church opposed Galileo and Darwin; in our own day it opposes Freud. In the days of its greatest power it went further in its opposition to the intellectual life. Pope Gregory the Great wrote to a certain bishop a letter beginning: "A report has reached us which we cannot mention without a blush, that thou expoundest grammar to certain friends." The bishop was compelled by pontifical authority to desist from this wicked labor, and Latinity did not recover until the Renaissance. It is not only intellectually but also morally that religion is pernicious. I mean by this that it teaches ethical codes which are not conducive to human happiness. When, a few years ago, a plebiscite was taken in Germany as to whether the deposed royal houses should still be allowed to enjoy their private property, the churches in Germany officially stated that it would be contrary to the teaching of Christianity to deprive them of it. The churches, as everyone knows, opposed the abolition of slavery as long as they dared, and with a few well-advertised exceptions they oppose at the present day every movement toward economic justice. The Pope has officially condemned Socialism.

Christianity and Sex
The worst feature of the Christian religion, however, is its attitude toward sex -- an attitude so morbid and so unnatural that it can be understood only when taken in relation to the sickness of the civilized world at the time the Roman Empire was decaying. We sometimes hear talk to the effect that Christianity improved the status of women. This is one of the grossest perversions of history that it is possible to make. Women cannot enjoy a tolerable position in society where it is considered of the utmost importance that they should not infringe a very rigid moral code. Monks have always regarded Woman primarily as the temptress; they have thought of her mainly as the inspirer of impure lusts. The teaching of the church has been, and still is, that virginity is best, but that for those who find this impossible marriage is permissible. "It is better to marry than to burn," as St. Paul puts it. By making marriage indissoluble, and by stamping out all knowledge of the ars amandi, the church did what it could to secure that the only form of sex which it permitted should involve very little pleasure and a great deal of pain. The opposition to birth control has, in fact, the same motive: if a woman has a child a year until she dies worn out, it is not to be supposed that she will derive much pleasure from her married life; therefore birth control must be discouraged.

The conception of Sin which is bound up with Christian ethics is one that does an extraordinary amount of harm, since it affords people an outlet for their sadism which they believe to be legitimate, and even noble. Take, for example, the question of the prevention of syphilis. It is known that, by precautions taken in advance, the danger of contracting this disease can be made negligible. Christians, however, object to the dissemination of knowledge of this fact, since they hold it good that sinners should be punished. They hold this so good that they are even willing that punishment should extend to the wives and children of sinners. There are in the world at the present moment many thousands of children suffering from congenital syphilis who would never have been born but for the desire of Christians to see sinners punished. I cannot understand how doctrines leading us to this fiendish cruelty can be considered to have any good effects upon morals.

It is not only in regard to sexual behaviour but also in regard to knowledge on sex subjects that the attitude of Christians is dangerous to human welfare. Every person who has taken the trouble to study the question in an unbiased spirit knows that the artificial ignorance on sex subjects which orthodox Christians attempt to enforce upon the young is extremely dangerous to mental and physical health, and causes in those who pick up their knowledge by the way of "improper" talk, as most children do, an attitude that sex is in itself indecent and ridiculous. I do not think there can be any defense for the view that knowledge is ever undesirable. I should not put barriers in the way of the acquisition of knowledge by anybody at any age. But in the particular case of sex knowledge there are much weightier arguments in its favor than in the case of most other knowledge. A person is much less likely to act wisely when he is ignorant than when he is instructed, and it is ridiculous to give young people a sense of sin because they have a natural curiosity about an important matter.

Every boy is interested in trains. Suppose we told him that an interest in trains is wicked; suppose we kept his eyes bandaged whenever he was in a train or on a railway station; suppose we never allowed the word "train" to be mentioned in his presence and preserved an impenetrable mystery as to the means by which he is transported from one place to another. The result would not be that he would cease to be interested in trains; on the contrary, he would become more interested than ever but would have a morbid sense of sin, because this interest had been represented to him as improper. Every boy of active intelligence could by this means be rendered in a greater or less degree neurasthenic. This is precisely what is done in the matter of sex; but, as sex is more interesting than trains, the results are worse. Almost every adult in a Christian community is more or less diseased nervously as a result of the taboo on sex knowledge when he or she was young. And the sense of sin which is thus artificially implanted is one of the causes of cruelty, timidity, and stupidity in later life. There is no rational ground of any sort or kind in keeping a child ignorant of anything that he may wish to know, whether on sex or on any other matter. And we shall never get a sane population until this fact is recognized in early education, which is impossible so long as the churches are able to control educational politics.
Leaving these comparatively detailed objections on one side, it is clear that the fundamental doctrines of Christianity demand a great deal of ethical perversion before they can be accepted. The world, we are told, was created by a God who is both good and omnipotent. Before He created the world He foresaw all the pain and misery that it would contain; He is therefore responsible for all of it. It is useless to argue that the pain in the world is due to sin. In the first place, this is not true; it is not sin that causes rivers to overflow their banks or volcanoes to erupt. But even if it were true, it would make no difference. If I were going to beget a child knowing that the child was going to be a homicidal maniac, I should be responsible for his crimes. If God knew in advance the sins of which man would be guilty, He was clearly responsible for all the consequences of those sins when He decided to create man. The usual Christian argument is that the suffering in the world is a purification for sin and is therefore a good thing. This argument is, of course, only a rationalization of sadism; but in any case it is a very poor argument. I would invite any Christian to accompany me to the children's ward of a hospital, to watch the suffering that is there being endured, and then to persist in the assertion that those children are so morally abandoned as to deserve what they are suffering. In order to bring himself to say this, a man must destroy in himself all feelings of mercy and compassion. He must, in short, make himself as cruel as the God in whom he believes. No man who believes that all is for the best in this suffering world can keep his ethical values unimpaired, since he is always having to find excuses for pain and misery.

[...]

To this day conventional Christians think an adulterer more wicked than a politician who takes bribes, although the latter probably does a thousand times as much harm. The medieval conception of virtue, as one sees in their pictures, was of something wishy-washy, feeble, and sentimental. The most virtuous man was the man who retired from the world; the only men of action who were regarded as saints were those who wasted the lives and substance of their subjects in fighting the Turks, like St. Louis. The church would never regard a man as a saint because he reformed the finances, or the criminal law, or the judiciary. Such mere contributions to human welfare would be regarded as of no importance. I do not believe there is a single saint in the whole calendar whose saintship is due to work of public utility.

[...]

Sources of Intolerance
The intolerance that spread over the world with the advent of Christianity is one of the most curious features, due, I think, to the Jewish belief in righteousness and in the exclusive reality of the Jewish God. Why the Jews should have had these peculiarities I do not know. They seem to have developed during the captivity as a reaction against the attempt to absorb the Jews into alien populations. However that may be, the Jews, and more especially the prophets, invented emphasis upon personal righteousness and the idea that it is wicked to tolerate any religion except one. These two ideas have had an extraordinarily disastrous effect upon Occidental history. The church made much of the persecution of Christians by the Roman State before the time of Constantine. This persecution, however, was slight and intermittent and wholly political. At all times, from the age of Constantine to the end of the seventeenth century, Christians were far more fiercely persecuted by other Christians than they ever were by the Roman emperors. Before the rise of Christianity this persecuting attitude was unknown to the ancient world except among the Jews. If you read, for example, Herodotus, you find a bland and tolerant account of the habits of the foreign nations he visited. Sometimes, it is true, a peculiarly barbarous custom may shock him, but in general he is hospitable to foreign gods and foreign customs. He is not anxious to prove that people who call Zeus by some other name will suffer eternal punishment and ought to be put to death in order that their punishment may begin as soon as possible. This attitude has been reserved for Christians. It is true that the modern Christian is less robust, but that is not thanks to Christianity; it is thanks to the generations of freethinkers, who from the Renaissance to the present day, have made Christians ashamed of many of their traditional beliefs. It is amusing to hear the modern Christian telling you how mild and rationalistic Christianity really is and ignoring the fact that all its mildness and rationalism is due to the teaching of men who in their own day were persecuted by all orthodox Christians. Nobody nowadays believes that the world was created in 4004 BC; but not so very long ago skepticism on this point was thought an abominable crime. My great-great-grandfather, after observing the depth of the lava on the slopes of Etna, came to the conclusion that the world must be older than the orthodox supposed and published this opinion in a book. For this offense he was cut by the county and ostracized from society. Had he been a man in humbler circumstances, his punishment would doubtless have been more severe. It is no credit to the orthodox that they do not now believe all the absurdities that were believed 150 years ago. The gradual emasculation of the Christian doctrine has been effected in spite of the most vigorous resistance, and solely as the result of the onslaughts of freethinkers.

[...]

The church's conception of righteousness is socially undesirable in various ways -- first and foremost in its depriciation of intelligence and science. This defect is inherited from the Gospels. Christ tells us to become as little children, but little children cannot understand the differential calculus, or the principles of currency, or the modern methods of combating disease. To acquire such knowledge is no part of our duty, according to the church. The church no longer contends that knowledge is in itself sinful, though it did so in its palmy days; but the acquisition of knowledge, even though not sinful, is dangerous, since it may lead to a pride of intellect, and hence to a questioning of the Christian dogma. Take, for example, two men, one of whom has stamped out yellow fever throughout some large region in the tropics but has in the course of his labors had occasional relations with women to whom he was not married; while the other has been lazy and shiftless, begetting a child a year until his wife died of exhaustion and taking so little care of his children that half of them died from preventable causes, but never indulging in illicit sexual intercourse. Every good Christian must maintain that the second of these men is more virtuous than the first. Such an attitude is, of course, superstitious and totally contrary to reason. Yet something of this absurdity is inevitable so long as avoidance of sin is thought more important than positive merit, and so long as the importance of knowledge as a help to a useful life is not recognized.

[...]

Religion prevents our children from having a rational education; religion prevents us from removing the fundamental causes of war; religion prevents us from teaching the ethic of scientific co-operation in place of the old fierce doctrines of sin and punishment. It is possible that mankind is on the threshold of a golden age; but, if so, it will be necessary first to slay the dragon that guards the door, and this dragon is religion."

O texto completo está aqui.