sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Será o finito uma ilusão?

A função 1/x tende para infinito junto ao zero. Se a desenharmos é algo do género:



Apesar de se aproximar rapidamente do zero (a linha vertical) ela nunca chega de facto a tocar-lhe. Em vez disso os valores aumentam cada vez mais à medida que nos aproximamos do zero. 1/0,01 = 10, 1/0,0001 = 100, etc. No zero a função não é definida (1/0 não tem significado). Portanto, a linha desenhada por esta função, entre 0 e qualquer outro número, por exemplo, entre 0 e 1, tem um comprimento infinito. No entanto o mesmo não acontece com a área que essa linha envolve. Por exemplo a área delimitada por essa linha infinita, entre 0 e 1 é igual a 2. Nem é um número muito grande para uma linha infinita! Devemos clarificar o que essa igualdade significa. Significa que à medida que vamos contando mais e mais área delimitada por essa linha infinitamente grande, vamo-nos aproximando cada vez mais de uma quantidade de área igual a 2. Nunca conseguiremos chegar exatamente ao dois, mas sabemos que se fosse possível "chegar ao infinito", ao fim da linha sem fim, então a área seria exatamente dois.

O mesmo acontece com fractais como o floco de neve de Koch cuja linha tem um comprimento infinito devido à sua complexidade. No entanto a área tem um valor que se aproxima cada vez mais de 8/5 do valor do triângulo inicial.

Não é inteiramente claro que haja no universo algo como um floco de neve de Koch. Poderá haver um limite para o muito pequeno, um conjunto de partículas verdadeiramente elementares, indivisíveis. Isso parece provável dado o conhecimento atual, mas mesmo que a realidade se venha a revelar infinitamente divisível, o que estaria contra as presentes teorias (a física quântica estabelece quantidades mínimas de energia, matéria e tempo, pelo menos), mesmo assim essa divisibilidade não seria deste género, tão simples (self-similar).

No entanto, as nossas teorias científicas descrevem um mundo cheio de infinitos do primeiro tipo. Por exemplo, as forças que regem o universo, desde a gravidade ao eletromagnetismo, diminuem com a distância, no entanto o seu efeito nunca para. Tal como o nosso gráfico de 1/x a sua influência torna-se apenas mais pequena sem nunca desaparecer. Na realidade, o cálculo dos infinitos foi desenvolvido precisamente por Newton e Leibniz (na sequência de uma descoberta de Barrow), físicos que procuravam compreender o mundo à sua volta.

Mas como é possível que haja algo como o infinito num mundo cheio de limites como o nosso? Afinal tudo o que vemos parece limitado. Um quilo de açúcar, um litro de água... Mas o infinito cabe dentro do finito precisamente porque se conjuga com outros infinitos. Por exemplo, a nossa linha infinita de 1/x produz uma área finita porque essa linha aproxima-se infinitamente (sem nunca tocar) da linha vertical y=0. Por isso, apesar de a linha nunca acabar ela vai traçando uma área que também nunca para de ficar mais exígua, mais próxima do zero. Essa conjungação do infinitamente pequeno com o infinitamente grande permite, por vezes, criar coisas de dimensão finita e por vezes até determinável (a representação do conjunto de Mandelbrot dá origem a uma "área" finita mas talvez já não precisamente mensurável).

Talvez todo o nosso universo seja assim, um produto da conjugação de múltiplos infinitos que, anulando-se de certa maneira, dão origem ao que vemos, a uma certa "ilusão" de que vivemos num mundo finito, quando, na realidade, o infinito estaria por toda a parte.

Outro exemplo é o de uma série de números, por exemplo:

1/2 + 1/4 + 1/8 + ...  + 1/2^n + ...

Esta soma, à medida que vamos somando mais e mais parcelas aproxima-se de 1. Se conseguíssemos chegar ao fim desta soma sem fim, chegaríamos exatamente a 1. Mesmo para percebermos algo como a velocidade instantânea temos de dividir a distância percorrida num tempo infinitamente pequeno, a mesma coisa com a aceleração instantânea, etc. Sempre que queremos abordar o mundo aparecem-nos estes infinitos, o infinito em todas as direções.

Por outro lado nós sentimo-nos muito mais confortáveis se acreditarmos que o mundo se reduz a explicações simples de mecanismos rudimentares que, quando compostos, dão origem à aparente diversidade e complexidade de tudo quanto vemos. O reducionismo é a tentativa de reduzir a explicação de tudo quanto existe aos seus componentes básicos que, queremos acreditar, devem ser simples. Assim, tudo o que é complicado, por exemplo um relógio ou um computador, pode ser explicado a partir dos seus componentes, cada um deles com um funcionamento simples. A célula a partir do adn, um organismo vivo a partir da célula, a consciência a partir do cérebro, a inteligência a partir de um conjunto de processos automáticos, cada um deles mecânico e "cego", etc. A ideia de que tudo pode ser explicado a partir de partes simples remonta pelo menos aos atomistas da Grécia antiga, e foi retomada por muitos outros, como Hobbes, no renascimento, e hoje temos cientistas como Dawkins, entre muitos outros, que a defendem. Mas não passa de uma esperança pois o que aprendemos do mundo microscópico é precisamente o contrário: ele não parece simples, pelo contrário, muitas vezes o mundo macroscópico é mais fácil de prever e de explicar do que o mundo microscópico que o constitui. Por exemplo é muito mais fácil explicar o comportamento de um gás do que de qualquer um dos seus átomos. Em muitos casos, à medida que avançamos para o muito pequeno a complexidade tende a aumentar. Isto acontece porque, estatisticamente, os diversos comportamentos dos indivíduos, tendem a gerar uma massa onde todas essas diferenças fazem uma média que é previsível. Por exemplo, seria muito difícil prever qual o consumo elétrico que eu vou fazer hoje (até para mim mesmo) mas já é mais simples prever o consumo elétrico de um bairro, de uma cidade ou de um país. Da mesma forma é difícil prever o estado do tempo para os próximos dias, mas já é mais fácil prever o clima. Tal como é difícil saber quais os números que vão sair no totoloto mas já é fácil calcular sem grande erro quantos irão ganhar o prémio máximo durante o próximo ano.

Pode parecer contra-intuitivo que os componentes tenham comportamentos mais complexos que os conjuntos que formam, afinal temos muitos exemplos do contrário: um jogo com regras simples pode tornar-se muito complexo. Um computador funciona a partir de circuitos lógicos simples que, adicionados aos milhões numa certa ordem, permitem o comportamento complexo que se vê. Da mesma forma um neurónio tem um comportamento muito mais simples e limitado do que um cérebro. Não seria de esperar então que um átomo fosse supremamente simples? Eu penso que sim, para os atomistas gregos os átomos seriam como bolas de bilhar que chocavam uns contra os outros e reagiam de forma bastante simples e previsível. Mas, quando investigados, os átomos revelaram ser coisas bem diferentes: o mundo não é aquilo que se esperava. As equações que descrevem o mundo atómico são tudo menos simples, e incluem não só números reais mas também imaginários cuja interpretação realista é difícil de compreender. Mas mesmo sem a parte imaginária das equações, o que é certo é que o comportamento atómico não é de todo previsível, aliás, a acreditar na interpretação de Copenhaga, nem se pode falar de um mundo bem definido à escala atómica. O que quer que exista a essa escala estaria para lá dos nossos conceitos, formados pela experiência quotidiana dos fenómenos macroscópicos.

Seja o que for que a evolução da ciência traga, uma coisa parece certa: a nossa visão simplista, reducionista, mecanicista, do universo parece bonita, confortável, uma crença que oferece muita segurança, mais uma religião com a qual nos podemos esquecer da nossa perfeita ignorância... mas, não é apenas pouco provável: é refutada pelos factos. Que os seus proponentes acreditem que está alicerçada na ciência é a suprema ironia.

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