quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A matemática é poesia de Deus

Se Deus existisse teria de ser não só poeta mas também o melhor poeta de sempre, que teria já pré-escrito todas as poesias que nós apenas reinventámos. O nosso conceito de Deus (vindo de filósofos como Plotino e transmitido pela fé cristã e outras) é de que ele é absolutamente perfeito, logo teria de ser tudo o que há de bom, o supremo pintor, o supremo peixe, a suprema ave, o supremo homem, o supremo planeta, o supremo rato. Ou, melhor dizendo, nenhuma dessas coisas em particular, mas o que elas têm de bom. Assim se um rato tiver amor pelos filhos, e um peixe também, e um macaco também, Deus terá o amor supremo e também a inteligência suprema, a energia suprema, etc de todas as coisas sem ter os contornos (limites) de nenhuma em particular.

Ora a linguagem humana, feita de verbos, substantivos e outras partículas, fez-se para guardar mentes. Ou seja, um conjunto de palavras guardadas num livro contém uma maneira de ver o mundo, de ser. Mas quem sabe se esse conjunto de palavras está certo ou errado? Quem sabe se Deus (não) existe. Há muitas crenças, muitas fés, e a linguagem humana tem espaço para todas elas. A escrita não distingue os sábios dos loucos, aliás, muitos dos maiores sábios do passado parecem loucos nos nossos dias dadas as suas crenças sobre o funcionamento do fígado ou a circulação do sangue no corpo e tantas outras que se revelaram completamente falsas.

Já a matemática, sendo muito mais simples, consistindo essencialmente da noção de identidade / igualdade, unidade / conjunto (a partir da qual se constrói a conceção de 1 e, dele, todos os outros números), e operação de soma (sobre a qual se constroem todas as outras funções), impede-nos de fazer erros.
2+2+2=3x2=(1+1)+(2*2)=... 
Há uma infinidade de maneiras de produzir os mesmos resultados e todas elas têm de ser coerentes. Portanto é difícil fazer um erro que permaneça escondido durante muito tempo, isto enquanto a matemática em si permanecer clara. Por exemplo, as definições de Cauchy do cálculo infinitesimal permitiram estabelecer com rigor de que se falava quando se falava de um limite (http://arxiv.org/abs/1205.0174). É precisamente esse rigor, mantido em cada passo, que nos mantém mais lúcidos e que nos permitiu desenvolver, por exemplo a astrofísica.

Em geral não associamos o rigor às artes já que as artes, incluindo a poesia, são precisamente a libertação da imaginação, a criação de novos mundos, que podem ter pouco a ver com aquilo que existe. Mas tal como uma melodia harmoniosa exige uma sequência muito precisa, para ser bela, também a matemática exige premissas e conclusões muito precisas para ser verdadeira e abrangente. É nesse sentido que afirmo ser ela "poesia de Deus", pois obriga-nos a estar no caminho da lucidez. E que melhor caminho senão o da lucidez, da luz, da transparência, para chegar a Deus e para ver Deus, mesmo que seja só para suspeitar que Ele (não) existe?

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