quinta-feira, 26 de março de 2015
O sofrimento...
O "santo" Agostinho tem um livro "De Beata Vita" (traduzindo: A Vida Feliz) que nunca pensei citar. Em geral sou daqueles que acha a Idade Média como a Idade das Trevas cujo principal fruto foi ter acabado e ter as sementes do Iluminismo.
Mas este texto é interessante, basicamente, do que me lembro das aulas, o argumento é que nós somos felizes (= latim beatos) se conseguimos aquilo que queremos. Ora praticamente tudo foge ao nosso poder, riqueza, saúde, amigos, a própria vida. Portanto, estamos condenados a ser apenas fugazmente felizes, pois, mesmo o que podemos alcançar é incerto e provavelmente findará antes de morrermos. Pelo menos é disto que me lembro (estas aulas foram há 20 anos).
Mas santo Agostinho diz que há algo que basta ser desejado para ser alcançado, não sei as palavras que usa mas é algo do género: querer pertencer a Deus.
Há toda uma teoria metafísica que me ultrapassa no cristianismo. Não sei, gostava de saber e tenho prazer por haver quem saiba. Mas eu de facto não sei se Deus existe e teve um filho etc. Portanto também não sei se essa premissa de santo Agostinho é verdadeira, pois talvez não haja um Deus que corresponda a esse meu desejo.
Mas há algo muito mais simples que se pode desejar e que se alcança pelo simples facto de se desejar: agir por amor. Não apenas nesta ou naquela acção, mas fazer de toda a nossa vida um gesto de amor. Em qualquer situação isto é possível não? Talvez seja preciso ralhar com a criança, matar o terrorista, ou a barata, ou até morrer por algo ou alguém. Mas há sempre um gesto de amor possível em qualquer circunstância, não será.
Se assim for, seria possível, caso fosse esse o nosso objetivo, ser feliz, porque para o concretizar, bastava querer. Agora é natural que eu esteja a descaracterizar o argumento do santo, pois, evidentemente que eu posso desejar muitas outras coisas que consigo enquanto estiver vivo: por exemplo, posso desejar respirar. O simples facto de eu conseguir realizar o que desejo não garante que eu vá ser feliz. Mais importante é saber se a realização desse desejo me vai fazer feliz.
Ora é aqui que fazer da vida um gesto de amor pode ter algum interesse: ele simultaneamente promove o contacto e a comunicação, o conhecimento, a amizade, a auto-estima, a auto-crítica, a (re)aprendizagem, a evolução... enfim...
Então, resta-nos perguntar porque há tanto sofrimento no mundo se é assim tão fácil evitá-lo?
Bem, uma das razões é que o sofrimento tem muitas causas, umas são físicas e não dependem da realização de desejos, podem ser dores, desequilíbrios hormonais, etc. Outras vezes o nosso sofrimento deriva do sofrimento de outros (empatia / compaixão, etc). Também pode derivar da compreender a nossa insignificância e da insignificância de tudo o que fazemos à escala cósmica, ou da nossa irremediável ignorância (a fé não anula a ignorância, pode é ser um substituto para o conhecimento no que diz respeito à acção).
Mas se é assim, compreende-se que a solução do St Agostinho não seja facilmente replicável: um Deus Todo Poderoso, capaz de amar de volta, de proteger e acompanhar como ninguém parece resolver todos aqueles problemas, da insignificância, ignorância, etc. Mesmo o sofrimento dos outros parece ficar então com uma solução simples: basta que eles também ofereçam a sua vida a Deus e plof... tudo resolvido.
Uma parte (talvez pequena) de mim gostava de acreditar nisso. Mas eu acho que o mundo não anda à minha volta. Se for atropelado não foi para ter uma lição de vida, foi simplesmente porque estava no sítio errado no momento errado. As coisas acontecem por uma causa, mas essa causa raramente sou eu, normalmente são muitas outras coisas, como o condutor ter bebido um copo a mais, ou um rajada de vento ter empurrado a minha bicicleta mais para o meio da estrada e os hábitos de condução em portugal que incluem fazer razias aos ciclistas... Não tem nada a ver comigo. Haverá um Ser Todo Poderoso sempre a velar por mim? A ver tudo o que faço? A desviar os carros e as rajadas de vento caso eu me porte bem? O que eu vejo à minha volta não me leva a pensar isso. Eu vejo um mundo maravilhoso onde eu sou apenas mais uma pequena maravilha, muito pequena mesmo. Não me acho mais belo que o que me rodeia. Nem com mais valor. Sou simplesmente uma gota no oceano cósmico, na cosmic soup.
Mas precisamente essa minha participação na infinita beleza, faz da minha vida uma beata vita. Posso sofrer, e tenho sofrido, quando vou à casa de banho e as coisas não correm bem, quando os meus amigos sofrem e eu com eles, quando vejo como as coisas poderiam ser melhores. Mas, no centro, sou absolutamente feliz. A minha vida é mesmo um gesto de amor, e talvez o mesmo aconteça com a maior parte ou talvez até todos nós. Só que, quando chega à luz do dia, vem muito distorcido pela incompreensão e medo. Sei que morrerei em breve (nenhum ser humano até hoje viveu mais do que um misero século e uns trocados). Mas sinto-me feliz porque continuarei a participar de toda esta beleza tal como participei desde todo o sempre. O universo teve-me assim que nasceu, como possibilidade. Agora, improbabilidade das improbabilidades, passei de possibilidade a actualidade. Mas todas as minhas ideias, sensações e emoções ecoam e ecoavam e ecoarão já por aí, em milhares de mentes, em biliões de cérebros. É impossível que essas coisas que fazem o meu ser morram, tal como não nasceram com este corpo. 2+2 são 4 aqui e na outra ponta da Galáxia. E seriam 4 mesmo na hipótese (imensamente mais provável) de nunca ter existido este Pedro Fonseca em toda a história do universo.
E por tudo isso sou feliz, sou imensamente feliz. Oh Santo. O que eu gostaria de poder conversar contigo sobre o que afinal permite e é a chave da Beata Vita.
PS - na verdade o que eu queria dizer era isto: do que eu vejo o sofrimento psíquico vem sobretudo de querermos coisas que não nos fazem felizes. Associamos a felicidade ao prazer. Sentimos prazer quando temos um carro e pensamos que a felicidade vem de ter carros bons. Sentimos prazer quando falamos com alguém que nos ama e compreende e achamos que somos felizes se tivermos aquela pessoa ao nosso lado toda a nossa vida. Mas, no que consigo perceber, o caminho que leva à felicidade é algo quase totalmente diferente do caminho que leva aos prazeres. A felicidade é quase sempre em parte desprendimento. É um cuidar e amar solto. Enquanto que o prazer normalmente se consegue pelo apego, pela conquista e pela luta. A felicidade é a completude etérea o prazer é a conquista que se faz notar.
Mas este texto é interessante, basicamente, do que me lembro das aulas, o argumento é que nós somos felizes (= latim beatos) se conseguimos aquilo que queremos. Ora praticamente tudo foge ao nosso poder, riqueza, saúde, amigos, a própria vida. Portanto, estamos condenados a ser apenas fugazmente felizes, pois, mesmo o que podemos alcançar é incerto e provavelmente findará antes de morrermos. Pelo menos é disto que me lembro (estas aulas foram há 20 anos).
Mas santo Agostinho diz que há algo que basta ser desejado para ser alcançado, não sei as palavras que usa mas é algo do género: querer pertencer a Deus.
Há toda uma teoria metafísica que me ultrapassa no cristianismo. Não sei, gostava de saber e tenho prazer por haver quem saiba. Mas eu de facto não sei se Deus existe e teve um filho etc. Portanto também não sei se essa premissa de santo Agostinho é verdadeira, pois talvez não haja um Deus que corresponda a esse meu desejo.
Mas há algo muito mais simples que se pode desejar e que se alcança pelo simples facto de se desejar: agir por amor. Não apenas nesta ou naquela acção, mas fazer de toda a nossa vida um gesto de amor. Em qualquer situação isto é possível não? Talvez seja preciso ralhar com a criança, matar o terrorista, ou a barata, ou até morrer por algo ou alguém. Mas há sempre um gesto de amor possível em qualquer circunstância, não será.
Se assim for, seria possível, caso fosse esse o nosso objetivo, ser feliz, porque para o concretizar, bastava querer. Agora é natural que eu esteja a descaracterizar o argumento do santo, pois, evidentemente que eu posso desejar muitas outras coisas que consigo enquanto estiver vivo: por exemplo, posso desejar respirar. O simples facto de eu conseguir realizar o que desejo não garante que eu vá ser feliz. Mais importante é saber se a realização desse desejo me vai fazer feliz.
Ora é aqui que fazer da vida um gesto de amor pode ter algum interesse: ele simultaneamente promove o contacto e a comunicação, o conhecimento, a amizade, a auto-estima, a auto-crítica, a (re)aprendizagem, a evolução... enfim...
Então, resta-nos perguntar porque há tanto sofrimento no mundo se é assim tão fácil evitá-lo?
Bem, uma das razões é que o sofrimento tem muitas causas, umas são físicas e não dependem da realização de desejos, podem ser dores, desequilíbrios hormonais, etc. Outras vezes o nosso sofrimento deriva do sofrimento de outros (empatia / compaixão, etc). Também pode derivar da compreender a nossa insignificância e da insignificância de tudo o que fazemos à escala cósmica, ou da nossa irremediável ignorância (a fé não anula a ignorância, pode é ser um substituto para o conhecimento no que diz respeito à acção).
Mas se é assim, compreende-se que a solução do St Agostinho não seja facilmente replicável: um Deus Todo Poderoso, capaz de amar de volta, de proteger e acompanhar como ninguém parece resolver todos aqueles problemas, da insignificância, ignorância, etc. Mesmo o sofrimento dos outros parece ficar então com uma solução simples: basta que eles também ofereçam a sua vida a Deus e plof... tudo resolvido.
Uma parte (talvez pequena) de mim gostava de acreditar nisso. Mas eu acho que o mundo não anda à minha volta. Se for atropelado não foi para ter uma lição de vida, foi simplesmente porque estava no sítio errado no momento errado. As coisas acontecem por uma causa, mas essa causa raramente sou eu, normalmente são muitas outras coisas, como o condutor ter bebido um copo a mais, ou um rajada de vento ter empurrado a minha bicicleta mais para o meio da estrada e os hábitos de condução em portugal que incluem fazer razias aos ciclistas... Não tem nada a ver comigo. Haverá um Ser Todo Poderoso sempre a velar por mim? A ver tudo o que faço? A desviar os carros e as rajadas de vento caso eu me porte bem? O que eu vejo à minha volta não me leva a pensar isso. Eu vejo um mundo maravilhoso onde eu sou apenas mais uma pequena maravilha, muito pequena mesmo. Não me acho mais belo que o que me rodeia. Nem com mais valor. Sou simplesmente uma gota no oceano cósmico, na cosmic soup.
Mas precisamente essa minha participação na infinita beleza, faz da minha vida uma beata vita. Posso sofrer, e tenho sofrido, quando vou à casa de banho e as coisas não correm bem, quando os meus amigos sofrem e eu com eles, quando vejo como as coisas poderiam ser melhores. Mas, no centro, sou absolutamente feliz. A minha vida é mesmo um gesto de amor, e talvez o mesmo aconteça com a maior parte ou talvez até todos nós. Só que, quando chega à luz do dia, vem muito distorcido pela incompreensão e medo. Sei que morrerei em breve (nenhum ser humano até hoje viveu mais do que um misero século e uns trocados). Mas sinto-me feliz porque continuarei a participar de toda esta beleza tal como participei desde todo o sempre. O universo teve-me assim que nasceu, como possibilidade. Agora, improbabilidade das improbabilidades, passei de possibilidade a actualidade. Mas todas as minhas ideias, sensações e emoções ecoam e ecoavam e ecoarão já por aí, em milhares de mentes, em biliões de cérebros. É impossível que essas coisas que fazem o meu ser morram, tal como não nasceram com este corpo. 2+2 são 4 aqui e na outra ponta da Galáxia. E seriam 4 mesmo na hipótese (imensamente mais provável) de nunca ter existido este Pedro Fonseca em toda a história do universo.
E por tudo isso sou feliz, sou imensamente feliz. Oh Santo. O que eu gostaria de poder conversar contigo sobre o que afinal permite e é a chave da Beata Vita.
PS - na verdade o que eu queria dizer era isto: do que eu vejo o sofrimento psíquico vem sobretudo de querermos coisas que não nos fazem felizes. Associamos a felicidade ao prazer. Sentimos prazer quando temos um carro e pensamos que a felicidade vem de ter carros bons. Sentimos prazer quando falamos com alguém que nos ama e compreende e achamos que somos felizes se tivermos aquela pessoa ao nosso lado toda a nossa vida. Mas, no que consigo perceber, o caminho que leva à felicidade é algo quase totalmente diferente do caminho que leva aos prazeres. A felicidade é quase sempre em parte desprendimento. É um cuidar e amar solto. Enquanto que o prazer normalmente se consegue pelo apego, pela conquista e pela luta. A felicidade é a completude etérea o prazer é a conquista que se faz notar.
Quando as palavras prejudicam
"A mente mente" e não há volta a dar.
Há vários problemas com as teorias e conceitos, alguns deles são:
A realidade é demasiadamente complexa para ser modelada por modelos matemáticos. O que conseguimos são aproximações suficientemente boas para fazer computadores, aviões, naves espaciais, etc. Ou seja, funcionam bastante bem para os nossos interesses práticos. Mas se o nosso objetivo for modelar a realidade em si mesma, então isso simplesmente não existe. Temos apenas simplificações que nem sequer sabemos até que ponto são válidas.
Em segundo lugar nem tudo é descritível pela linguagem. As sensações, etc, não são conceptualmente atingíveis. Podemos nomeá-las e esperar que a minha sensação de verde seja igual à tua. Apontamos e dizemos: «isto é verde ou azul?» e esperamos a resposta. Mas é impossível saber se a minha sensação do que quer que seja corresponde à tua. Simplesmente não conseguimos comunicar isso por palavras.
Há também muitas outras coisas que não cabem na mente. O conceito de livre arbítrio é um deles, pois não é algo por acaso nem causado. No entanto não sabemos o que possa ser isso. É uma sensação que temos a que não corresponde nada no conceito.
Da mesma forma a beleza de uma música não se consegue explicar, nem para nós próprios. Posso não ter dúvidas que os "divertimentos" para flauta de Mozart são belos, deliciosos mesmo. Mas é um não ter dúvidas que só se aplica a mim. Se alguém me perguntar se aquelas melodias são belas em si mesmas, e se quem não vê a sua beleza é como se estivesse cego... ou, se pelo contrário, a beleza está no olhar de quem a vê e não existe fora dele... bem, não saberia dizê-lo. Eu nem sequer consigo explicar a mim mesmo o que é a beleza.
Em tudo isto as teorias são meramente impotentes, não prejudiciais. Mas há situações em que elas se tornam verdadeiramente prejudiciais. Por exemplo, eu sei há anos o código da minha porta. Vou lá e marco-o sem qualquer problema. Até que um dia quis dizê-lo a alguém. Ora eu sei marcar o código quando olho para o teclado. Sei a posição relativa dos dedos, e olho para os números, tudo aquilo encaixa. Mas quando tentei lembrar-me do código sem ver o teclado, surgiram-me várias hipóteses. Fiz o óbvio e fui experimentar: descobri que já não sabia o código da porta! Já não conseguia abrir a porta. O simples facto de me tentar lembrar distorceu as minhas memórias. Pensei que no dia seguinte já me conseguiria lembrar ao chegar a casa, mas nada. Durante uns dias andei com a chave até que desisti e liguei ao condomínio para me facultarem novamente o código!
Isto é apenas um de muitos exemplos de como misturar teorias, em algo que conhecemos bem de outra maneira, pode destruir o conhecimento que tínhamos.
Como beijar? O que é o amor? Como ser livre? E coisas do género, não só não ajudam como prejudicam. Para seres livre ... não, não vou entrar por aí ^_^. Mas, o que quer que eu pronunciasse, teria depois de ser desconstruído, reabsorvido, digerido e assimilado em algo mais vasto e indizível, que não cabe numa teoria. (E, em última análise, "esquecido".) Só aí recuperaria a minha autenticidade / liberdade.
Há vários problemas com as teorias e conceitos, alguns deles são:
A realidade é demasiadamente complexa para ser modelada por modelos matemáticos. O que conseguimos são aproximações suficientemente boas para fazer computadores, aviões, naves espaciais, etc. Ou seja, funcionam bastante bem para os nossos interesses práticos. Mas se o nosso objetivo for modelar a realidade em si mesma, então isso simplesmente não existe. Temos apenas simplificações que nem sequer sabemos até que ponto são válidas.
Em segundo lugar nem tudo é descritível pela linguagem. As sensações, etc, não são conceptualmente atingíveis. Podemos nomeá-las e esperar que a minha sensação de verde seja igual à tua. Apontamos e dizemos: «isto é verde ou azul?» e esperamos a resposta. Mas é impossível saber se a minha sensação do que quer que seja corresponde à tua. Simplesmente não conseguimos comunicar isso por palavras.
Há também muitas outras coisas que não cabem na mente. O conceito de livre arbítrio é um deles, pois não é algo por acaso nem causado. No entanto não sabemos o que possa ser isso. É uma sensação que temos a que não corresponde nada no conceito.
Da mesma forma a beleza de uma música não se consegue explicar, nem para nós próprios. Posso não ter dúvidas que os "divertimentos" para flauta de Mozart são belos, deliciosos mesmo. Mas é um não ter dúvidas que só se aplica a mim. Se alguém me perguntar se aquelas melodias são belas em si mesmas, e se quem não vê a sua beleza é como se estivesse cego... ou, se pelo contrário, a beleza está no olhar de quem a vê e não existe fora dele... bem, não saberia dizê-lo. Eu nem sequer consigo explicar a mim mesmo o que é a beleza.
Em tudo isto as teorias são meramente impotentes, não prejudiciais. Mas há situações em que elas se tornam verdadeiramente prejudiciais. Por exemplo, eu sei há anos o código da minha porta. Vou lá e marco-o sem qualquer problema. Até que um dia quis dizê-lo a alguém. Ora eu sei marcar o código quando olho para o teclado. Sei a posição relativa dos dedos, e olho para os números, tudo aquilo encaixa. Mas quando tentei lembrar-me do código sem ver o teclado, surgiram-me várias hipóteses. Fiz o óbvio e fui experimentar: descobri que já não sabia o código da porta! Já não conseguia abrir a porta. O simples facto de me tentar lembrar distorceu as minhas memórias. Pensei que no dia seguinte já me conseguiria lembrar ao chegar a casa, mas nada. Durante uns dias andei com a chave até que desisti e liguei ao condomínio para me facultarem novamente o código!
Isto é apenas um de muitos exemplos de como misturar teorias, em algo que conhecemos bem de outra maneira, pode destruir o conhecimento que tínhamos.
Como beijar? O que é o amor? Como ser livre? E coisas do género, não só não ajudam como prejudicam. Para seres livre ... não, não vou entrar por aí ^_^. Mas, o que quer que eu pronunciasse, teria depois de ser desconstruído, reabsorvido, digerido e assimilado em algo mais vasto e indizível, que não cabe numa teoria. (E, em última análise, "esquecido".) Só aí recuperaria a minha autenticidade / liberdade.
quinta-feira, 19 de março de 2015
O discurso humano
Há quem procure o que há de comum em todas as religiẽs: talvez a noção comum de um Deus bondoso, de salvação, etc.
No entanto há um traço ainda mais evidente que é comum a praticamente todo o discurso humano: praticamente todos os seres humanos se acham superiores à grande maioria. Qualquer razão serve: os mais inteligentes, os mais sábios, os mais rivos, os melhores amantes, os mais divertidos, os mais sensíveis, os mais aventureiros, os que vão ser qualquer coisa (salvadores, salvados, reis, parte da raça suprema ou da casta escolhida)... etc, etc...
é bom viver no meio de tantos seres superiores. Com tanta superioridade é certo que não podemos falhar ˆ_ˆ
No entanto há um traço ainda mais evidente que é comum a praticamente todo o discurso humano: praticamente todos os seres humanos se acham superiores à grande maioria. Qualquer razão serve: os mais inteligentes, os mais sábios, os mais rivos, os melhores amantes, os mais divertidos, os mais sensíveis, os mais aventureiros, os que vão ser qualquer coisa (salvadores, salvados, reis, parte da raça suprema ou da casta escolhida)... etc, etc...
é bom viver no meio de tantos seres superiores. Com tanta superioridade é certo que não podemos falhar ˆ_ˆ
quarta-feira, 18 de março de 2015
O viajante à luz do sol...
Passa pelas coisas
sem te prenderes...
elas não são tuas, nem tu delas...
cada coisa tem a sua própria origem de movimento, os seus vórtices e vértices,
os seus furacões e momentos de acalmia...
e tu és apenas o viajante
sem casa
sem destino
abandonado ao vento e perdido na imensidão do céu onde tudo está...
Passa pelas coisas
mas não és as coisas, nem és das coisas, nem elas são tuas...
Viajante: pertences apenas ao Sol (que, neste sentido, não é uma coisa)... e ao mundo (que é a totalidade das coisas) que te criou e te faz, a cada momento, assim.
sem te prenderes...
elas não são tuas, nem tu delas...
cada coisa tem a sua própria origem de movimento, os seus vórtices e vértices,
os seus furacões e momentos de acalmia...
e tu és apenas o viajante
sem casa
sem destino
abandonado ao vento e perdido na imensidão do céu onde tudo está...
Passa pelas coisas
mas não és as coisas, nem és das coisas, nem elas são tuas...
Viajante: pertences apenas ao Sol (que, neste sentido, não é uma coisa)... e ao mundo (que é a totalidade das coisas) que te criou e te faz, a cada momento, assim.
sexta-feira, 13 de março de 2015
quinta-feira, 12 de março de 2015
Ninguém nos pode tirar o que amámos
enquanto o tivermos no coração.
Só num certo sentido, claro!
Mas é um sentido com a sua importância.
---
o que dói mesmo
é tudo o que não demos
("tudo o que não deres perde-se").
Só num certo sentido, claro!
Mas é um sentido com a sua importância.
---
o que dói mesmo
é tudo o que não demos
("tudo o que não deres perde-se").
quarta-feira, 11 de março de 2015
Amor (compreensão) vs cegueira (superstição)
Pode ser verdade que "tudo tem uma causa" mas isso não implica que "a causa de tudo o que acontece seja eu".
E no entanto temos uma tendência quase inescapável de vermos tudo a girar em torno de nós. O que é normal, afinal os nossos olhos estão presos à cabeça, não andam a passear por aí. E o cérebro está ligado a um só corpo, é completamente insensível a tudo o que se passa fora dele.
Por isso é natural que no teatro interior onde representamos tudo, tudo se passe como se nós fôssemos o centro de tudo. Se aconteceu Y foi para me alertar, para me ensinar, devido ao karma, etc, etc. Claro que, se pensarmos um pouco, Y aconteceu porque biliões de coisas aconteceram antes de Y que lhe deram lugar. A história que explica Y provavelmente tem pouco ou nada a ver com dar lições morais a humanos, muito menos a mim. Mas nós gostamos de ver o mundo a girar em torno de nós. Dá-nos conforto, é coerente com aquilo que vem dos sentidos (onde nós somos o centro) e, sobretudo, dá-nos uma história de vida que somos capazes de compreender e temos a sensação de conseguir prever. E, mesmo quando não conseguimos, dizemos algo como: "Deus escreve direito por linhas tortas..." e continuamos a confiar cegamente que tudo o que acontece tem, pelo menos em parte, a ver connosco.
O eu é o ponto de partida para o conhecimento do mundo e, no entanto, ficar centrado no eu cega-nos. Queremos ser importantes, pelo menos aos olhos dos outros; mas, para conhecer o que está para lá de nós e nos deu origem, é mais importante estar aberto. Aberto ao mundo, aos outros. Num contexto humano isso consegue-se por Amor. Um amor desinteressado, um amor mais próprio da amizade do que, na nossa sociedade, chamamos de "amor" (que está mais ligado ao "matrimónio", à posse / controlo, à exclusividade, à legitimação do ciúme, ao sofrimento). O amor dos amigos intensos, que se preocupam intensamente com o bem do outro, é uma das grandes portas para o mundo, para deixarmos de ver apenas o interior da nossa carapaça e mudarmos de pontos de vista. Percebermos como é ser outro, como é ver a partir do lado de lá e viver, nem que seja tenuemente, as aventuras e objetivos, os medos e percalços, o passo seguinte, do outro.
Estar aberto ao amor / amizade neste sentido, é estar um pouco mais aberto ao mundo, um pouco mais lúcido, um pouco mais desperto... Certamente continuaremos a fazer disparates, a não ver o que está mesmo à nossa frente, a querer o que é mau para nós... tudo o que é próprio da inconsciência... mas também é certo que teremos movido, por pouco que seja, a nossa mente um pouco mais na direção da lucidez.
Há uma outra razão para viver dando amor a toda a gente: é que parece não haver outra forma de viver para quem tem coração. Não podemos negar que amamos quem amamos e o quanto amamos. Podemos não fazer grande coisa com isso. Mas já não o negar é uma enorme vitória...
Claro que... há um preço a pagar. Amar dá trabalho, exige disponibilidade, por vezes dormir pouco e fazer muito, estar atento, pensar, não fazer muitas outras coisas de que se gosta.
O que se compra com isso?
Nada... e... tudo.
E no entanto temos uma tendência quase inescapável de vermos tudo a girar em torno de nós. O que é normal, afinal os nossos olhos estão presos à cabeça, não andam a passear por aí. E o cérebro está ligado a um só corpo, é completamente insensível a tudo o que se passa fora dele.
Por isso é natural que no teatro interior onde representamos tudo, tudo se passe como se nós fôssemos o centro de tudo. Se aconteceu Y foi para me alertar, para me ensinar, devido ao karma, etc, etc. Claro que, se pensarmos um pouco, Y aconteceu porque biliões de coisas aconteceram antes de Y que lhe deram lugar. A história que explica Y provavelmente tem pouco ou nada a ver com dar lições morais a humanos, muito menos a mim. Mas nós gostamos de ver o mundo a girar em torno de nós. Dá-nos conforto, é coerente com aquilo que vem dos sentidos (onde nós somos o centro) e, sobretudo, dá-nos uma história de vida que somos capazes de compreender e temos a sensação de conseguir prever. E, mesmo quando não conseguimos, dizemos algo como: "Deus escreve direito por linhas tortas..." e continuamos a confiar cegamente que tudo o que acontece tem, pelo menos em parte, a ver connosco.
O eu é o ponto de partida para o conhecimento do mundo e, no entanto, ficar centrado no eu cega-nos. Queremos ser importantes, pelo menos aos olhos dos outros; mas, para conhecer o que está para lá de nós e nos deu origem, é mais importante estar aberto. Aberto ao mundo, aos outros. Num contexto humano isso consegue-se por Amor. Um amor desinteressado, um amor mais próprio da amizade do que, na nossa sociedade, chamamos de "amor" (que está mais ligado ao "matrimónio", à posse / controlo, à exclusividade, à legitimação do ciúme, ao sofrimento). O amor dos amigos intensos, que se preocupam intensamente com o bem do outro, é uma das grandes portas para o mundo, para deixarmos de ver apenas o interior da nossa carapaça e mudarmos de pontos de vista. Percebermos como é ser outro, como é ver a partir do lado de lá e viver, nem que seja tenuemente, as aventuras e objetivos, os medos e percalços, o passo seguinte, do outro.
Estar aberto ao amor / amizade neste sentido, é estar um pouco mais aberto ao mundo, um pouco mais lúcido, um pouco mais desperto... Certamente continuaremos a fazer disparates, a não ver o que está mesmo à nossa frente, a querer o que é mau para nós... tudo o que é próprio da inconsciência... mas também é certo que teremos movido, por pouco que seja, a nossa mente um pouco mais na direção da lucidez.
Há uma outra razão para viver dando amor a toda a gente: é que parece não haver outra forma de viver para quem tem coração. Não podemos negar que amamos quem amamos e o quanto amamos. Podemos não fazer grande coisa com isso. Mas já não o negar é uma enorme vitória...
Claro que... há um preço a pagar. Amar dá trabalho, exige disponibilidade, por vezes dormir pouco e fazer muito, estar atento, pensar, não fazer muitas outras coisas de que se gosta.
O que se compra com isso?
Nada... e... tudo.
quinta-feira, 5 de março de 2015
Jyoti Singh Pandey
O nome desta rapariga, Jyoti Singh, simboliza o sofrimento, a repressão, a humilhação, a falta de voz e de direitos que um incontável número de mulheres sofreu e sofre à volta do globo.
O documentário de Leslee Udwin, India's Daughter, mostra como esta rapariga, amada pelos pais - que lhe proporcionaram uma educação apesar do seu sexo e das dificuldades económicas em que viviam - foi destruída pelo preconceito que animou aqueles que a violaram e mataram. E é esse mesmo preconceito que anima tantos outros incontáveis casos, a maior parte deles nunca conhecidos, em que a mulher é maltratada, violada e/ou morta.
Esse documentário foi proibido pelo governo Indiano. Haverá algum sinal mais forte de ser esta uma sociedade machista onde os violadores se protegem mutuamente? Proteção essa que vem agora dos mais altos postos governamentais!
Já não bastou terem-na mudado de hospital numa altura em que as possibilidades de recuperação eram inexistentes, terem reprimido as manifestações a favor de mais igualdade, de continuarmos a assistir a pouquíssimas condenações, ainda hoje em dia, quando a mulher é violentada. E agora ainda banem o filme???
Eles é que deviam ser banidos. A única coisa que vi no documentário que pode ser considerada agressiva para a Índia, mais especificamente para o governo Indiano, é a afirmação de um dos advogados de defesa que diz mais ou menos isto:
«Há 250 deputados no parlamento indiano acusados de crimes que incluem a violação. Se querem dar o exemplo então porque não começam do topo?»
Não conheço a política indiana, mas conheço a realidade da descriminação. Acho que em nome dos direitos das mulheres em todo o mundo devemos ver este documentário. É algo que não se pode perder!
O vídeo, que estava no youtube, entretanto desapareceu! Agora só nos sites piratas. Deixo em baixo alguns outros links:
http://english.tupaki.com/enews/view/Delhi-Gang-Rape-Victims-conversation-with-Mom/17189
http://indiatoday.intoday.in/story/delhi-gangrape-victims-friend-relives-the-horrifying-84-minutes-of-december-16-night/1/309573.html
http://en.m.wikipedia.org/wiki/2012_Delhi_gang_rape
http://qz.com/356299/no-jyoti-singh-is-not-indias-daughter/
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2981515/Justice-Indian-style-Angry-mob-breaks-prison-kidnaps-man-accused-raping-student-stripping-naked-dragging-four-miles-beating-death-street.html
O documentário de Leslee Udwin, India's Daughter, mostra como esta rapariga, amada pelos pais - que lhe proporcionaram uma educação apesar do seu sexo e das dificuldades económicas em que viviam - foi destruída pelo preconceito que animou aqueles que a violaram e mataram. E é esse mesmo preconceito que anima tantos outros incontáveis casos, a maior parte deles nunca conhecidos, em que a mulher é maltratada, violada e/ou morta.
Esse documentário foi proibido pelo governo Indiano. Haverá algum sinal mais forte de ser esta uma sociedade machista onde os violadores se protegem mutuamente? Proteção essa que vem agora dos mais altos postos governamentais!
Já não bastou terem-na mudado de hospital numa altura em que as possibilidades de recuperação eram inexistentes, terem reprimido as manifestações a favor de mais igualdade, de continuarmos a assistir a pouquíssimas condenações, ainda hoje em dia, quando a mulher é violentada. E agora ainda banem o filme???
Eles é que deviam ser banidos. A única coisa que vi no documentário que pode ser considerada agressiva para a Índia, mais especificamente para o governo Indiano, é a afirmação de um dos advogados de defesa que diz mais ou menos isto:
«Há 250 deputados no parlamento indiano acusados de crimes que incluem a violação. Se querem dar o exemplo então porque não começam do topo?»
Não conheço a política indiana, mas conheço a realidade da descriminação. Acho que em nome dos direitos das mulheres em todo o mundo devemos ver este documentário. É algo que não se pode perder!
O vídeo, que estava no youtube, entretanto desapareceu! Agora só nos sites piratas. Deixo em baixo alguns outros links:
http://english.tupaki.com/enews/view/Delhi-Gang-Rape-Victims-conversation-with-Mom/17189
http://indiatoday.intoday.in/story/delhi-gangrape-victims-friend-relives-the-horrifying-84-minutes-of-december-16-night/1/309573.html
http://en.m.wikipedia.org/wiki/2012_Delhi_gang_rape
http://qz.com/356299/no-jyoti-singh-is-not-indias-daughter/
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2981515/Justice-Indian-style-Angry-mob-breaks-prison-kidnaps-man-accused-raping-student-stripping-naked-dragging-four-miles-beating-death-street.html
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