Mas, quantos milhares de milhões de horas de pensamento humano foram necessárias para compreender que não é o sol que anda à volta da terra mas a terra que anda à volta do sol? Foi preciso inventar a astronomia, a matemática, a geometria e depois refletir sobre o assunto um incontável número de gerações.
Mas o pior são os sistemas complexos, com muitas partes. O mundo está cheio de sistemas desse tipo, sendo que um que encontramos todos os dias é o ser humano. Apesar do esforço lançado sobre as ciências sociais, a neurociência, a biologia e muitas outras continuamos a ser um mistério para nós próprios.
Um exemplo simples: vou ao campo ou à praia?
Alguns fatores envolvidos: que temperatura vai estar, nº de pessoas que vai estar em cada um dos sítios, prazer que vamos retirar de lá, num podemos levar o cão e fazer um piquenique no outro podemos ir à água, mas será que a água vai parecer muito fria? Quantos de nós vamos à água? E já agora estamos a tentar maximizar o quê? O prazer que vamos sentir, globalmente ou individualmente? É uma escala linear? E já agora como se mede? Se o cão tiver de ficar em casa também conta o desprazer dele ou apenas o nosso ao saber que ele não está a divertir-se?
Não sei se dá para ver, mas a situação acima tem imensas incógnitas (por exemplo o espaço livre em cada um dos sítios, o prazer que vamos ter, etc) e o próprio processo de avaliação do resultado é controverso. Mesmo depois da decisão tomada e efetuada uns poderão achar que foi o melhor e outros o pior.
Ou seja, na prática, quase nunca sabemos bem se estamos a decidir bem ou não. E não é pelo pensamento que lá chegamos. Pensando sobre as coisas corremos o risco de ficar mais confusos pois o pensamento capta apenas uma minúscula parte do que pode acontecer e do que está em causa.
Haverá outra alternativa? Felizmente temos um cérebro animalesco criado mesmo para dar resposta a esta situação. As emoções permitem-nos lidar com estas situações complexas de uma forma que, não sendo a óptima, é, geralmente, boa. Tem ainda outra vantagem: se fizermos aquilo que gostamos está resolvido o problema da avaliação e da frustração quando os objetivos se afastam muito do esperado.
A coisa funciona assim: eu apetece-me X, e começo a fazer cenas para X. Mas o desejo é mutável, à medida que vou avançando para X posso perceber que X talvez não seja assim tão bom? E então posso perguntar, olhem: o cão Estrôncio fica triste assim em casa e se formos antes ao campo? Pode não ser tão giro mas... ou seja, desvio-me para Y... e de um para o outro dinamicamente, na realidade, até posso ir viajando entre vários tipos de objetivos, X,Y,W,Z... etc, que podem ir sendo criados à medida que vou explorando várias possibilidades.
A outra grande vantagem é que, se fizer aquilo que me dá prazer, que floresce em mim como vontade, os meus objetivos são menores: não pretendo o "melhor" mas apenas realizar aquele (conjunto de) desejo(s). Claro que se em vez de um cérebro de um litro e meio tivesse um computador quântico do tamanho da lua, talvez pudesse abordar a realidade de outra maneira. Mas com os nossos cérebros, não muito diferentes do dos outros símios e mamíferos, não se deve esperar muito da nossa capacidade de pensar. (A não ser nos domínios específicos em que milhões de horas de reflexão foram desenhando estratégias que de facto funcionam.)
É melhor fazermos portanto como os nossos amigos na natureza semelhantes a nós: usarmos o coração, a intuição, vermos a vida como uma aventura, inspirarmo-nos uns nos outros, deixarmos a emoção fluir e, sobretudo, não estarmos à espera de alcançar o "melhor" resultado (até porque, na maior parte dos casos, isso é controverso), mas apenas de "florescer". As coisas podem correr melhor ou pior, mas é relativamente mais fácil garantir que conseguimos florescer, experimentar, estar cientes do que se passa, aprender, em resumo, ter aventuras enriquecedoras...
Porque, do ponto de vista do pensamento, a realidade é um caos, uma confusão, não se percebe nada, nem do que se passa (a uma escala fina), e, por vezes, nem sequer do que queremos que se passe.
Claro que há um aspeto em que o pensamento continua sempre a ser essencial: na visão global do que se passa. Não devemos esconder a nós próprios, por exemplo, que está um dia ventoso (isso irá ter repercussões na ida à praia). As principais características devem estar presentes na nossa mente. Mas só as "global features", as mais gerais. Porque, à medida que começamos a descer no pormenor, vamos necessariamente esquecer umas e dar demasiado peso a outras. Só podemos descrever enquanto a descrição for equilibrada. A partir de um certo ponto começamos a enfatizar cada vez mais pormenores que acabam por ser supérfluos ou nem sequer se aplicar na globalidade do contexto. Ou seja, no que toca à mente: Keep it simple, keep it real!
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