sábado, 4 de julho de 2015
Uma relação romântica típica
Cada pessoa é um mundo e tal como nenhuma pessoa pode ser inteiramente descrita num número finito de afirmações (provavelmente nem num número infinito), muito menos uma relação entre duas pessoas. Além de que cada um de nós é único e cada relação também. Mas há traços gerais que me parecem repetir-se em muitas relações e são estes:
1. Prelúdio. Sentir-se só. Nesta fase perguntamos durante quanto tempo iremos ficar "sozinhos", se para sempre, se mais uns anos, se mais uns dias. Quando aparecerá a companhia com quem vamos partilhar os bons e maus momentos? A quem iremos pedir conselhos, com quem iremos rir, celebrar as vitórias e encontrar um ombro amigo para as derrotas. Que saberá muito sobre o nosso passado, a quem poderemos contar o que somos e mostrar-nos como somos, nus, despidos das máscaras...
2. O encontro. Esta é a fase da magia. A nossa solidão dissipa-se passo a passo no encontro com o outro. Enquanto os amigos entram mais na mente, em projetos e ideias comuns, o amor entra direto no mais fundo do coração: naquele sítio inexplicável que às vezes até nos esquecemos que temos. Quando encontramos um grande amor o coração desperta, o mundo veste-se de novo e tudo parece possível outra vez. Temos uma vida nova e parecemos capazes de coisas que antes pareciam impossíveis, a vontade surge mais enérgica e bondosa, somos mais e melhores, mais vivos, tudo reluz com mais intensidade... «Encontrei-te! Finalmente! Já devia ter sido antes!» E todo o mundo explode em milhares de cores, sabores e prazeres. A vida finalmente mostra-se o Paraíso que sempre poderia ter sido se tu, companhia ideal, estivesses comigo. Juntos descobrimos / inventamos o Paraíso.
3. A vida a dois. A magia encontra as limitações. Afinal nem tudo é perfeito: há coisas em que não me compreendes, em que não te compreendo. Momentos de solidão, momentos de incompreensão ou desatenção. Ao princípio são raros, quase invisíveis e facilmente esquecíveis. Mas depois vão-se amontoando. Gerando lentamente um outro retrato do outro.
4. A vida a dois. Tudo corre mal. Cada pequena dor foi-se amontoando, num rendilhado. Agora cada coisinha que corre mal ativa toda essa fileira de pequenas dores e faz com que se transforme numa grande dor. O que por sua vez aumenta a cordilheira de dores e a sua ativação sistemática. É um ciclo vicioso em que cada nova dor aumenta a intensidade e probabilidade de novas dores virem a entrar na memória de dores. Até que, às tantas, a relação é quase só dores por toda a parte. Dores intensificadas por tudo aquilo que dei à relação e sacrifiquei por ti e agora tu não fazes, dás, és, o que eu esperava...
5. O fim. Só dor. O outro é só dor, só mágoa, só memórias de coisas más. A magia deu lugar à mágoa e nada resta para nós senão a separação.
6. Solidão e vontade de um novo amor. O ciclo está pronto a repetir-se.
1. Prelúdio. Sentir-se só. Nesta fase perguntamos durante quanto tempo iremos ficar "sozinhos", se para sempre, se mais uns anos, se mais uns dias. Quando aparecerá a companhia com quem vamos partilhar os bons e maus momentos? A quem iremos pedir conselhos, com quem iremos rir, celebrar as vitórias e encontrar um ombro amigo para as derrotas. Que saberá muito sobre o nosso passado, a quem poderemos contar o que somos e mostrar-nos como somos, nus, despidos das máscaras...
2. O encontro. Esta é a fase da magia. A nossa solidão dissipa-se passo a passo no encontro com o outro. Enquanto os amigos entram mais na mente, em projetos e ideias comuns, o amor entra direto no mais fundo do coração: naquele sítio inexplicável que às vezes até nos esquecemos que temos. Quando encontramos um grande amor o coração desperta, o mundo veste-se de novo e tudo parece possível outra vez. Temos uma vida nova e parecemos capazes de coisas que antes pareciam impossíveis, a vontade surge mais enérgica e bondosa, somos mais e melhores, mais vivos, tudo reluz com mais intensidade... «Encontrei-te! Finalmente! Já devia ter sido antes!» E todo o mundo explode em milhares de cores, sabores e prazeres. A vida finalmente mostra-se o Paraíso que sempre poderia ter sido se tu, companhia ideal, estivesses comigo. Juntos descobrimos / inventamos o Paraíso.
3. A vida a dois. A magia encontra as limitações. Afinal nem tudo é perfeito: há coisas em que não me compreendes, em que não te compreendo. Momentos de solidão, momentos de incompreensão ou desatenção. Ao princípio são raros, quase invisíveis e facilmente esquecíveis. Mas depois vão-se amontoando. Gerando lentamente um outro retrato do outro.
4. A vida a dois. Tudo corre mal. Cada pequena dor foi-se amontoando, num rendilhado. Agora cada coisinha que corre mal ativa toda essa fileira de pequenas dores e faz com que se transforme numa grande dor. O que por sua vez aumenta a cordilheira de dores e a sua ativação sistemática. É um ciclo vicioso em que cada nova dor aumenta a intensidade e probabilidade de novas dores virem a entrar na memória de dores. Até que, às tantas, a relação é quase só dores por toda a parte. Dores intensificadas por tudo aquilo que dei à relação e sacrifiquei por ti e agora tu não fazes, dás, és, o que eu esperava...
5. O fim. Só dor. O outro é só dor, só mágoa, só memórias de coisas más. A magia deu lugar à mágoa e nada resta para nós senão a separação.
6. Solidão e vontade de um novo amor. O ciclo está pronto a repetir-se.
quarta-feira, 27 de maio de 2015
Eu tenho...
por amantes
todas as pedras do mundo,
todas as gotas de água, incluindo as das ondas de espuma do mar e das nuvens de Saturno,
todas as lagartichas e caracoletas e flores e ursos, mesmo os polares, todos os grãos de areia e folhas das árvores e também as raízes,
o núcleo de ferro líquido da terra e o interior do sol....
e tudo o resto...
tenho tudo por amante...
porque tudo me ama...
e eu amo tudo e sou um com tudo!!
sim!!
no! not really!
eu sou apenas um humano relativamente só
^_^
pelo menos é o que se vê!!!
sim! Tenho por amantes todas as pedras do mundo...
E assim já era muito antes de eu nascer
e assim seria mesmo que nunca tivesse existido
e assim será muito depois de eu morrer e toda a memória de mim se ter perdido.
Como!? Porque 'eu' não existo nem nunca existi. Aquilo a que se chama 'eu' é apenas uma circunstância, o contexto, uma confusão, uma ilusão. O que existe realmente é o todo, que também se manifesta em montanhas e rios, ossos e pele, sensações, pensamentos e vontades, e o todo, que também escreve neste teclado e também é o teclado que é escrito pelo todo, tem amantes em toda a parte... tem reflexos em toda a parte... está por toda a parte... às vezes iludido de ser indivíduo, tentando sobreviver, às vezes esclarecido de ser tudo e nada, maravilhado, outras vezes sendo a continuação de tudo o resto, inconscientemente.
Por isso, quando digo que tenho por amantes todas as pedras do mundo...
significa apenas que: o mundo é o mundo (pois não há amante mais íntimo que o próprio).
todas as pedras do mundo,
todas as gotas de água, incluindo as das ondas de espuma do mar e das nuvens de Saturno,
todas as lagartichas e caracoletas e flores e ursos, mesmo os polares, todos os grãos de areia e folhas das árvores e também as raízes,
o núcleo de ferro líquido da terra e o interior do sol....
e tudo o resto...
tenho tudo por amante...
porque tudo me ama...
e eu amo tudo e sou um com tudo!!
sim!!
no! not really!
eu sou apenas um humano relativamente só
^_^
pelo menos é o que se vê!!!
sim! Tenho por amantes todas as pedras do mundo...
E assim já era muito antes de eu nascer
e assim seria mesmo que nunca tivesse existido
e assim será muito depois de eu morrer e toda a memória de mim se ter perdido.
Como!? Porque 'eu' não existo nem nunca existi. Aquilo a que se chama 'eu' é apenas uma circunstância, o contexto, uma confusão, uma ilusão. O que existe realmente é o todo, que também se manifesta em montanhas e rios, ossos e pele, sensações, pensamentos e vontades, e o todo, que também escreve neste teclado e também é o teclado que é escrito pelo todo, tem amantes em toda a parte... tem reflexos em toda a parte... está por toda a parte... às vezes iludido de ser indivíduo, tentando sobreviver, às vezes esclarecido de ser tudo e nada, maravilhado, outras vezes sendo a continuação de tudo o resto, inconscientemente.
Por isso, quando digo que tenho por amantes todas as pedras do mundo...
significa apenas que: o mundo é o mundo (pois não há amante mais íntimo que o próprio).
sexta-feira, 15 de maio de 2015
Viver
Não somos formigas, ou melhor, as formigas entre nós nunca irão ler este post ou partilhar esta ideia. A sua mente de insecto não capta as nuances de um homo sapiens armado com um computador e 100 mil anos de cultura.
Uma formiga pode andar em cima de um arranha-céus, mas não compreende o que é o arranha-céus, porque é que ele existe, quem o criou, etc. A formiga compreende pouco ou nada do contexto em que a vive, que a produziu e que lhe dá os impulsos e a forma de ver o mundo que fazem dela o que ela é.
Eu não sou uma formiga, mas as minhas limitações para compreender o mundo à minha volta são do mesmo tipo. Tal como a formiga em cima do arranha-céus também eu, em cima do planeta, tenho apenas indícios do que o constitui, da sua história e nada sei sobre se o universo tem um propósito e, caso tenha, qual ele é e qual o meu papel nele, se algum.
Tal como a formiga vivo numa comunidade com objetivos bem definidos e muitas certezas. Todos sabemos o que é para fazer (arranjar comida / dinheiro, seguir a fileira, ser um bom elemento, etc), todos sabemos as terríveis coisas que nos acontecem se nos desviarmos da norma e, neste nosso mundo cheio de certezas, não há dúvidas nem razão para ter dúvidas.
No entanto o formigueiro, a civilização humana, com todas as suas certezas, o conforto e o desafio que proporcionam, não passam de um pormenor no cosmos que nos rodeia. Podemos funcionar melhor ou pior nesse pequeno contexto que nos diz claramente o que fazer, mas isso não nos dá a magia do mundo mais vasto que nos rodeia.
Será que uma formiga consegue sentir a magia da imensidão do espaço à sua volta, o mistério de poder sentir os cheiros das suas companheiras e as vontades e medos que a animam? Fora da lufa-lufa do dia-a-dia surge por vezes a consciência de existir. Provavelmente nunca saberemos se e até que ponto uma formiga pode sentir esse assombro por existir.
É certo que muitos seres humanos parecem nunca a ter sentido mas a questão central aqui é saber como lidar com tanta ignorância. Sem dúvida que podemos ser todos muito certinhos "o cidadão perfeito", "o surfista perfeito", "o anárquico perfeito", "o pai perfeito", etc... e isso significa basicamente que conseguimos cumprir todas as exigências que se punham a esse personagem. Parabéns portanto! Infelizmente para essa persona, nós vivemos numa realidade muito vasta. As conquistas dessa persona, tal como as conquistas da pequena formiga, têm um significado real muito diferente, fora do pequeno mundo, do pequeno palco, de que nos rodeámos, que nos protege de toda essa complexidade, e onde recebemos constantemente as palmas e os apupos. Que, se calhar, valem bem pouco.
Penso que há uma solução para este problema: continuarmos a estudar afincadamente o universo que nos rodeia e a passar o que descobrirmos, as nossas hipóteses e metodologias, às gerações seguintes... assim, imagino que daqui a uns milhões de anos, estejamos muito mais perto de compreender quem somos e o mundo que nos rodeia, tal como nós, capazes de ler este texto, estamos mais perto do que a amável formiguinha.
Claro que esta solução é a longo prazo, para uma espécie que provavelmente já nem será humana e terá uma forma de viver tão diferente que nem será imaginável para nós humanos. Portanto, se eu quiser uma resposta para, digamos, os próximos cinco minutos: como lidar com toda esta incerteza?
Bem, em primeiro lugar é preciso aceitar a incerteza: não sei por quanto tempo a minha vida vai durar, quais as consequências a longo prazo das minhas ações, qual a correção das minhas ideias, nem sequer a correção dos meus ideais ou as minhas reais motivações e a sua origem. Nem sequer a origem e correção do meu próprio pensamento conheço bem.
Aceite isto é possível encarar a vida de infinitas maneiras. Já experimentei algumas e aquela com que me dei melhor até agora é esta:
Não negar aquilo que não se compreende. Isso inclui pessoas e as suas imprevisibilidades, estrelas e planetas, apesar da sua distância, a rotação e flutuação do nosso, apesar de não ser evidente aos sentidos, as reações termonucleares do sol apesar de inimagináveis, o buraco negro no interior da galáxia, sem o qual não existiríamos, a quantidade incontável de seres dos últimos biliões de anos sem os quais eu não existiria (e não falo só dos antepassados, mas de todos os que deram origem à linha do tempo particular que deu origem à formação do meu zigoto e também ao que sou agora) entre muitas outras coisas.
"Deixar entrar" tudo isso é muito confuso. É "muita areia" para um cérebro tão minúsculo como o meu. Mas há uma maneira de contrabalançar todo este excesso de informação e complexidade: responder com criatividade, com pulsão, com totalidade. Ou seja, à abertura ao mundo exterior responder com a abertura também das portas do mundo interior. Deixar explodir a criatividade, mas, sobretudo, ser íntegro. Deixar que cada parte de nós venha ao de cima e se junte para formar uma ação, num momento.
Esta junção, ou casamento, entre os mundos interior e exterior, amplamente abertos, é a forma de viver a vida que prefiro. Porque é que a prefiro? Não sei, mas sei que não gosto de me esconder do que existe, seja isso dentro ou fora de mim. E este é um caminho para a descoberta, para o crescimento, para a compreensão.
Quem sabe se a formiga também pode optar por viver assim e sentir talvez o mesmo esplendor?
Uma formiga pode andar em cima de um arranha-céus, mas não compreende o que é o arranha-céus, porque é que ele existe, quem o criou, etc. A formiga compreende pouco ou nada do contexto em que a vive, que a produziu e que lhe dá os impulsos e a forma de ver o mundo que fazem dela o que ela é.
Eu não sou uma formiga, mas as minhas limitações para compreender o mundo à minha volta são do mesmo tipo. Tal como a formiga em cima do arranha-céus também eu, em cima do planeta, tenho apenas indícios do que o constitui, da sua história e nada sei sobre se o universo tem um propósito e, caso tenha, qual ele é e qual o meu papel nele, se algum.
Tal como a formiga vivo numa comunidade com objetivos bem definidos e muitas certezas. Todos sabemos o que é para fazer (arranjar comida / dinheiro, seguir a fileira, ser um bom elemento, etc), todos sabemos as terríveis coisas que nos acontecem se nos desviarmos da norma e, neste nosso mundo cheio de certezas, não há dúvidas nem razão para ter dúvidas.
No entanto o formigueiro, a civilização humana, com todas as suas certezas, o conforto e o desafio que proporcionam, não passam de um pormenor no cosmos que nos rodeia. Podemos funcionar melhor ou pior nesse pequeno contexto que nos diz claramente o que fazer, mas isso não nos dá a magia do mundo mais vasto que nos rodeia.
Será que uma formiga consegue sentir a magia da imensidão do espaço à sua volta, o mistério de poder sentir os cheiros das suas companheiras e as vontades e medos que a animam? Fora da lufa-lufa do dia-a-dia surge por vezes a consciência de existir. Provavelmente nunca saberemos se e até que ponto uma formiga pode sentir esse assombro por existir.
É certo que muitos seres humanos parecem nunca a ter sentido mas a questão central aqui é saber como lidar com tanta ignorância. Sem dúvida que podemos ser todos muito certinhos "o cidadão perfeito", "o surfista perfeito", "o anárquico perfeito", "o pai perfeito", etc... e isso significa basicamente que conseguimos cumprir todas as exigências que se punham a esse personagem. Parabéns portanto! Infelizmente para essa persona, nós vivemos numa realidade muito vasta. As conquistas dessa persona, tal como as conquistas da pequena formiga, têm um significado real muito diferente, fora do pequeno mundo, do pequeno palco, de que nos rodeámos, que nos protege de toda essa complexidade, e onde recebemos constantemente as palmas e os apupos. Que, se calhar, valem bem pouco.
Penso que há uma solução para este problema: continuarmos a estudar afincadamente o universo que nos rodeia e a passar o que descobrirmos, as nossas hipóteses e metodologias, às gerações seguintes... assim, imagino que daqui a uns milhões de anos, estejamos muito mais perto de compreender quem somos e o mundo que nos rodeia, tal como nós, capazes de ler este texto, estamos mais perto do que a amável formiguinha.
Claro que esta solução é a longo prazo, para uma espécie que provavelmente já nem será humana e terá uma forma de viver tão diferente que nem será imaginável para nós humanos. Portanto, se eu quiser uma resposta para, digamos, os próximos cinco minutos: como lidar com toda esta incerteza?
Bem, em primeiro lugar é preciso aceitar a incerteza: não sei por quanto tempo a minha vida vai durar, quais as consequências a longo prazo das minhas ações, qual a correção das minhas ideias, nem sequer a correção dos meus ideais ou as minhas reais motivações e a sua origem. Nem sequer a origem e correção do meu próprio pensamento conheço bem.
Aceite isto é possível encarar a vida de infinitas maneiras. Já experimentei algumas e aquela com que me dei melhor até agora é esta:
Não negar aquilo que não se compreende. Isso inclui pessoas e as suas imprevisibilidades, estrelas e planetas, apesar da sua distância, a rotação e flutuação do nosso, apesar de não ser evidente aos sentidos, as reações termonucleares do sol apesar de inimagináveis, o buraco negro no interior da galáxia, sem o qual não existiríamos, a quantidade incontável de seres dos últimos biliões de anos sem os quais eu não existiria (e não falo só dos antepassados, mas de todos os que deram origem à linha do tempo particular que deu origem à formação do meu zigoto e também ao que sou agora) entre muitas outras coisas.
"Deixar entrar" tudo isso é muito confuso. É "muita areia" para um cérebro tão minúsculo como o meu. Mas há uma maneira de contrabalançar todo este excesso de informação e complexidade: responder com criatividade, com pulsão, com totalidade. Ou seja, à abertura ao mundo exterior responder com a abertura também das portas do mundo interior. Deixar explodir a criatividade, mas, sobretudo, ser íntegro. Deixar que cada parte de nós venha ao de cima e se junte para formar uma ação, num momento.
Esta junção, ou casamento, entre os mundos interior e exterior, amplamente abertos, é a forma de viver a vida que prefiro. Porque é que a prefiro? Não sei, mas sei que não gosto de me esconder do que existe, seja isso dentro ou fora de mim. E este é um caminho para a descoberta, para o crescimento, para a compreensão.
Quem sabe se a formiga também pode optar por viver assim e sentir talvez o mesmo esplendor?
quinta-feira, 30 de abril de 2015
Beleza
Talvez nunca venhamos a saber se a beleza é real ou imaginária,
mas, imaginar que não existe a não ser na nossa cabeça,
não nos deveria impedir de ver, e mergulhar em, cada um dos seus detalhes...
mas, imaginar que não existe a não ser na nossa cabeça,
não nos deveria impedir de ver, e mergulhar em, cada um dos seus detalhes...
sexta-feira, 24 de abril de 2015
A dois...
A dois...
É sempre mais fácil imaginar que somos o centro do mundo
ou voar, para faraway lands,
sabendo sempre que temos um ao outro
para nos consolar,
divertir, revigorar, acompanhar
todas as aventuras e desventuras,
ou simplesmente:
estar lá.
Sozinho:
É mais fácil perder-se no Cosmos.
quarta-feira, 22 de abril de 2015
Amar na civilização do pecado
Pode parecer muito bom amar na civilização do pecado. Afinal, se as pessoas estão sedentas de sexo e amor, sós e frustradas na intimidade, é relativamente fácil arranjar um/a companheiro/a.
E esse alguém vai ficar muito dependente de nós!
Glória, glória! Aléluia!
Alguém só para nós, extremamente dependente, que precisa de nós, que seria frustrado/a sem a presença da "cara metade", ui!, o que poderia ser melhor?: a relação de amor vem com garantia de exclusividade, dependência e a promessa de ser assim para toda a vida. Ui! Que espetáculo!!
Que Felicidade, que Ternura!
O único problema é que...
A origem dos nossos males não está na falta daquela relação, mas sim na frustração geral que atravessa as nossas vidas. Nós não fazemos o que queremos, não realizamos os nossos sonhos. Escondermo-nos atrás de uma relação não resolve nada. Dá-nos, é certo, um grande conforto emocional durante bastante tempo, mas não dura muito. A vida, mais cedo ou mais tarde, apanha-nos e a frustração, vinda do passado, com origem já desde a infância, volta a ser visível. Então, normalmente, culpamos o outro, queremos sair, queremos ser outros, mas é demasiado tarde...
É quase impensável, nesta civilização do pecado (superstição e medo) que temos, imaginar o que é o amor entre pessoas antes da "queda", ou seja antes de comerem a maçã do pecado original, antes de terem vergonha de estarem nuas. Mas alguém que não sente vergonha do que sente, de estar nua entre os outros, de fazer amor com quem quer que seja, de se realizar, de sentir tudo, de ser tudo, de amar tudo, de pensar tudo, de experimentar tudo, com lucidez, com integridade, sem sentir sequer a sombra do pecado, talvez não possa senão chegar a uma conclusão, digo eu:
Porque quem não está agrilhoado só pode ver que é parte deste infinito e, reconhecendo-se nele, sentir a infinita beleza do todo...
E esse alguém vai ficar muito dependente de nós!
Glória, glória! Aléluia!
Alguém só para nós, extremamente dependente, que precisa de nós, que seria frustrado/a sem a presença da "cara metade", ui!, o que poderia ser melhor?: a relação de amor vem com garantia de exclusividade, dependência e a promessa de ser assim para toda a vida. Ui! Que espetáculo!!
Que Felicidade, que Ternura!
O único problema é que...
A origem dos nossos males não está na falta daquela relação, mas sim na frustração geral que atravessa as nossas vidas. Nós não fazemos o que queremos, não realizamos os nossos sonhos. Escondermo-nos atrás de uma relação não resolve nada. Dá-nos, é certo, um grande conforto emocional durante bastante tempo, mas não dura muito. A vida, mais cedo ou mais tarde, apanha-nos e a frustração, vinda do passado, com origem já desde a infância, volta a ser visível. Então, normalmente, culpamos o outro, queremos sair, queremos ser outros, mas é demasiado tarde...
É quase impensável, nesta civilização do pecado (superstição e medo) que temos, imaginar o que é o amor entre pessoas antes da "queda", ou seja antes de comerem a maçã do pecado original, antes de terem vergonha de estarem nuas. Mas alguém que não sente vergonha do que sente, de estar nua entre os outros, de fazer amor com quem quer que seja, de se realizar, de sentir tudo, de ser tudo, de amar tudo, de pensar tudo, de experimentar tudo, com lucidez, com integridade, sem sentir sequer a sombra do pecado, talvez não possa senão chegar a uma conclusão, digo eu:
Porque quem não está agrilhoado só pode ver que é parte deste infinito e, reconhecendo-se nele, sentir a infinita beleza do todo...
Luz do sol, que a folha traga e traduz,
Em verde novo, em folha, em graça, em vida, em força, em luz.
Céu azul, que vem até onde os pés tocam a terra e a terra inspira e exala os seus azuis.
Reza, reza o rio, córrego pro rio, o rio pro mar,
Reza a correnteza, roça a beira, doura a areia.
Marcha o homem sobre o chão, leva no coração uma ferida acesa.
Dono do sim e do não diante da visão da infinita beleza,
Finda por ferir com a mão essa delicadeza a coisa mais querida:
A glória da vida.
Em verde novo, em folha, em graça, em vida, em força, em luz.
Céu azul, que vem até onde os pés tocam a terra e a terra inspira e exala os seus azuis.
Reza, reza o rio, córrego pro rio, o rio pro mar,
Reza a correnteza, roça a beira, doura a areia.
Marcha o homem sobre o chão, leva no coração uma ferida acesa.
Dono do sim e do não diante da visão da infinita beleza,
Finda por ferir com a mão essa delicadeza a coisa mais querida:
A glória da vida.
- Caetano Veloso -
sexta-feira, 17 de abril de 2015
Eu
Eu sou aquele que parece que dá valor ao dinheiro
mas na realidade o que quer é encontrar o Real.
Eu sou aquele que parece que gosta deste ou desta,
mas na realidade gosta é da Beleza
(que partilhámos em tempos, lembras-te?).
Eu sou aquele que ama
o Infinito
e, vivendo nele, procurou a Verdade,
mas só encontrou a Beleza.
waiting for another trip upon that magic swirlin' ship...
Eu sou aquele
que busca tudo
e, nada compreendendo,
está grato, maravilhado,
pela magia da Existência ewaiting for another trip upon that magic swirlin' ship...
segunda-feira, 13 de abril de 2015
Pensamento do dia
Por vezes podemo-nos apoiar nos outros, mas em geral
eles são tão frágeis como nós. Se queremos realmente trazer alguma luz
ao mundo a nossa inspiração tem de vir diretamente da fonte.
Claro que a questão é: onde é que está essa fonte?
Essa é a pergunta chave que desde sempre tentamos responder...
A minha resposta é: vem de todo o lado, para quem não lhe fecha as portas...
Claro que a questão é: onde é que está essa fonte?
Essa é a pergunta chave que desde sempre tentamos responder...
A minha resposta é: vem de todo o lado, para quem não lhe fecha as portas...
Comprar um telemóvel
Os telemóveis (smartphone) são objetos complexos, não só pela variedade de tecnologias que usam mas por tudo o que pode correr mal na sua implementação, articulação e uso. Na prática, para saber se um telemóvel é bom para nós teríamos de o usar algum tempo comparando com outros modelos e ver qual se ajusta melhor ao que queremos. Como isto não pode ser feito a nossa escolha em parte é feita às cegas e existem vários modelos principais para fazer essa escolha:
Os amigos / modas: talvez uma das melhores e mais conhecida seja esta. Se o nosso círculo de amigos usa um iPhone e diz bem do iPhone nós também compramos um iPhone e dizemos bem do iPhone. Assim toda a gente fica a ganhar porque reforçamos mutuamente a nossa ideia de que fizemos uma boa escolha e somos pessoas espetaculares rodeados de pessoas íntimas espetaculares no meio de um mundo mais vasto de freaks feios e anormais. Não interessa nada que o iPhone nem leve um cartão de memória, não permita transferir músicas de forma simples, não dê para ligar a um monitor exterior, nem tenha muitas outras coisas e progrmas e seja caro como tudo. Desde que a gente não saiba de todas essas limitações e que toda a gente à nossa volta nos diga que sim, que aquilo é muita bom. A perspetiva da moda, da fashion, raramente dá mal em termos de satisfação e de prazer. É como pertencer a uma religião. É tão bom saber que vamos ser salvos, sair do ciclo de reencarnações, ou ser ressurretos. Os outros, coitados, até pensam que estão a fazer as coisas bem, pobrezinhos, mas nós vamos ajudá-los. Nós somos bons e vamos ensiná-los. Enfim, novamente, uma boa estratégia para ser feliz!
As características técnicas: Esta é a forma dos nerds como eu. Vai-se ver as características técnicas de tudo e mais alguma coisa, perde-se uma boa dezena de horas a ver cada modelo e a tentar compreender o que é cada coisa (desde o glonass e o A-GPS ao gorilla glass, sensibilidade do wi-fi, os mil e um tipos de CPU e GPU, a memória ram - quantidade e rapidez -, qualidade de imagem, sensibilidade do ecrã, número de dedos reconhecidos, qualidade das câmaras - por pixeis e real -, e mais um sem número de coisas incluindo conectividade, possibilidade de root, bateria, conexões GSM - HSPA+, etc, etc, etc). Finalmente decidimos por um modelo, todas aquelas centenas de horas deram-nos um resultado final. Ele chega e.... não, é horrível. Porquê? Bem, por todas aquelas coisas de que não nos lembrámos... porque o hardware não era fiável e avariou, ou porque o software traz coisas que não queremos e não conseguimos tirar ou não dá para instalar o que queremos, porque é muito pesada, porque a imagem não tem resolução suficiente para os nossos olhos, etc, etc. Esta perspetiva em geral não funciona e razão é simples: o assunto é demasiado complexo, tem demasiadas variáveis. Por mais tempo que dediquemos ao assunto, vai haver sempre aspectos que não conseguimos compreender. É um pouco como o filósofo (não-platónico) / sofista / cientista que tenta compreender o mundo com a mente. Até pode passar centenas de milhar de horas a estudar o assunto, detalhadamente, sistematicamente, mas é daquelas coisas que, a partir de certo ponto: «quanto mais olha menos se vê» porque, precisamente por não conseguirmos abarcar todos os aspectos relevantes, acabamos por dar uma ênfase excessiva àqueles que, por acaso, conseguimos compreender. Era como se, perante um elefante, só conseguíssemos ver mil pixeis tirados ao acaso de uma imagem com mil milhões. Claro que nunca iríamos perceber que era um elefante! Mas, pior do que isso, em vez de manter a dúvida, quanto mais estudássemos aqueles pixeis, mais nos iríamos convencer que sabíamos do que estávamos a falar. Nesse sentido a aproximação científica leva-nos a uma ilusão cada vez maior: cada vez mais estamos convencidos de que sabemos o que se está a passar quando, na realidade, sabemos tanto como os outros e, portanto, menos do que eles.
O aspeto: Esta estratégia normalmente dá mal, apesar de que as pessoas que escolhem pelo aspeto em geral não são muito exigentes e contentam-se com pouco em termos de funcionalidade, mesmo assim costumam escolher coisas tão más "por dentro" apesar de serem bonitinhas à superfície, que normalmente ficam com coisas que ou são praticamente inutilizáveis ou se estragam facilmente. Outro problema é que as pessoas que escolhem pela superfície não sabem realmente como é que funciona isso que compraram. Por isso, mesmo que o objeto seja bom, não o conseguem usar. É daquelas coisas que é giro mostrar aos amigos que se tem e foi "muito caro" e é bom, mas depois fica no móvel sem ser usado dias a fio, porque ninguém lhe sabe mexer. Na vida há algo parecido, as chamadas pessoas "superficiais" (shallow) que só se importam com o que está na aparência. Em geral dão-se mal porque a vida as surpreende constantemente. Estão sempre à espera que aconteça qualquer coisa, que normalmente tem a ver com o que alguém disse ou pensou de alguém. E depois a vida faz qualquer coisa inesperada! Doenças, mortes, despedimentos, aumentos, alguém sai de casa. É tudo muito confuso para essas pessoas. Elas tentam... e, são tão bonitas e têm e fazem coisas tão bonitas... mas... parece que a vida acaba sempre por ser injusta para elas. A beleza não compensa dizem por vezes. Nós diríamos mais: a superficialidade não compensa... É preciso trabalhar um pouco mais para entrar nos detalhes das coisas.
A experiência da comunidade alargada: Aqui já não é tanto o que o nosso círculo de amigos pensa, é mais: vamos a um sítio com recolha de muitas experiências como o
http://www.gsmarena.com/alcatel_pop_c1-5691.php
e vemos as pontuações gerais dos utilizadores, lemos as reviews, vemos os pontos fortes e fracos. Este sistema deu origem à minha primeira boa compra nesta área. Neste caso é um telemóvel que me custou 49 euros e faz tudo o que eu quero. Na realidade ficou de borla porque veio acompanhado de 200 megas / mês gratuítos para toda a vida, e então mudei para um plano sem carregamentos obrigatórios e agora falo pelo skype e outros programas do género, mesmo quando não tenho wifi. Não é propriamente o motorola moto g, mas era o que havia e estou muito contente com ele. Não é fácil explicar porque é que gosto dele, na realidade o único aspeto negativo é que é demasiado lento (só tem meio giga de ram). Mas em tudo o resto é bom, leve, agradável ao tato, etc. Aplicada à vida esta perspetiva não tem bem um nome. Está mais próxima do filósofo-artista que nunca se esquece que nada sabe, mas que mesmo assim continua à procura, em todo o lado, pelas experiências dos outros, das melhores formas de abordar uma certa situação. Note-se que tem de se ir buscar experiências a um conjunto random, alargado de pessoas. Não conta se só ler aquele conjunto de pessoas com quem já sente afinidade (aí voltamos à primeira perspetiva, da moda). Tem a vantagem adicional de, ao saber que nada se sabe, viver a vida como uma aventura e um mistério, ao contrário de todos aqueles empoeirados sábios que, quanto à vida, já "sabem do que se trata" e depois é vê-los com os livros bolorentos, encafuados eternamente nas mesmas salas a ler coisas repetidas... Mas são úteis sem dúvidas para o viajante, como quem vai beber o cheirinho à folha de alface e depois vai buscar um gostinho ao agrião.
O que está mais à mão: essa é a perspetiva mais comum e corresponde àquelas pessoas que, na vida, escolhem o modo de viver presente na sua comunidade. Bem, é fácil de ver o que acontece, é uma questão de sorte. Se nasceres na California numa família rica com casa com vista para o mar é uma coisa. Se nasceres como rapariga naqueles países onde o rapto leva, no melhor dos casos, ao casamento com o raptador / violador, então é a situação já é outra.
O mais caro: Para quem tem dinheiro isto costuma ser um bom método: «dê-me o mais caro que houver». "Bom" no sentido em que se fica com algo com qualidade, não necessariamente algo útil para o sentido da nossa vida. Até nos pode escravizar se tivermos de trabalhar para ter dinheiro (mais uns meses de trabalho forçado para pagar o telemóvel que não me traz a alegria que preciso). Seria interessante aplicar esta analogia ao modo de viver: o que seria escolher o modo de viver "mais caro" em termos espirituais? É verdade que costumamos dizer que tudo tem um preço. Mas, em termos de estilos de vida, o que se "paga" em termos espirituais tanto pode ser um mero gasto como um investimento. Por exemplo, estou a ser médico voluntário em África ou desenvolver um projeto de permacultura, então, para compensar os confortos e outros prazeres e seguranças perdidos, poderei ter avançado / pago com integridade / verticalidade (fazer o que acho que está "certo"). Se tudo correr bem, será um "investimento" nessa integridade: à medida que o projeto cresce, também essa sensação de integridade vai crescendo. Inversamente, para ganhar facilmente prazer - coisas que enchem os sentidos e preenchem as frustrações -, controlo sobre os outros e aquilo a que na sociedade chamamos de "riqueza", posso dedicar-me à fraude ou à manipulação. Neste caso, para ficar mais rico materialmente vou ter de pagar com a minha própria consciência. Mas, neste caso, à maneira do «Retrato de Dorian Gray", o que avanço / pago com integridade / verticalidade, é para perder completamente. Não é um investimento é um gasto puro e simples. Fico sem ele e portanto, se tiver pouco, posso ficar sem nada. Aqui a analogia com o telemóvel é a de saber o que de facto vou fazer com ele. Comprei-o porque me vai ajudar a crescer ou é simplesmente para preencher uma frustração? Não é tanto o que gastei nele que conta, mas mais o que vou construir com ele. Se estiver simplesmente à espera de "encher os meus buracos de contentamento", ou seja, de preencher as minhas frustrações, então espera-me uma vida imensa de enchimento. Porque as nossas frustrações são como poços sem fundo, podemos ir enchendo de coisas que elas querem sempre mais. Se, por outro lado, é um aprofundamento da nossa experiência de ser real, da nossa verticalidade, da nossa consciência, da nossa liberdade, bem, então, talvez, qualquer preço seja barato...
Os amigos / modas: talvez uma das melhores e mais conhecida seja esta. Se o nosso círculo de amigos usa um iPhone e diz bem do iPhone nós também compramos um iPhone e dizemos bem do iPhone. Assim toda a gente fica a ganhar porque reforçamos mutuamente a nossa ideia de que fizemos uma boa escolha e somos pessoas espetaculares rodeados de pessoas íntimas espetaculares no meio de um mundo mais vasto de freaks feios e anormais. Não interessa nada que o iPhone nem leve um cartão de memória, não permita transferir músicas de forma simples, não dê para ligar a um monitor exterior, nem tenha muitas outras coisas e progrmas e seja caro como tudo. Desde que a gente não saiba de todas essas limitações e que toda a gente à nossa volta nos diga que sim, que aquilo é muita bom. A perspetiva da moda, da fashion, raramente dá mal em termos de satisfação e de prazer. É como pertencer a uma religião. É tão bom saber que vamos ser salvos, sair do ciclo de reencarnações, ou ser ressurretos. Os outros, coitados, até pensam que estão a fazer as coisas bem, pobrezinhos, mas nós vamos ajudá-los. Nós somos bons e vamos ensiná-los. Enfim, novamente, uma boa estratégia para ser feliz!
As características técnicas: Esta é a forma dos nerds como eu. Vai-se ver as características técnicas de tudo e mais alguma coisa, perde-se uma boa dezena de horas a ver cada modelo e a tentar compreender o que é cada coisa (desde o glonass e o A-GPS ao gorilla glass, sensibilidade do wi-fi, os mil e um tipos de CPU e GPU, a memória ram - quantidade e rapidez -, qualidade de imagem, sensibilidade do ecrã, número de dedos reconhecidos, qualidade das câmaras - por pixeis e real -, e mais um sem número de coisas incluindo conectividade, possibilidade de root, bateria, conexões GSM - HSPA+, etc, etc, etc). Finalmente decidimos por um modelo, todas aquelas centenas de horas deram-nos um resultado final. Ele chega e.... não, é horrível. Porquê? Bem, por todas aquelas coisas de que não nos lembrámos... porque o hardware não era fiável e avariou, ou porque o software traz coisas que não queremos e não conseguimos tirar ou não dá para instalar o que queremos, porque é muito pesada, porque a imagem não tem resolução suficiente para os nossos olhos, etc, etc. Esta perspetiva em geral não funciona e razão é simples: o assunto é demasiado complexo, tem demasiadas variáveis. Por mais tempo que dediquemos ao assunto, vai haver sempre aspectos que não conseguimos compreender. É um pouco como o filósofo (não-platónico) / sofista / cientista que tenta compreender o mundo com a mente. Até pode passar centenas de milhar de horas a estudar o assunto, detalhadamente, sistematicamente, mas é daquelas coisas que, a partir de certo ponto: «quanto mais olha menos se vê» porque, precisamente por não conseguirmos abarcar todos os aspectos relevantes, acabamos por dar uma ênfase excessiva àqueles que, por acaso, conseguimos compreender. Era como se, perante um elefante, só conseguíssemos ver mil pixeis tirados ao acaso de uma imagem com mil milhões. Claro que nunca iríamos perceber que era um elefante! Mas, pior do que isso, em vez de manter a dúvida, quanto mais estudássemos aqueles pixeis, mais nos iríamos convencer que sabíamos do que estávamos a falar. Nesse sentido a aproximação científica leva-nos a uma ilusão cada vez maior: cada vez mais estamos convencidos de que sabemos o que se está a passar quando, na realidade, sabemos tanto como os outros e, portanto, menos do que eles.
O aspeto: Esta estratégia normalmente dá mal, apesar de que as pessoas que escolhem pelo aspeto em geral não são muito exigentes e contentam-se com pouco em termos de funcionalidade, mesmo assim costumam escolher coisas tão más "por dentro" apesar de serem bonitinhas à superfície, que normalmente ficam com coisas que ou são praticamente inutilizáveis ou se estragam facilmente. Outro problema é que as pessoas que escolhem pela superfície não sabem realmente como é que funciona isso que compraram. Por isso, mesmo que o objeto seja bom, não o conseguem usar. É daquelas coisas que é giro mostrar aos amigos que se tem e foi "muito caro" e é bom, mas depois fica no móvel sem ser usado dias a fio, porque ninguém lhe sabe mexer. Na vida há algo parecido, as chamadas pessoas "superficiais" (shallow) que só se importam com o que está na aparência. Em geral dão-se mal porque a vida as surpreende constantemente. Estão sempre à espera que aconteça qualquer coisa, que normalmente tem a ver com o que alguém disse ou pensou de alguém. E depois a vida faz qualquer coisa inesperada! Doenças, mortes, despedimentos, aumentos, alguém sai de casa. É tudo muito confuso para essas pessoas. Elas tentam... e, são tão bonitas e têm e fazem coisas tão bonitas... mas... parece que a vida acaba sempre por ser injusta para elas. A beleza não compensa dizem por vezes. Nós diríamos mais: a superficialidade não compensa... É preciso trabalhar um pouco mais para entrar nos detalhes das coisas.
A experiência da comunidade alargada: Aqui já não é tanto o que o nosso círculo de amigos pensa, é mais: vamos a um sítio com recolha de muitas experiências como o
http://www.gsmarena.com/alcatel_pop_c1-5691.php
e vemos as pontuações gerais dos utilizadores, lemos as reviews, vemos os pontos fortes e fracos. Este sistema deu origem à minha primeira boa compra nesta área. Neste caso é um telemóvel que me custou 49 euros e faz tudo o que eu quero. Na realidade ficou de borla porque veio acompanhado de 200 megas / mês gratuítos para toda a vida, e então mudei para um plano sem carregamentos obrigatórios e agora falo pelo skype e outros programas do género, mesmo quando não tenho wifi. Não é propriamente o motorola moto g, mas era o que havia e estou muito contente com ele. Não é fácil explicar porque é que gosto dele, na realidade o único aspeto negativo é que é demasiado lento (só tem meio giga de ram). Mas em tudo o resto é bom, leve, agradável ao tato, etc. Aplicada à vida esta perspetiva não tem bem um nome. Está mais próxima do filósofo-artista que nunca se esquece que nada sabe, mas que mesmo assim continua à procura, em todo o lado, pelas experiências dos outros, das melhores formas de abordar uma certa situação. Note-se que tem de se ir buscar experiências a um conjunto random, alargado de pessoas. Não conta se só ler aquele conjunto de pessoas com quem já sente afinidade (aí voltamos à primeira perspetiva, da moda). Tem a vantagem adicional de, ao saber que nada se sabe, viver a vida como uma aventura e um mistério, ao contrário de todos aqueles empoeirados sábios que, quanto à vida, já "sabem do que se trata" e depois é vê-los com os livros bolorentos, encafuados eternamente nas mesmas salas a ler coisas repetidas... Mas são úteis sem dúvidas para o viajante, como quem vai beber o cheirinho à folha de alface e depois vai buscar um gostinho ao agrião.
O que está mais à mão: essa é a perspetiva mais comum e corresponde àquelas pessoas que, na vida, escolhem o modo de viver presente na sua comunidade. Bem, é fácil de ver o que acontece, é uma questão de sorte. Se nasceres na California numa família rica com casa com vista para o mar é uma coisa. Se nasceres como rapariga naqueles países onde o rapto leva, no melhor dos casos, ao casamento com o raptador / violador, então é a situação já é outra.
Sorte-Azar ?
És a próxima noiva que eles vão raptar.
http://en.wikipedia.org/wiki/Bride_kidnapping
Sorte-Azar ?
Os teus pais são os donos deste hotel na California
http://fireelf.com/board/pins/1/1617
Sorte-Azar ?
Era o que estava na loja...
O mais caro: Para quem tem dinheiro isto costuma ser um bom método: «dê-me o mais caro que houver». "Bom" no sentido em que se fica com algo com qualidade, não necessariamente algo útil para o sentido da nossa vida. Até nos pode escravizar se tivermos de trabalhar para ter dinheiro (mais uns meses de trabalho forçado para pagar o telemóvel que não me traz a alegria que preciso). Seria interessante aplicar esta analogia ao modo de viver: o que seria escolher o modo de viver "mais caro" em termos espirituais? É verdade que costumamos dizer que tudo tem um preço. Mas, em termos de estilos de vida, o que se "paga" em termos espirituais tanto pode ser um mero gasto como um investimento. Por exemplo, estou a ser médico voluntário em África ou desenvolver um projeto de permacultura, então, para compensar os confortos e outros prazeres e seguranças perdidos, poderei ter avançado / pago com integridade / verticalidade (fazer o que acho que está "certo"). Se tudo correr bem, será um "investimento" nessa integridade: à medida que o projeto cresce, também essa sensação de integridade vai crescendo. Inversamente, para ganhar facilmente prazer - coisas que enchem os sentidos e preenchem as frustrações -, controlo sobre os outros e aquilo a que na sociedade chamamos de "riqueza", posso dedicar-me à fraude ou à manipulação. Neste caso, para ficar mais rico materialmente vou ter de pagar com a minha própria consciência. Mas, neste caso, à maneira do «Retrato de Dorian Gray", o que avanço / pago com integridade / verticalidade, é para perder completamente. Não é um investimento é um gasto puro e simples. Fico sem ele e portanto, se tiver pouco, posso ficar sem nada. Aqui a analogia com o telemóvel é a de saber o que de facto vou fazer com ele. Comprei-o porque me vai ajudar a crescer ou é simplesmente para preencher uma frustração? Não é tanto o que gastei nele que conta, mas mais o que vou construir com ele. Se estiver simplesmente à espera de "encher os meus buracos de contentamento", ou seja, de preencher as minhas frustrações, então espera-me uma vida imensa de enchimento. Porque as nossas frustrações são como poços sem fundo, podemos ir enchendo de coisas que elas querem sempre mais. Se, por outro lado, é um aprofundamento da nossa experiência de ser real, da nossa verticalidade, da nossa consciência, da nossa liberdade, bem, então, talvez, qualquer preço seja barato...
Base Jumping in Norway
Quatro quintos
Daqui a aproximadamente mil milhões de anos a terra já não terá água, o que se deve ao crescimento natural do volume do sol (é o que costuma acontecer a todas as estrelas).
https://en.wikipedia.org/wiki/Sun#Earth's_fate
Isso significa que a terra, com os seus mais de 4 mil milhões de anos, já gastou quatro quintos do seu tempo útil para gerar uma espécie inteligente capaz de transportar a vida para fora do planeta (ou de o modificar (órbita, atmosfera, criar filtros, etc) que permitam que a vida continue por cá.
Quando pensamos que nós, seres humanos, somos a melhor hipótese até agora alcançada... ui! Isto não se afigura bom. Será que nos próximos 100 mil anos vamos sobreviver a nós próprios? Eu tenho dúvidas até sobre os próximos 10 mil. A nossa capacidade técnica é de facto assombrosa e evolui rapidamente.
O nosso problema, enquanto espécie, não está tanto na tecnologia, mas no desprezo pela verdade, na ambição desmesurada, no viver em ilusões, nos objetivos separados de uma visão do todo, enfim, de uma estultícia geral, que acompanha os nossos feitos científicos, tecnológicos, artísticos e filosóficos, e que abrange quer a emoção quer a razão.
Ai, a Terra, planeta tão lindo e com uma história tão fabulosa, merecia melhor, não?
Ainda temos algum tempo, vamos esperar que sim... que nós, estes macacos vestidos de saber, deem origem a algo interessante e entretanto, agora que são tão potentes, não destruam o planeta com as suas macaquices.
https://en.wikipedia.org/wiki/Sun#Earth's_fate
Isso significa que a terra, com os seus mais de 4 mil milhões de anos, já gastou quatro quintos do seu tempo útil para gerar uma espécie inteligente capaz de transportar a vida para fora do planeta (ou de o modificar (órbita, atmosfera, criar filtros, etc) que permitam que a vida continue por cá.
Quando pensamos que nós, seres humanos, somos a melhor hipótese até agora alcançada... ui! Isto não se afigura bom. Será que nos próximos 100 mil anos vamos sobreviver a nós próprios? Eu tenho dúvidas até sobre os próximos 10 mil. A nossa capacidade técnica é de facto assombrosa e evolui rapidamente.
O nosso problema, enquanto espécie, não está tanto na tecnologia, mas no desprezo pela verdade, na ambição desmesurada, no viver em ilusões, nos objetivos separados de uma visão do todo, enfim, de uma estultícia geral, que acompanha os nossos feitos científicos, tecnológicos, artísticos e filosóficos, e que abrange quer a emoção quer a razão.
Ai, a Terra, planeta tão lindo e com uma história tão fabulosa, merecia melhor, não?
Ainda temos algum tempo, vamos esperar que sim... que nós, estes macacos vestidos de saber, deem origem a algo interessante e entretanto, agora que são tão potentes, não destruam o planeta com as suas macaquices.
quinta-feira, 9 de abril de 2015
Qual é a coisa, qual é ela, que quanto mais se olha, menos se vê?
É o Sol!
A não ser que se pense cuidadosamente sobre o assunto durante muitas gerações:
http://www.skyandtelescope.com/observing/observing-the-sun/
Mas, de forma geral, sabemos apenas que está lá, lemos o que outros descobriram sobre ele, mas, o que ele é realmente, escapa-nos completamente à compreensão.
Assim como tudo o resto.
Vivemos no desconhecido.
Felizmente temos os pensamentos para nos escudarem desse facto.
Às tantas até parece que sabemos!!
Yupi!!
não. oh ilusão! estou farto da loucura de ser humano.
A não ser que se pense cuidadosamente sobre o assunto durante muitas gerações:
http://www.skyandtelescope.com/observing/observing-the-sun/
Mas, de forma geral, sabemos apenas que está lá, lemos o que outros descobriram sobre ele, mas, o que ele é realmente, escapa-nos completamente à compreensão.
Assim como tudo o resto.
Vivemos no desconhecido.
Felizmente temos os pensamentos para nos escudarem desse facto.
Às tantas até parece que sabemos!!
Yupi!!
não. oh ilusão! estou farto da loucura de ser humano.
W. Shakespeare
Mas ainda não estou farto da oportunidade de existir, de aprender, de fazer uma diferença e ver como isso se repercute pela existência fora. Não estou farto de ouvir e falar, de respirar...
O Shakespeare dizia que «choramos ao nascer porque viemos parar a este grande palco de dementes", mas a verdade é que o choro ajuda a desimpedir os brônquios... é um passo para poder rir e amar.
quarta-feira, 8 de abril de 2015
O pensamento confunde-nos - alternativa?
Não é sempre... há muitas áreas onde a reflexão nos ajuda e até nos pode permitir chegar incrivelmente longe. O poder do pensamento levou-nos a conseguir construir naves espaciais, lâmpadas fluorescentes, automóveis, telemóveis e muitas outras coisas que superam em muito os sonhos mais arrojados das civilizações antigas.
Mas, quantos milhares de milhões de horas de pensamento humano foram necessárias para compreender que não é o sol que anda à volta da terra mas a terra que anda à volta do sol? Foi preciso inventar a astronomia, a matemática, a geometria e depois refletir sobre o assunto um incontável número de gerações.
Mas o pior são os sistemas complexos, com muitas partes. O mundo está cheio de sistemas desse tipo, sendo que um que encontramos todos os dias é o ser humano. Apesar do esforço lançado sobre as ciências sociais, a neurociência, a biologia e muitas outras continuamos a ser um mistério para nós próprios.
Um exemplo simples: vou ao campo ou à praia?
Alguns fatores envolvidos: que temperatura vai estar, nº de pessoas que vai estar em cada um dos sítios, prazer que vamos retirar de lá, num podemos levar o cão e fazer um piquenique no outro podemos ir à água, mas será que a água vai parecer muito fria? Quantos de nós vamos à água? E já agora estamos a tentar maximizar o quê? O prazer que vamos sentir, globalmente ou individualmente? É uma escala linear? E já agora como se mede? Se o cão tiver de ficar em casa também conta o desprazer dele ou apenas o nosso ao saber que ele não está a divertir-se?
Não sei se dá para ver, mas a situação acima tem imensas incógnitas (por exemplo o espaço livre em cada um dos sítios, o prazer que vamos ter, etc) e o próprio processo de avaliação do resultado é controverso. Mesmo depois da decisão tomada e efetuada uns poderão achar que foi o melhor e outros o pior.
Ou seja, na prática, quase nunca sabemos bem se estamos a decidir bem ou não. E não é pelo pensamento que lá chegamos. Pensando sobre as coisas corremos o risco de ficar mais confusos pois o pensamento capta apenas uma minúscula parte do que pode acontecer e do que está em causa.
Haverá outra alternativa? Felizmente temos um cérebro animalesco criado mesmo para dar resposta a esta situação. As emoções permitem-nos lidar com estas situações complexas de uma forma que, não sendo a óptima, é, geralmente, boa. Tem ainda outra vantagem: se fizermos aquilo que gostamos está resolvido o problema da avaliação e da frustração quando os objetivos se afastam muito do esperado.
A coisa funciona assim: eu apetece-me X, e começo a fazer cenas para X. Mas o desejo é mutável, à medida que vou avançando para X posso perceber que X talvez não seja assim tão bom? E então posso perguntar, olhem: o cão Estrôncio fica triste assim em casa e se formos antes ao campo? Pode não ser tão giro mas... ou seja, desvio-me para Y... e de um para o outro dinamicamente, na realidade, até posso ir viajando entre vários tipos de objetivos, X,Y,W,Z... etc, que podem ir sendo criados à medida que vou explorando várias possibilidades.
A outra grande vantagem é que, se fizer aquilo que me dá prazer, que floresce em mim como vontade, os meus objetivos são menores: não pretendo o "melhor" mas apenas realizar aquele (conjunto de) desejo(s). Claro que se em vez de um cérebro de um litro e meio tivesse um computador quântico do tamanho da lua, talvez pudesse abordar a realidade de outra maneira. Mas com os nossos cérebros, não muito diferentes do dos outros símios e mamíferos, não se deve esperar muito da nossa capacidade de pensar. (A não ser nos domínios específicos em que milhões de horas de reflexão foram desenhando estratégias que de facto funcionam.)
É melhor fazermos portanto como os nossos amigos na natureza semelhantes a nós: usarmos o coração, a intuição, vermos a vida como uma aventura, inspirarmo-nos uns nos outros, deixarmos a emoção fluir e, sobretudo, não estarmos à espera de alcançar o "melhor" resultado (até porque, na maior parte dos casos, isso é controverso), mas apenas de "florescer". As coisas podem correr melhor ou pior, mas é relativamente mais fácil garantir que conseguimos florescer, experimentar, estar cientes do que se passa, aprender, em resumo, ter aventuras enriquecedoras...
Porque, do ponto de vista do pensamento, a realidade é um caos, uma confusão, não se percebe nada, nem do que se passa (a uma escala fina), e, por vezes, nem sequer do que queremos que se passe.
Claro que há um aspeto em que o pensamento continua sempre a ser essencial: na visão global do que se passa. Não devemos esconder a nós próprios, por exemplo, que está um dia ventoso (isso irá ter repercussões na ida à praia). As principais características devem estar presentes na nossa mente. Mas só as "global features", as mais gerais. Porque, à medida que começamos a descer no pormenor, vamos necessariamente esquecer umas e dar demasiado peso a outras. Só podemos descrever enquanto a descrição for equilibrada. A partir de um certo ponto começamos a enfatizar cada vez mais pormenores que acabam por ser supérfluos ou nem sequer se aplicar na globalidade do contexto. Ou seja, no que toca à mente: Keep it simple, keep it real!
Mas, quantos milhares de milhões de horas de pensamento humano foram necessárias para compreender que não é o sol que anda à volta da terra mas a terra que anda à volta do sol? Foi preciso inventar a astronomia, a matemática, a geometria e depois refletir sobre o assunto um incontável número de gerações.
Mas o pior são os sistemas complexos, com muitas partes. O mundo está cheio de sistemas desse tipo, sendo que um que encontramos todos os dias é o ser humano. Apesar do esforço lançado sobre as ciências sociais, a neurociência, a biologia e muitas outras continuamos a ser um mistério para nós próprios.
Um exemplo simples: vou ao campo ou à praia?
Alguns fatores envolvidos: que temperatura vai estar, nº de pessoas que vai estar em cada um dos sítios, prazer que vamos retirar de lá, num podemos levar o cão e fazer um piquenique no outro podemos ir à água, mas será que a água vai parecer muito fria? Quantos de nós vamos à água? E já agora estamos a tentar maximizar o quê? O prazer que vamos sentir, globalmente ou individualmente? É uma escala linear? E já agora como se mede? Se o cão tiver de ficar em casa também conta o desprazer dele ou apenas o nosso ao saber que ele não está a divertir-se?
Não sei se dá para ver, mas a situação acima tem imensas incógnitas (por exemplo o espaço livre em cada um dos sítios, o prazer que vamos ter, etc) e o próprio processo de avaliação do resultado é controverso. Mesmo depois da decisão tomada e efetuada uns poderão achar que foi o melhor e outros o pior.
Ou seja, na prática, quase nunca sabemos bem se estamos a decidir bem ou não. E não é pelo pensamento que lá chegamos. Pensando sobre as coisas corremos o risco de ficar mais confusos pois o pensamento capta apenas uma minúscula parte do que pode acontecer e do que está em causa.
Haverá outra alternativa? Felizmente temos um cérebro animalesco criado mesmo para dar resposta a esta situação. As emoções permitem-nos lidar com estas situações complexas de uma forma que, não sendo a óptima, é, geralmente, boa. Tem ainda outra vantagem: se fizermos aquilo que gostamos está resolvido o problema da avaliação e da frustração quando os objetivos se afastam muito do esperado.
A coisa funciona assim: eu apetece-me X, e começo a fazer cenas para X. Mas o desejo é mutável, à medida que vou avançando para X posso perceber que X talvez não seja assim tão bom? E então posso perguntar, olhem: o cão Estrôncio fica triste assim em casa e se formos antes ao campo? Pode não ser tão giro mas... ou seja, desvio-me para Y... e de um para o outro dinamicamente, na realidade, até posso ir viajando entre vários tipos de objetivos, X,Y,W,Z... etc, que podem ir sendo criados à medida que vou explorando várias possibilidades.
A outra grande vantagem é que, se fizer aquilo que me dá prazer, que floresce em mim como vontade, os meus objetivos são menores: não pretendo o "melhor" mas apenas realizar aquele (conjunto de) desejo(s). Claro que se em vez de um cérebro de um litro e meio tivesse um computador quântico do tamanho da lua, talvez pudesse abordar a realidade de outra maneira. Mas com os nossos cérebros, não muito diferentes do dos outros símios e mamíferos, não se deve esperar muito da nossa capacidade de pensar. (A não ser nos domínios específicos em que milhões de horas de reflexão foram desenhando estratégias que de facto funcionam.)
É melhor fazermos portanto como os nossos amigos na natureza semelhantes a nós: usarmos o coração, a intuição, vermos a vida como uma aventura, inspirarmo-nos uns nos outros, deixarmos a emoção fluir e, sobretudo, não estarmos à espera de alcançar o "melhor" resultado (até porque, na maior parte dos casos, isso é controverso), mas apenas de "florescer". As coisas podem correr melhor ou pior, mas é relativamente mais fácil garantir que conseguimos florescer, experimentar, estar cientes do que se passa, aprender, em resumo, ter aventuras enriquecedoras...
Porque, do ponto de vista do pensamento, a realidade é um caos, uma confusão, não se percebe nada, nem do que se passa (a uma escala fina), e, por vezes, nem sequer do que queremos que se passe.
Claro que há um aspeto em que o pensamento continua sempre a ser essencial: na visão global do que se passa. Não devemos esconder a nós próprios, por exemplo, que está um dia ventoso (isso irá ter repercussões na ida à praia). As principais características devem estar presentes na nossa mente. Mas só as "global features", as mais gerais. Porque, à medida que começamos a descer no pormenor, vamos necessariamente esquecer umas e dar demasiado peso a outras. Só podemos descrever enquanto a descrição for equilibrada. A partir de um certo ponto começamos a enfatizar cada vez mais pormenores que acabam por ser supérfluos ou nem sequer se aplicar na globalidade do contexto. Ou seja, no que toca à mente: Keep it simple, keep it real!
Quando a situação é complexa...
Floresce!
quinta-feira, 26 de março de 2015
O sofrimento...
O "santo" Agostinho tem um livro "De Beata Vita" (traduzindo: A Vida Feliz) que nunca pensei citar. Em geral sou daqueles que acha a Idade Média como a Idade das Trevas cujo principal fruto foi ter acabado e ter as sementes do Iluminismo.
Mas este texto é interessante, basicamente, do que me lembro das aulas, o argumento é que nós somos felizes (= latim beatos) se conseguimos aquilo que queremos. Ora praticamente tudo foge ao nosso poder, riqueza, saúde, amigos, a própria vida. Portanto, estamos condenados a ser apenas fugazmente felizes, pois, mesmo o que podemos alcançar é incerto e provavelmente findará antes de morrermos. Pelo menos é disto que me lembro (estas aulas foram há 20 anos).
Mas santo Agostinho diz que há algo que basta ser desejado para ser alcançado, não sei as palavras que usa mas é algo do género: querer pertencer a Deus.
Há toda uma teoria metafísica que me ultrapassa no cristianismo. Não sei, gostava de saber e tenho prazer por haver quem saiba. Mas eu de facto não sei se Deus existe e teve um filho etc. Portanto também não sei se essa premissa de santo Agostinho é verdadeira, pois talvez não haja um Deus que corresponda a esse meu desejo.
Mas há algo muito mais simples que se pode desejar e que se alcança pelo simples facto de se desejar: agir por amor. Não apenas nesta ou naquela acção, mas fazer de toda a nossa vida um gesto de amor. Em qualquer situação isto é possível não? Talvez seja preciso ralhar com a criança, matar o terrorista, ou a barata, ou até morrer por algo ou alguém. Mas há sempre um gesto de amor possível em qualquer circunstância, não será.
Se assim for, seria possível, caso fosse esse o nosso objetivo, ser feliz, porque para o concretizar, bastava querer. Agora é natural que eu esteja a descaracterizar o argumento do santo, pois, evidentemente que eu posso desejar muitas outras coisas que consigo enquanto estiver vivo: por exemplo, posso desejar respirar. O simples facto de eu conseguir realizar o que desejo não garante que eu vá ser feliz. Mais importante é saber se a realização desse desejo me vai fazer feliz.
Ora é aqui que fazer da vida um gesto de amor pode ter algum interesse: ele simultaneamente promove o contacto e a comunicação, o conhecimento, a amizade, a auto-estima, a auto-crítica, a (re)aprendizagem, a evolução... enfim...
Então, resta-nos perguntar porque há tanto sofrimento no mundo se é assim tão fácil evitá-lo?
Bem, uma das razões é que o sofrimento tem muitas causas, umas são físicas e não dependem da realização de desejos, podem ser dores, desequilíbrios hormonais, etc. Outras vezes o nosso sofrimento deriva do sofrimento de outros (empatia / compaixão, etc). Também pode derivar da compreender a nossa insignificância e da insignificância de tudo o que fazemos à escala cósmica, ou da nossa irremediável ignorância (a fé não anula a ignorância, pode é ser um substituto para o conhecimento no que diz respeito à acção).
Mas se é assim, compreende-se que a solução do St Agostinho não seja facilmente replicável: um Deus Todo Poderoso, capaz de amar de volta, de proteger e acompanhar como ninguém parece resolver todos aqueles problemas, da insignificância, ignorância, etc. Mesmo o sofrimento dos outros parece ficar então com uma solução simples: basta que eles também ofereçam a sua vida a Deus e plof... tudo resolvido.
Uma parte (talvez pequena) de mim gostava de acreditar nisso. Mas eu acho que o mundo não anda à minha volta. Se for atropelado não foi para ter uma lição de vida, foi simplesmente porque estava no sítio errado no momento errado. As coisas acontecem por uma causa, mas essa causa raramente sou eu, normalmente são muitas outras coisas, como o condutor ter bebido um copo a mais, ou um rajada de vento ter empurrado a minha bicicleta mais para o meio da estrada e os hábitos de condução em portugal que incluem fazer razias aos ciclistas... Não tem nada a ver comigo. Haverá um Ser Todo Poderoso sempre a velar por mim? A ver tudo o que faço? A desviar os carros e as rajadas de vento caso eu me porte bem? O que eu vejo à minha volta não me leva a pensar isso. Eu vejo um mundo maravilhoso onde eu sou apenas mais uma pequena maravilha, muito pequena mesmo. Não me acho mais belo que o que me rodeia. Nem com mais valor. Sou simplesmente uma gota no oceano cósmico, na cosmic soup.
Mas precisamente essa minha participação na infinita beleza, faz da minha vida uma beata vita. Posso sofrer, e tenho sofrido, quando vou à casa de banho e as coisas não correm bem, quando os meus amigos sofrem e eu com eles, quando vejo como as coisas poderiam ser melhores. Mas, no centro, sou absolutamente feliz. A minha vida é mesmo um gesto de amor, e talvez o mesmo aconteça com a maior parte ou talvez até todos nós. Só que, quando chega à luz do dia, vem muito distorcido pela incompreensão e medo. Sei que morrerei em breve (nenhum ser humano até hoje viveu mais do que um misero século e uns trocados). Mas sinto-me feliz porque continuarei a participar de toda esta beleza tal como participei desde todo o sempre. O universo teve-me assim que nasceu, como possibilidade. Agora, improbabilidade das improbabilidades, passei de possibilidade a actualidade. Mas todas as minhas ideias, sensações e emoções ecoam e ecoavam e ecoarão já por aí, em milhares de mentes, em biliões de cérebros. É impossível que essas coisas que fazem o meu ser morram, tal como não nasceram com este corpo. 2+2 são 4 aqui e na outra ponta da Galáxia. E seriam 4 mesmo na hipótese (imensamente mais provável) de nunca ter existido este Pedro Fonseca em toda a história do universo.
E por tudo isso sou feliz, sou imensamente feliz. Oh Santo. O que eu gostaria de poder conversar contigo sobre o que afinal permite e é a chave da Beata Vita.
PS - na verdade o que eu queria dizer era isto: do que eu vejo o sofrimento psíquico vem sobretudo de querermos coisas que não nos fazem felizes. Associamos a felicidade ao prazer. Sentimos prazer quando temos um carro e pensamos que a felicidade vem de ter carros bons. Sentimos prazer quando falamos com alguém que nos ama e compreende e achamos que somos felizes se tivermos aquela pessoa ao nosso lado toda a nossa vida. Mas, no que consigo perceber, o caminho que leva à felicidade é algo quase totalmente diferente do caminho que leva aos prazeres. A felicidade é quase sempre em parte desprendimento. É um cuidar e amar solto. Enquanto que o prazer normalmente se consegue pelo apego, pela conquista e pela luta. A felicidade é a completude etérea o prazer é a conquista que se faz notar.
Mas este texto é interessante, basicamente, do que me lembro das aulas, o argumento é que nós somos felizes (= latim beatos) se conseguimos aquilo que queremos. Ora praticamente tudo foge ao nosso poder, riqueza, saúde, amigos, a própria vida. Portanto, estamos condenados a ser apenas fugazmente felizes, pois, mesmo o que podemos alcançar é incerto e provavelmente findará antes de morrermos. Pelo menos é disto que me lembro (estas aulas foram há 20 anos).
Mas santo Agostinho diz que há algo que basta ser desejado para ser alcançado, não sei as palavras que usa mas é algo do género: querer pertencer a Deus.
Há toda uma teoria metafísica que me ultrapassa no cristianismo. Não sei, gostava de saber e tenho prazer por haver quem saiba. Mas eu de facto não sei se Deus existe e teve um filho etc. Portanto também não sei se essa premissa de santo Agostinho é verdadeira, pois talvez não haja um Deus que corresponda a esse meu desejo.
Mas há algo muito mais simples que se pode desejar e que se alcança pelo simples facto de se desejar: agir por amor. Não apenas nesta ou naquela acção, mas fazer de toda a nossa vida um gesto de amor. Em qualquer situação isto é possível não? Talvez seja preciso ralhar com a criança, matar o terrorista, ou a barata, ou até morrer por algo ou alguém. Mas há sempre um gesto de amor possível em qualquer circunstância, não será.
Se assim for, seria possível, caso fosse esse o nosso objetivo, ser feliz, porque para o concretizar, bastava querer. Agora é natural que eu esteja a descaracterizar o argumento do santo, pois, evidentemente que eu posso desejar muitas outras coisas que consigo enquanto estiver vivo: por exemplo, posso desejar respirar. O simples facto de eu conseguir realizar o que desejo não garante que eu vá ser feliz. Mais importante é saber se a realização desse desejo me vai fazer feliz.
Ora é aqui que fazer da vida um gesto de amor pode ter algum interesse: ele simultaneamente promove o contacto e a comunicação, o conhecimento, a amizade, a auto-estima, a auto-crítica, a (re)aprendizagem, a evolução... enfim...
Então, resta-nos perguntar porque há tanto sofrimento no mundo se é assim tão fácil evitá-lo?
Bem, uma das razões é que o sofrimento tem muitas causas, umas são físicas e não dependem da realização de desejos, podem ser dores, desequilíbrios hormonais, etc. Outras vezes o nosso sofrimento deriva do sofrimento de outros (empatia / compaixão, etc). Também pode derivar da compreender a nossa insignificância e da insignificância de tudo o que fazemos à escala cósmica, ou da nossa irremediável ignorância (a fé não anula a ignorância, pode é ser um substituto para o conhecimento no que diz respeito à acção).
Mas se é assim, compreende-se que a solução do St Agostinho não seja facilmente replicável: um Deus Todo Poderoso, capaz de amar de volta, de proteger e acompanhar como ninguém parece resolver todos aqueles problemas, da insignificância, ignorância, etc. Mesmo o sofrimento dos outros parece ficar então com uma solução simples: basta que eles também ofereçam a sua vida a Deus e plof... tudo resolvido.
Uma parte (talvez pequena) de mim gostava de acreditar nisso. Mas eu acho que o mundo não anda à minha volta. Se for atropelado não foi para ter uma lição de vida, foi simplesmente porque estava no sítio errado no momento errado. As coisas acontecem por uma causa, mas essa causa raramente sou eu, normalmente são muitas outras coisas, como o condutor ter bebido um copo a mais, ou um rajada de vento ter empurrado a minha bicicleta mais para o meio da estrada e os hábitos de condução em portugal que incluem fazer razias aos ciclistas... Não tem nada a ver comigo. Haverá um Ser Todo Poderoso sempre a velar por mim? A ver tudo o que faço? A desviar os carros e as rajadas de vento caso eu me porte bem? O que eu vejo à minha volta não me leva a pensar isso. Eu vejo um mundo maravilhoso onde eu sou apenas mais uma pequena maravilha, muito pequena mesmo. Não me acho mais belo que o que me rodeia. Nem com mais valor. Sou simplesmente uma gota no oceano cósmico, na cosmic soup.
Mas precisamente essa minha participação na infinita beleza, faz da minha vida uma beata vita. Posso sofrer, e tenho sofrido, quando vou à casa de banho e as coisas não correm bem, quando os meus amigos sofrem e eu com eles, quando vejo como as coisas poderiam ser melhores. Mas, no centro, sou absolutamente feliz. A minha vida é mesmo um gesto de amor, e talvez o mesmo aconteça com a maior parte ou talvez até todos nós. Só que, quando chega à luz do dia, vem muito distorcido pela incompreensão e medo. Sei que morrerei em breve (nenhum ser humano até hoje viveu mais do que um misero século e uns trocados). Mas sinto-me feliz porque continuarei a participar de toda esta beleza tal como participei desde todo o sempre. O universo teve-me assim que nasceu, como possibilidade. Agora, improbabilidade das improbabilidades, passei de possibilidade a actualidade. Mas todas as minhas ideias, sensações e emoções ecoam e ecoavam e ecoarão já por aí, em milhares de mentes, em biliões de cérebros. É impossível que essas coisas que fazem o meu ser morram, tal como não nasceram com este corpo. 2+2 são 4 aqui e na outra ponta da Galáxia. E seriam 4 mesmo na hipótese (imensamente mais provável) de nunca ter existido este Pedro Fonseca em toda a história do universo.
E por tudo isso sou feliz, sou imensamente feliz. Oh Santo. O que eu gostaria de poder conversar contigo sobre o que afinal permite e é a chave da Beata Vita.
PS - na verdade o que eu queria dizer era isto: do que eu vejo o sofrimento psíquico vem sobretudo de querermos coisas que não nos fazem felizes. Associamos a felicidade ao prazer. Sentimos prazer quando temos um carro e pensamos que a felicidade vem de ter carros bons. Sentimos prazer quando falamos com alguém que nos ama e compreende e achamos que somos felizes se tivermos aquela pessoa ao nosso lado toda a nossa vida. Mas, no que consigo perceber, o caminho que leva à felicidade é algo quase totalmente diferente do caminho que leva aos prazeres. A felicidade é quase sempre em parte desprendimento. É um cuidar e amar solto. Enquanto que o prazer normalmente se consegue pelo apego, pela conquista e pela luta. A felicidade é a completude etérea o prazer é a conquista que se faz notar.
Quando as palavras prejudicam
"A mente mente" e não há volta a dar.
Há vários problemas com as teorias e conceitos, alguns deles são:
A realidade é demasiadamente complexa para ser modelada por modelos matemáticos. O que conseguimos são aproximações suficientemente boas para fazer computadores, aviões, naves espaciais, etc. Ou seja, funcionam bastante bem para os nossos interesses práticos. Mas se o nosso objetivo for modelar a realidade em si mesma, então isso simplesmente não existe. Temos apenas simplificações que nem sequer sabemos até que ponto são válidas.
Em segundo lugar nem tudo é descritível pela linguagem. As sensações, etc, não são conceptualmente atingíveis. Podemos nomeá-las e esperar que a minha sensação de verde seja igual à tua. Apontamos e dizemos: «isto é verde ou azul?» e esperamos a resposta. Mas é impossível saber se a minha sensação do que quer que seja corresponde à tua. Simplesmente não conseguimos comunicar isso por palavras.
Há também muitas outras coisas que não cabem na mente. O conceito de livre arbítrio é um deles, pois não é algo por acaso nem causado. No entanto não sabemos o que possa ser isso. É uma sensação que temos a que não corresponde nada no conceito.
Da mesma forma a beleza de uma música não se consegue explicar, nem para nós próprios. Posso não ter dúvidas que os "divertimentos" para flauta de Mozart são belos, deliciosos mesmo. Mas é um não ter dúvidas que só se aplica a mim. Se alguém me perguntar se aquelas melodias são belas em si mesmas, e se quem não vê a sua beleza é como se estivesse cego... ou, se pelo contrário, a beleza está no olhar de quem a vê e não existe fora dele... bem, não saberia dizê-lo. Eu nem sequer consigo explicar a mim mesmo o que é a beleza.
Em tudo isto as teorias são meramente impotentes, não prejudiciais. Mas há situações em que elas se tornam verdadeiramente prejudiciais. Por exemplo, eu sei há anos o código da minha porta. Vou lá e marco-o sem qualquer problema. Até que um dia quis dizê-lo a alguém. Ora eu sei marcar o código quando olho para o teclado. Sei a posição relativa dos dedos, e olho para os números, tudo aquilo encaixa. Mas quando tentei lembrar-me do código sem ver o teclado, surgiram-me várias hipóteses. Fiz o óbvio e fui experimentar: descobri que já não sabia o código da porta! Já não conseguia abrir a porta. O simples facto de me tentar lembrar distorceu as minhas memórias. Pensei que no dia seguinte já me conseguiria lembrar ao chegar a casa, mas nada. Durante uns dias andei com a chave até que desisti e liguei ao condomínio para me facultarem novamente o código!
Isto é apenas um de muitos exemplos de como misturar teorias, em algo que conhecemos bem de outra maneira, pode destruir o conhecimento que tínhamos.
Como beijar? O que é o amor? Como ser livre? E coisas do género, não só não ajudam como prejudicam. Para seres livre ... não, não vou entrar por aí ^_^. Mas, o que quer que eu pronunciasse, teria depois de ser desconstruído, reabsorvido, digerido e assimilado em algo mais vasto e indizível, que não cabe numa teoria. (E, em última análise, "esquecido".) Só aí recuperaria a minha autenticidade / liberdade.
Há vários problemas com as teorias e conceitos, alguns deles são:
A realidade é demasiadamente complexa para ser modelada por modelos matemáticos. O que conseguimos são aproximações suficientemente boas para fazer computadores, aviões, naves espaciais, etc. Ou seja, funcionam bastante bem para os nossos interesses práticos. Mas se o nosso objetivo for modelar a realidade em si mesma, então isso simplesmente não existe. Temos apenas simplificações que nem sequer sabemos até que ponto são válidas.
Em segundo lugar nem tudo é descritível pela linguagem. As sensações, etc, não são conceptualmente atingíveis. Podemos nomeá-las e esperar que a minha sensação de verde seja igual à tua. Apontamos e dizemos: «isto é verde ou azul?» e esperamos a resposta. Mas é impossível saber se a minha sensação do que quer que seja corresponde à tua. Simplesmente não conseguimos comunicar isso por palavras.
Há também muitas outras coisas que não cabem na mente. O conceito de livre arbítrio é um deles, pois não é algo por acaso nem causado. No entanto não sabemos o que possa ser isso. É uma sensação que temos a que não corresponde nada no conceito.
Da mesma forma a beleza de uma música não se consegue explicar, nem para nós próprios. Posso não ter dúvidas que os "divertimentos" para flauta de Mozart são belos, deliciosos mesmo. Mas é um não ter dúvidas que só se aplica a mim. Se alguém me perguntar se aquelas melodias são belas em si mesmas, e se quem não vê a sua beleza é como se estivesse cego... ou, se pelo contrário, a beleza está no olhar de quem a vê e não existe fora dele... bem, não saberia dizê-lo. Eu nem sequer consigo explicar a mim mesmo o que é a beleza.
Em tudo isto as teorias são meramente impotentes, não prejudiciais. Mas há situações em que elas se tornam verdadeiramente prejudiciais. Por exemplo, eu sei há anos o código da minha porta. Vou lá e marco-o sem qualquer problema. Até que um dia quis dizê-lo a alguém. Ora eu sei marcar o código quando olho para o teclado. Sei a posição relativa dos dedos, e olho para os números, tudo aquilo encaixa. Mas quando tentei lembrar-me do código sem ver o teclado, surgiram-me várias hipóteses. Fiz o óbvio e fui experimentar: descobri que já não sabia o código da porta! Já não conseguia abrir a porta. O simples facto de me tentar lembrar distorceu as minhas memórias. Pensei que no dia seguinte já me conseguiria lembrar ao chegar a casa, mas nada. Durante uns dias andei com a chave até que desisti e liguei ao condomínio para me facultarem novamente o código!
Isto é apenas um de muitos exemplos de como misturar teorias, em algo que conhecemos bem de outra maneira, pode destruir o conhecimento que tínhamos.
Como beijar? O que é o amor? Como ser livre? E coisas do género, não só não ajudam como prejudicam. Para seres livre ... não, não vou entrar por aí ^_^. Mas, o que quer que eu pronunciasse, teria depois de ser desconstruído, reabsorvido, digerido e assimilado em algo mais vasto e indizível, que não cabe numa teoria. (E, em última análise, "esquecido".) Só aí recuperaria a minha autenticidade / liberdade.
quinta-feira, 19 de março de 2015
O discurso humano
Há quem procure o que há de comum em todas as religiẽs: talvez a noção comum de um Deus bondoso, de salvação, etc.
No entanto há um traço ainda mais evidente que é comum a praticamente todo o discurso humano: praticamente todos os seres humanos se acham superiores à grande maioria. Qualquer razão serve: os mais inteligentes, os mais sábios, os mais rivos, os melhores amantes, os mais divertidos, os mais sensíveis, os mais aventureiros, os que vão ser qualquer coisa (salvadores, salvados, reis, parte da raça suprema ou da casta escolhida)... etc, etc...
é bom viver no meio de tantos seres superiores. Com tanta superioridade é certo que não podemos falhar ˆ_ˆ
No entanto há um traço ainda mais evidente que é comum a praticamente todo o discurso humano: praticamente todos os seres humanos se acham superiores à grande maioria. Qualquer razão serve: os mais inteligentes, os mais sábios, os mais rivos, os melhores amantes, os mais divertidos, os mais sensíveis, os mais aventureiros, os que vão ser qualquer coisa (salvadores, salvados, reis, parte da raça suprema ou da casta escolhida)... etc, etc...
é bom viver no meio de tantos seres superiores. Com tanta superioridade é certo que não podemos falhar ˆ_ˆ
quarta-feira, 18 de março de 2015
O viajante à luz do sol...
Passa pelas coisas
sem te prenderes...
elas não são tuas, nem tu delas...
cada coisa tem a sua própria origem de movimento, os seus vórtices e vértices,
os seus furacões e momentos de acalmia...
e tu és apenas o viajante
sem casa
sem destino
abandonado ao vento e perdido na imensidão do céu onde tudo está...
Passa pelas coisas
mas não és as coisas, nem és das coisas, nem elas são tuas...
Viajante: pertences apenas ao Sol (que, neste sentido, não é uma coisa)... e ao mundo (que é a totalidade das coisas) que te criou e te faz, a cada momento, assim.
sem te prenderes...
elas não são tuas, nem tu delas...
cada coisa tem a sua própria origem de movimento, os seus vórtices e vértices,
os seus furacões e momentos de acalmia...
e tu és apenas o viajante
sem casa
sem destino
abandonado ao vento e perdido na imensidão do céu onde tudo está...
Passa pelas coisas
mas não és as coisas, nem és das coisas, nem elas são tuas...
Viajante: pertences apenas ao Sol (que, neste sentido, não é uma coisa)... e ao mundo (que é a totalidade das coisas) que te criou e te faz, a cada momento, assim.
sexta-feira, 13 de março de 2015
quinta-feira, 12 de março de 2015
Ninguém nos pode tirar o que amámos
enquanto o tivermos no coração.
Só num certo sentido, claro!
Mas é um sentido com a sua importância.
---
o que dói mesmo
é tudo o que não demos
("tudo o que não deres perde-se").
Só num certo sentido, claro!
Mas é um sentido com a sua importância.
---
o que dói mesmo
é tudo o que não demos
("tudo o que não deres perde-se").
quarta-feira, 11 de março de 2015
Amor (compreensão) vs cegueira (superstição)
Pode ser verdade que "tudo tem uma causa" mas isso não implica que "a causa de tudo o que acontece seja eu".
E no entanto temos uma tendência quase inescapável de vermos tudo a girar em torno de nós. O que é normal, afinal os nossos olhos estão presos à cabeça, não andam a passear por aí. E o cérebro está ligado a um só corpo, é completamente insensível a tudo o que se passa fora dele.
Por isso é natural que no teatro interior onde representamos tudo, tudo se passe como se nós fôssemos o centro de tudo. Se aconteceu Y foi para me alertar, para me ensinar, devido ao karma, etc, etc. Claro que, se pensarmos um pouco, Y aconteceu porque biliões de coisas aconteceram antes de Y que lhe deram lugar. A história que explica Y provavelmente tem pouco ou nada a ver com dar lições morais a humanos, muito menos a mim. Mas nós gostamos de ver o mundo a girar em torno de nós. Dá-nos conforto, é coerente com aquilo que vem dos sentidos (onde nós somos o centro) e, sobretudo, dá-nos uma história de vida que somos capazes de compreender e temos a sensação de conseguir prever. E, mesmo quando não conseguimos, dizemos algo como: "Deus escreve direito por linhas tortas..." e continuamos a confiar cegamente que tudo o que acontece tem, pelo menos em parte, a ver connosco.
O eu é o ponto de partida para o conhecimento do mundo e, no entanto, ficar centrado no eu cega-nos. Queremos ser importantes, pelo menos aos olhos dos outros; mas, para conhecer o que está para lá de nós e nos deu origem, é mais importante estar aberto. Aberto ao mundo, aos outros. Num contexto humano isso consegue-se por Amor. Um amor desinteressado, um amor mais próprio da amizade do que, na nossa sociedade, chamamos de "amor" (que está mais ligado ao "matrimónio", à posse / controlo, à exclusividade, à legitimação do ciúme, ao sofrimento). O amor dos amigos intensos, que se preocupam intensamente com o bem do outro, é uma das grandes portas para o mundo, para deixarmos de ver apenas o interior da nossa carapaça e mudarmos de pontos de vista. Percebermos como é ser outro, como é ver a partir do lado de lá e viver, nem que seja tenuemente, as aventuras e objetivos, os medos e percalços, o passo seguinte, do outro.
Estar aberto ao amor / amizade neste sentido, é estar um pouco mais aberto ao mundo, um pouco mais lúcido, um pouco mais desperto... Certamente continuaremos a fazer disparates, a não ver o que está mesmo à nossa frente, a querer o que é mau para nós... tudo o que é próprio da inconsciência... mas também é certo que teremos movido, por pouco que seja, a nossa mente um pouco mais na direção da lucidez.
Há uma outra razão para viver dando amor a toda a gente: é que parece não haver outra forma de viver para quem tem coração. Não podemos negar que amamos quem amamos e o quanto amamos. Podemos não fazer grande coisa com isso. Mas já não o negar é uma enorme vitória...
Claro que... há um preço a pagar. Amar dá trabalho, exige disponibilidade, por vezes dormir pouco e fazer muito, estar atento, pensar, não fazer muitas outras coisas de que se gosta.
O que se compra com isso?
Nada... e... tudo.
E no entanto temos uma tendência quase inescapável de vermos tudo a girar em torno de nós. O que é normal, afinal os nossos olhos estão presos à cabeça, não andam a passear por aí. E o cérebro está ligado a um só corpo, é completamente insensível a tudo o que se passa fora dele.
Por isso é natural que no teatro interior onde representamos tudo, tudo se passe como se nós fôssemos o centro de tudo. Se aconteceu Y foi para me alertar, para me ensinar, devido ao karma, etc, etc. Claro que, se pensarmos um pouco, Y aconteceu porque biliões de coisas aconteceram antes de Y que lhe deram lugar. A história que explica Y provavelmente tem pouco ou nada a ver com dar lições morais a humanos, muito menos a mim. Mas nós gostamos de ver o mundo a girar em torno de nós. Dá-nos conforto, é coerente com aquilo que vem dos sentidos (onde nós somos o centro) e, sobretudo, dá-nos uma história de vida que somos capazes de compreender e temos a sensação de conseguir prever. E, mesmo quando não conseguimos, dizemos algo como: "Deus escreve direito por linhas tortas..." e continuamos a confiar cegamente que tudo o que acontece tem, pelo menos em parte, a ver connosco.
O eu é o ponto de partida para o conhecimento do mundo e, no entanto, ficar centrado no eu cega-nos. Queremos ser importantes, pelo menos aos olhos dos outros; mas, para conhecer o que está para lá de nós e nos deu origem, é mais importante estar aberto. Aberto ao mundo, aos outros. Num contexto humano isso consegue-se por Amor. Um amor desinteressado, um amor mais próprio da amizade do que, na nossa sociedade, chamamos de "amor" (que está mais ligado ao "matrimónio", à posse / controlo, à exclusividade, à legitimação do ciúme, ao sofrimento). O amor dos amigos intensos, que se preocupam intensamente com o bem do outro, é uma das grandes portas para o mundo, para deixarmos de ver apenas o interior da nossa carapaça e mudarmos de pontos de vista. Percebermos como é ser outro, como é ver a partir do lado de lá e viver, nem que seja tenuemente, as aventuras e objetivos, os medos e percalços, o passo seguinte, do outro.
Estar aberto ao amor / amizade neste sentido, é estar um pouco mais aberto ao mundo, um pouco mais lúcido, um pouco mais desperto... Certamente continuaremos a fazer disparates, a não ver o que está mesmo à nossa frente, a querer o que é mau para nós... tudo o que é próprio da inconsciência... mas também é certo que teremos movido, por pouco que seja, a nossa mente um pouco mais na direção da lucidez.
Há uma outra razão para viver dando amor a toda a gente: é que parece não haver outra forma de viver para quem tem coração. Não podemos negar que amamos quem amamos e o quanto amamos. Podemos não fazer grande coisa com isso. Mas já não o negar é uma enorme vitória...
Claro que... há um preço a pagar. Amar dá trabalho, exige disponibilidade, por vezes dormir pouco e fazer muito, estar atento, pensar, não fazer muitas outras coisas de que se gosta.
O que se compra com isso?
Nada... e... tudo.
quinta-feira, 5 de março de 2015
Jyoti Singh Pandey
O nome desta rapariga, Jyoti Singh, simboliza o sofrimento, a repressão, a humilhação, a falta de voz e de direitos que um incontável número de mulheres sofreu e sofre à volta do globo.
O documentário de Leslee Udwin, India's Daughter, mostra como esta rapariga, amada pelos pais - que lhe proporcionaram uma educação apesar do seu sexo e das dificuldades económicas em que viviam - foi destruída pelo preconceito que animou aqueles que a violaram e mataram. E é esse mesmo preconceito que anima tantos outros incontáveis casos, a maior parte deles nunca conhecidos, em que a mulher é maltratada, violada e/ou morta.
Esse documentário foi proibido pelo governo Indiano. Haverá algum sinal mais forte de ser esta uma sociedade machista onde os violadores se protegem mutuamente? Proteção essa que vem agora dos mais altos postos governamentais!
Já não bastou terem-na mudado de hospital numa altura em que as possibilidades de recuperação eram inexistentes, terem reprimido as manifestações a favor de mais igualdade, de continuarmos a assistir a pouquíssimas condenações, ainda hoje em dia, quando a mulher é violentada. E agora ainda banem o filme???
Eles é que deviam ser banidos. A única coisa que vi no documentário que pode ser considerada agressiva para a Índia, mais especificamente para o governo Indiano, é a afirmação de um dos advogados de defesa que diz mais ou menos isto:
«Há 250 deputados no parlamento indiano acusados de crimes que incluem a violação. Se querem dar o exemplo então porque não começam do topo?»
Não conheço a política indiana, mas conheço a realidade da descriminação. Acho que em nome dos direitos das mulheres em todo o mundo devemos ver este documentário. É algo que não se pode perder!
O vídeo, que estava no youtube, entretanto desapareceu! Agora só nos sites piratas. Deixo em baixo alguns outros links:
http://english.tupaki.com/enews/view/Delhi-Gang-Rape-Victims-conversation-with-Mom/17189
http://indiatoday.intoday.in/story/delhi-gangrape-victims-friend-relives-the-horrifying-84-minutes-of-december-16-night/1/309573.html
http://en.m.wikipedia.org/wiki/2012_Delhi_gang_rape
http://qz.com/356299/no-jyoti-singh-is-not-indias-daughter/
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2981515/Justice-Indian-style-Angry-mob-breaks-prison-kidnaps-man-accused-raping-student-stripping-naked-dragging-four-miles-beating-death-street.html
O documentário de Leslee Udwin, India's Daughter, mostra como esta rapariga, amada pelos pais - que lhe proporcionaram uma educação apesar do seu sexo e das dificuldades económicas em que viviam - foi destruída pelo preconceito que animou aqueles que a violaram e mataram. E é esse mesmo preconceito que anima tantos outros incontáveis casos, a maior parte deles nunca conhecidos, em que a mulher é maltratada, violada e/ou morta.
Esse documentário foi proibido pelo governo Indiano. Haverá algum sinal mais forte de ser esta uma sociedade machista onde os violadores se protegem mutuamente? Proteção essa que vem agora dos mais altos postos governamentais!
Já não bastou terem-na mudado de hospital numa altura em que as possibilidades de recuperação eram inexistentes, terem reprimido as manifestações a favor de mais igualdade, de continuarmos a assistir a pouquíssimas condenações, ainda hoje em dia, quando a mulher é violentada. E agora ainda banem o filme???
Eles é que deviam ser banidos. A única coisa que vi no documentário que pode ser considerada agressiva para a Índia, mais especificamente para o governo Indiano, é a afirmação de um dos advogados de defesa que diz mais ou menos isto:
«Há 250 deputados no parlamento indiano acusados de crimes que incluem a violação. Se querem dar o exemplo então porque não começam do topo?»
Não conheço a política indiana, mas conheço a realidade da descriminação. Acho que em nome dos direitos das mulheres em todo o mundo devemos ver este documentário. É algo que não se pode perder!
O vídeo, que estava no youtube, entretanto desapareceu! Agora só nos sites piratas. Deixo em baixo alguns outros links:
http://english.tupaki.com/enews/view/Delhi-Gang-Rape-Victims-conversation-with-Mom/17189
http://indiatoday.intoday.in/story/delhi-gangrape-victims-friend-relives-the-horrifying-84-minutes-of-december-16-night/1/309573.html
http://en.m.wikipedia.org/wiki/2012_Delhi_gang_rape
http://qz.com/356299/no-jyoti-singh-is-not-indias-daughter/
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2981515/Justice-Indian-style-Angry-mob-breaks-prison-kidnaps-man-accused-raping-student-stripping-naked-dragging-four-miles-beating-death-street.html
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
O objeto da poesia
Enquanto que a filosofia fala sobre tudo e a ciência sobre quase tudo (supostamente tudo o que se domina se bem, mas nem sempre é assim...) a poesia tem em geral um objeto muito mais específico: a relação com o que se deseja. Em geral é de desejo, frustração, conquista, desfrute ou abandono. O objeto pode ser variado, desde o próprio eu, a certos ideias ou estados de coisas, mas em geral é uma pessoa amada.
Por exemplo, a música do Jorge Palma, "Estrela do Mar" exprime essa enorme vontade de estar com alguém que desaparece. Pelo contrário a do Caetano Veloso "Não enche", exprime o oposto: a vontade de não estar com alguém que permanece. Pelo meio encontramos imensas variaçẽs, desde aquela da Mafalda Veiga "Cada lugar teu", que fala de como continuar a estar com os aspetos que amamos de quem desapareceu, passando pela muita antiga da Lara Li "Telepatia", sobre sexo, até a "Fascinação" cantada de forma imortal por Elis Regina.
Mais raro é quando o objeto do desejo é algo que está no próprio, por exemplo, a música dos Xutos e Pontapés "O Homem do Leme", pelo menos na versão original, fala desse desejo de se ser autẽntico, contra tudo e todos se for preciso.
A poesia é gira e faz-nos viajar mas só por si parece-me limitada neste sentido: deixa-nos na mesma, ou seja, podemos passar por coisas muito boas e muito más, mas todos esses sentimentos, só por si, não implicam qualquer crescimento, qualquer coisa que fique connosco quando tudo o resto se vai. Vivemos a conquista até que ela se vai e depois ficamos como estávamos antes. Vamos a correr atrás de um novo amor e volta tudo outra vez, o rodopio da vitória, derrota, humilhação, enobrecimento, ser um Deus um dia e um pedinte no outro... mas, no fim, mudámos? aprendemos? saímos diferentes dessa experiẽncia.
Penso que isso depende do modo como vivemos todas essas aventuras. Se nos focarmos na vitória ou derrota provavelmente aprenderemos muito pouco exceto que vencemos ou perdemos o objeto do nosso desejo. Mas, se contemplarmos todo o "jogo", os mecanismos pelos quais nos envolvemos, a diferença entre o que aparentamos querer e o que desejamos realmente (muitas vezes sem o saber "conscientemente" - ou seja, sem o conseguir verbalizar), os múltiplos significados da palavra "amor, muitas vezes contraditórios e até opostos... enfim... se formos refletindo nos porquês então sim, talvez saiamos mais engrandecidos dessa experiência, seja ela qual for.
No fundo, a nossa vida emocional, nessa perspetiva, é como uma enorme telenovela. E os resultados de a viver acabam por ter semelhanças com ver uma telenovela: em ambos os casos somos envolvidos, vibramos, amamos, sofremos, exultamos, vivemos exaltados mil e uma coisas, mas... se aprendemos ou não com isso, vai depender do "trabalho de casa" que fazemos a seguir a cada episódio. Temos de ter um espaço, um tempo, para pensar sobre o que acabámos de ver / viver.
É pena, nesta perspetiva da aprendizagem, que a seguir a um programa a tv não guarde uns minutos com apenas um ecrã preto e silêncio absoluto. Para dar lugar à assimilação do que acabámos de "comer". Da maneira que existe, muito mais "lucrativa" (no sentido de dar ainda mais os cobiçados papeis impressos pela UE - vulgo "dinheiro" - a uma elite) mas não dando tempo para pensar, aquilo que comemos vai diretamente ao ãnus, para dar espaço ao que vem a seguir.
Num certo sentido, se não assimilarmos, se não pensarmos, se não refletirmos, no que nos acontece, somos apenas uma máquina de fazer caca. Mesmo aqueles que conquistam de facto os seus amores.
É um pensamento engraçado (de que me vou esquecer rapidamente).
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
Amores irreais e cartas de amor ridículas
Já foi há tanto tempo que me parece agora um sonho, algo impossível de me acontecer, agora que me pareço mais lúcido. Mas hoje, ao reler por acaso velhos diários, reencontrei esse Pedro do passado que viveu tantos amores impossíveis.
Os amores impossíveis são, ao mesmo tempo, engraçados! Pois, quem os vive, vive uma grande aventura onde ele é não só o principal personagem, o cenarista, o escritor, realizador, compositor, audiência, etc. "lança os foguetes e apanha as canas!"
Eu tive vários amores verdadeiros, que nunca passaram. Uns mais correspondidos que outros, mas, perante todos, eu me ajoelho com a veneração de um fiel que se ajoelha perante Deus: com um sentido de missão e dedicação total, sendo que, na prática, apenas posso mostrar um insignificante reflexo da luz que me anima por aqueles que amo. Aí incluo, na primeira fila, os meus pais e irmãs e aquelas muito poucas pessoas que partilharam o meu olhar mais profundo.
Mas o amor impossível não é o meramente não-correspondido ou impossível devido à distância, mal-entendidos ou outro contexto. Não vejo nada de errado em continuar a querer o bem a quem não nos ama. O pai e a mãe demonstram muitas vezes o seu amor nas fases mais difíceis em que o filho quer ser "independente", etc. Chamo aqui de "amor impossível", não ao amor meramente inconcretizável, mas ao amor de alguém que apenas parece existir, a uma "persona" que inventámos na nossa mente e projetámos sobre algum pobre coitado que agora tem de sofrer as nossas investidas como se de algo absolutamente mágico se tratasse.
Claro que temos todos um aspeto mágico: somos filhos das estrelas, compostos de triliões de células, com uma história que se entrelaça com praticamente todos os outros seres da terra e se estende até ao princípio do tempo, e capazes dos maiores sonhos, das maiores barbaridades.... claro que sim, cada um de nós tem um aspecto mágico. O problema é quando precisamos que aquela pessoa seja compreensiva ao ponto de compreender os nossos aspetos mais profundos, quando precisamos que seja sábia ao ponto de nos guiar, quando precisamos que seja bela ao ponto de nos encantar e deixar cegos de luz... Ah pois! Nem toda a gente é assim. Na verdade talvez não haja alguém assim. Se nem nós próprios, que nos conhecemos há tanto tempo, nos compreendemos, quanto mais os outros.
Mas, se nem toda a gente é assim, há muita gente a quem talvez consigamos enfiar a carapuça, ou meter a máscara.
Acho que só tive um amor impossível, mas foi tão intenso e durou tanto tempo (talvez 3 a 4 anos), que a gargalhada que agora dou ao olhar para trás, é verdadeiramente colossal! Pobre de mim, pobre dela. As coisas disparatadas que eu disse e fiz! As coisas que a pobre teve de sofrer vindas de mim. E no fundo até podíamos ter sido amigos. Éramos colegas de faculdade e nada havia que levasse a que fôssemos mais do que isso. E, no entanto, sobre a imagem daquela rapariga frágil e preconceituosa, cheia de mentiras que vestia como ideais, eu consegui projetar a imagem desse ser perfeito, dessa Deusa - companheira ancestral cheia de Luz e Liberdade - seríamos os companheiros ideais.
Como é possível que a ilusão tivesse durado tanto tempo? Bem, claro está, isto dos amores impossíveis torna-se mais possível se eles não se virem. E nós estivemos quase sempre afastados. O telefone não era suficiente para estilhaçar a máscara nem os parcos encontros pelos corredores da faculdade. De modo que a verdade só se anunciou por um enorme multiplicar de ausências e de silêncios, de incompreensões que, de tantas, se revelaram como tal. Ao fim de muitos anos de "amor impossível" aceitei a verdade - era tudo ilusão - e a face da jovem frágil, colega de curso, voltou surpreendentemente à minha memória e substituiu a da princesa etérea anterior. Finalmente lembrava-me dos seus traços reais, das coisas parvas que dizia das aulas e dos colegas, de toda a sua superficialidade. Não era uma má pessoa, muito pelo contrário, era uma excelente pessoa, e talvez até pudéssemos ter sido "amigos", com as devidas distâncias. Era aquela, frágil rapariga, tão distante do que eu era e queria, que me tinha servido para projetar o meu sonho!
E enquanto vivi obcecado pelo ideal, muitas realidades, infinitamente mais belas e enriquecedoras para mim, me passaram ao lado. Deixei fugir a beleza que estava ali, à mão de semear, tão infinita, tão diversa, para me perder na beleza projetada pelas minhas necessidades.
O cómico nisto tudo é toda a enorme intensidade de sentimentos, amor e ódio, necessidade e esperança, em doses descomunais, e depois ver como isto só existe na cabeça daquela pessoa (eu), e como teria sido tão simples desmontar todo o teatro e simplesmente apreciar o vento, o sol e o mar.
Por outro lado também é cómico ver a diferença entre a pessoa que é o objeto da nossa "obsessão" (não consigo chamar-lhe amor) e aquilo que vemos nela. Pois a distância entre ambas é tão abissal que é praticamente impossível levar a sério essa confusão entre duas coisas tão distintas. Apetece mesmo dizer: oh Pedro!, mereces bem o inferno em que te meteste!
Neste poema de 97 escrevi:
"Nos teus olhos encontrei a Beleza
de um tempo tão longínquo..."
Como eu gostava de voltar atrás no tempo e dizer: «Oh Pedro! A Beleza é real sim, e continua cá, está a toda a tua volta: "como os medicamentos estão nas plantas" (Paul Simon), é preciso apenas sabê-la destilar. Mas essa miúda, deixa-a ir em paz... Essa miúda não é uma feiticeira (Jorge Palma), nem sequer tem muito a ver contigo: és tu o feiticeiro que distorceste a sua figura no teu olhar. Open your eyes! Open your eyes and see: the Beauty is all around you, it is boundless, it is within you and it transcends you...»
Enfim, felizmente tive também grandes amores. Aliás, tive amores de todos os tamanhos e feitios. Essa colega acaba também por ser um daqueles amores que colocamos entre os amigos e os conhecidos. Em relação a todos esses Gigantescos, médios e pequenos amores, espero que nunca deixem o meu coração. Quanto às ilusões, só mesmo para rir mais tarde!
Em suma, nem todas as cartas de amor são ridículas. Mas as que o são, são mesmo muiiiiito ridículas!
Os amores impossíveis são, ao mesmo tempo, engraçados! Pois, quem os vive, vive uma grande aventura onde ele é não só o principal personagem, o cenarista, o escritor, realizador, compositor, audiência, etc. "lança os foguetes e apanha as canas!"
Eu tive vários amores verdadeiros, que nunca passaram. Uns mais correspondidos que outros, mas, perante todos, eu me ajoelho com a veneração de um fiel que se ajoelha perante Deus: com um sentido de missão e dedicação total, sendo que, na prática, apenas posso mostrar um insignificante reflexo da luz que me anima por aqueles que amo. Aí incluo, na primeira fila, os meus pais e irmãs e aquelas muito poucas pessoas que partilharam o meu olhar mais profundo.
Mas o amor impossível não é o meramente não-correspondido ou impossível devido à distância, mal-entendidos ou outro contexto. Não vejo nada de errado em continuar a querer o bem a quem não nos ama. O pai e a mãe demonstram muitas vezes o seu amor nas fases mais difíceis em que o filho quer ser "independente", etc. Chamo aqui de "amor impossível", não ao amor meramente inconcretizável, mas ao amor de alguém que apenas parece existir, a uma "persona" que inventámos na nossa mente e projetámos sobre algum pobre coitado que agora tem de sofrer as nossas investidas como se de algo absolutamente mágico se tratasse.
Claro que temos todos um aspeto mágico: somos filhos das estrelas, compostos de triliões de células, com uma história que se entrelaça com praticamente todos os outros seres da terra e se estende até ao princípio do tempo, e capazes dos maiores sonhos, das maiores barbaridades.... claro que sim, cada um de nós tem um aspecto mágico. O problema é quando precisamos que aquela pessoa seja compreensiva ao ponto de compreender os nossos aspetos mais profundos, quando precisamos que seja sábia ao ponto de nos guiar, quando precisamos que seja bela ao ponto de nos encantar e deixar cegos de luz... Ah pois! Nem toda a gente é assim. Na verdade talvez não haja alguém assim. Se nem nós próprios, que nos conhecemos há tanto tempo, nos compreendemos, quanto mais os outros.
Mas, se nem toda a gente é assim, há muita gente a quem talvez consigamos enfiar a carapuça, ou meter a máscara.
Acho que só tive um amor impossível, mas foi tão intenso e durou tanto tempo (talvez 3 a 4 anos), que a gargalhada que agora dou ao olhar para trás, é verdadeiramente colossal! Pobre de mim, pobre dela. As coisas disparatadas que eu disse e fiz! As coisas que a pobre teve de sofrer vindas de mim. E no fundo até podíamos ter sido amigos. Éramos colegas de faculdade e nada havia que levasse a que fôssemos mais do que isso. E, no entanto, sobre a imagem daquela rapariga frágil e preconceituosa, cheia de mentiras que vestia como ideais, eu consegui projetar a imagem desse ser perfeito, dessa Deusa - companheira ancestral cheia de Luz e Liberdade - seríamos os companheiros ideais.
Como é possível que a ilusão tivesse durado tanto tempo? Bem, claro está, isto dos amores impossíveis torna-se mais possível se eles não se virem. E nós estivemos quase sempre afastados. O telefone não era suficiente para estilhaçar a máscara nem os parcos encontros pelos corredores da faculdade. De modo que a verdade só se anunciou por um enorme multiplicar de ausências e de silêncios, de incompreensões que, de tantas, se revelaram como tal. Ao fim de muitos anos de "amor impossível" aceitei a verdade - era tudo ilusão - e a face da jovem frágil, colega de curso, voltou surpreendentemente à minha memória e substituiu a da princesa etérea anterior. Finalmente lembrava-me dos seus traços reais, das coisas parvas que dizia das aulas e dos colegas, de toda a sua superficialidade. Não era uma má pessoa, muito pelo contrário, era uma excelente pessoa, e talvez até pudéssemos ter sido "amigos", com as devidas distâncias. Era aquela, frágil rapariga, tão distante do que eu era e queria, que me tinha servido para projetar o meu sonho!
E enquanto vivi obcecado pelo ideal, muitas realidades, infinitamente mais belas e enriquecedoras para mim, me passaram ao lado. Deixei fugir a beleza que estava ali, à mão de semear, tão infinita, tão diversa, para me perder na beleza projetada pelas minhas necessidades.
O cómico nisto tudo é toda a enorme intensidade de sentimentos, amor e ódio, necessidade e esperança, em doses descomunais, e depois ver como isto só existe na cabeça daquela pessoa (eu), e como teria sido tão simples desmontar todo o teatro e simplesmente apreciar o vento, o sol e o mar.
Por outro lado também é cómico ver a diferença entre a pessoa que é o objeto da nossa "obsessão" (não consigo chamar-lhe amor) e aquilo que vemos nela. Pois a distância entre ambas é tão abissal que é praticamente impossível levar a sério essa confusão entre duas coisas tão distintas. Apetece mesmo dizer: oh Pedro!, mereces bem o inferno em que te meteste!
Neste poema de 97 escrevi:
"Nos teus olhos encontrei a Beleza
de um tempo tão longínquo..."
Como eu gostava de voltar atrás no tempo e dizer: «Oh Pedro! A Beleza é real sim, e continua cá, está a toda a tua volta: "como os medicamentos estão nas plantas" (Paul Simon), é preciso apenas sabê-la destilar. Mas essa miúda, deixa-a ir em paz... Essa miúda não é uma feiticeira (Jorge Palma), nem sequer tem muito a ver contigo: és tu o feiticeiro que distorceste a sua figura no teu olhar. Open your eyes! Open your eyes and see: the Beauty is all around you, it is boundless, it is within you and it transcends you...»
Enfim, felizmente tive também grandes amores. Aliás, tive amores de todos os tamanhos e feitios. Essa colega acaba também por ser um daqueles amores que colocamos entre os amigos e os conhecidos. Em relação a todos esses Gigantescos, médios e pequenos amores, espero que nunca deixem o meu coração. Quanto às ilusões, só mesmo para rir mais tarde!
Em suma, nem todas as cartas de amor são ridículas. Mas as que o são, são mesmo muiiiiito ridículas!
sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
Será o finito uma ilusão?
A função 1/√x tende para infinito junto ao zero. Se a desenharmos é algo do género:
Apesar de se aproximar rapidamente do zero (a linha vertical) ela nunca chega de facto a tocar-lhe. Em vez disso os valores aumentam cada vez mais à medida que nos aproximamos do zero. 1/√0,01 = 10, 1/√0,0001 = 100, etc. No zero a função não é definida (1/√0 não tem significado). Portanto, a linha desenhada por esta função, entre 0 e qualquer outro número, por exemplo, entre 0 e 1, tem um comprimento infinito. No entanto o mesmo não acontece com a área que essa linha envolve. Por exemplo a área delimitada por essa linha infinita, entre 0 e 1 é igual a 2. Nem é um número muito grande para uma linha infinita! Devemos clarificar o que essa igualdade significa. Significa que à medida que vamos contando mais e mais área delimitada por essa linha infinitamente grande, vamo-nos aproximando cada vez mais de uma quantidade de área igual a 2. Nunca conseguiremos chegar exatamente ao dois, mas sabemos que se fosse possível "chegar ao infinito", ao fim da linha sem fim, então a área seria exatamente dois.
O mesmo acontece com fractais como o floco de neve de Koch cuja linha tem um comprimento infinito devido à sua complexidade. No entanto a área tem um valor que se aproxima cada vez mais de 8/5 do valor do triângulo inicial.
Não é inteiramente claro que haja no universo algo como um floco de neve de Koch. Poderá haver um limite para o muito pequeno, um conjunto de partículas verdadeiramente elementares, indivisíveis. Isso parece provável dado o conhecimento atual, mas mesmo que a realidade se venha a revelar infinitamente divisível, o que estaria contra as presentes teorias (a física quântica estabelece quantidades mínimas de energia, matéria e tempo, pelo menos), mesmo assim essa divisibilidade não seria deste género, tão simples (self-similar).
No entanto, as nossas teorias científicas descrevem um mundo cheio de infinitos do primeiro tipo. Por exemplo, as forças que regem o universo, desde a gravidade ao eletromagnetismo, diminuem com a distância, no entanto o seu efeito nunca para. Tal como o nosso gráfico de 1/√x a sua influência torna-se apenas mais pequena sem nunca desaparecer. Na realidade, o cálculo dos infinitos foi desenvolvido precisamente por Newton e Leibniz (na sequência de uma descoberta de Barrow), físicos que procuravam compreender o mundo à sua volta.
Mas como é possível que haja algo como o infinito num mundo cheio de limites como o nosso? Afinal tudo o que vemos parece limitado. Um quilo de açúcar, um litro de água... Mas o infinito cabe dentro do finito precisamente porque se conjuga com outros infinitos. Por exemplo, a nossa linha infinita de 1/√x produz uma área finita porque essa linha aproxima-se infinitamente (sem nunca tocar) da linha vertical y=0. Por isso, apesar de a linha nunca acabar ela vai traçando uma área que também nunca para de ficar mais exígua, mais próxima do zero. Essa conjungação do infinitamente pequeno com o infinitamente grande permite, por vezes, criar coisas de dimensão finita e por vezes até determinável (a representação do conjunto de Mandelbrot dá origem a uma "área" finita mas talvez já não precisamente mensurável).
Talvez todo o nosso universo seja assim, um produto da conjugação de múltiplos infinitos que, anulando-se de certa maneira, dão origem ao que vemos, a uma certa "ilusão" de que vivemos num mundo finito, quando, na realidade, o infinito estaria por toda a parte.
Outro exemplo é o de uma série de números, por exemplo:
1/2 + 1/4 + 1/8 + ... + 1/2^n + ...
Esta soma, à medida que vamos somando mais e mais parcelas aproxima-se de 1. Se conseguíssemos chegar ao fim desta soma sem fim, chegaríamos exatamente a 1. Mesmo para percebermos algo como a velocidade instantânea temos de dividir a distância percorrida num tempo infinitamente pequeno, a mesma coisa com a aceleração instantânea, etc. Sempre que queremos abordar o mundo aparecem-nos estes infinitos, o infinito em todas as direções.
Por outro lado nós sentimo-nos muito mais confortáveis se acreditarmos que o mundo se reduz a explicações simples de mecanismos rudimentares que, quando compostos, dão origem à aparente diversidade e complexidade de tudo quanto vemos. O reducionismo é a tentativa de reduzir a explicação de tudo quanto existe aos seus componentes básicos que, queremos acreditar, devem ser simples. Assim, tudo o que é complicado, por exemplo um relógio ou um computador, pode ser explicado a partir dos seus componentes, cada um deles com um funcionamento simples. A célula a partir do adn, um organismo vivo a partir da célula, a consciência a partir do cérebro, a inteligência a partir de um conjunto de processos automáticos, cada um deles mecânico e "cego", etc. A ideia de que tudo pode ser explicado a partir de partes simples remonta pelo menos aos atomistas da Grécia antiga, e foi retomada por muitos outros, como Hobbes, no renascimento, e hoje temos cientistas como Dawkins, entre muitos outros, que a defendem. Mas não passa de uma esperança pois o que aprendemos do mundo microscópico é precisamente o contrário: ele não parece simples, pelo contrário, muitas vezes o mundo macroscópico é mais fácil de prever e de explicar do que o mundo microscópico que o constitui. Por exemplo é muito mais fácil explicar o comportamento de um gás do que de qualquer um dos seus átomos. Em muitos casos, à medida que avançamos para o muito pequeno a complexidade tende a aumentar. Isto acontece porque, estatisticamente, os diversos comportamentos dos indivíduos, tendem a gerar uma massa onde todas essas diferenças fazem uma média que é previsível. Por exemplo, seria muito difícil prever qual o consumo elétrico que eu vou fazer hoje (até para mim mesmo) mas já é mais simples prever o consumo elétrico de um bairro, de uma cidade ou de um país. Da mesma forma é difícil prever o estado do tempo para os próximos dias, mas já é mais fácil prever o clima. Tal como é difícil saber quais os números que vão sair no totoloto mas já é fácil calcular sem grande erro quantos irão ganhar o prémio máximo durante o próximo ano.
Pode parecer contra-intuitivo que os componentes tenham comportamentos mais complexos que os conjuntos que formam, afinal temos muitos exemplos do contrário: um jogo com regras simples pode tornar-se muito complexo. Um computador funciona a partir de circuitos lógicos simples que, adicionados aos milhões numa certa ordem, permitem o comportamento complexo que se vê. Da mesma forma um neurónio tem um comportamento muito mais simples e limitado do que um cérebro. Não seria de esperar então que um átomo fosse supremamente simples? Eu penso que sim, para os atomistas gregos os átomos seriam como bolas de bilhar que chocavam uns contra os outros e reagiam de forma bastante simples e previsível. Mas, quando investigados, os átomos revelaram ser coisas bem diferentes: o mundo não é aquilo que se esperava. As equações que descrevem o mundo atómico são tudo menos simples, e incluem não só números reais mas também imaginários cuja interpretação realista é difícil de compreender. Mas mesmo sem a parte imaginária das equações, o que é certo é que o comportamento atómico não é de todo previsível, aliás, a acreditar na interpretação de Copenhaga, nem se pode falar de um mundo bem definido à escala atómica. O que quer que exista a essa escala estaria para lá dos nossos conceitos, formados pela experiência quotidiana dos fenómenos macroscópicos.
Seja o que for que a evolução da ciência traga, uma coisa parece certa: a nossa visão simplista, reducionista, mecanicista, do universo parece bonita, confortável, uma crença que oferece muita segurança, mais uma religião com a qual nos podemos esquecer da nossa perfeita ignorância... mas, não é apenas pouco provável: é refutada pelos factos. Que os seus proponentes acreditem que está alicerçada na ciência é a suprema ironia.
O mesmo acontece com fractais como o floco de neve de Koch cuja linha tem um comprimento infinito devido à sua complexidade. No entanto a área tem um valor que se aproxima cada vez mais de 8/5 do valor do triângulo inicial.
Não é inteiramente claro que haja no universo algo como um floco de neve de Koch. Poderá haver um limite para o muito pequeno, um conjunto de partículas verdadeiramente elementares, indivisíveis. Isso parece provável dado o conhecimento atual, mas mesmo que a realidade se venha a revelar infinitamente divisível, o que estaria contra as presentes teorias (a física quântica estabelece quantidades mínimas de energia, matéria e tempo, pelo menos), mesmo assim essa divisibilidade não seria deste género, tão simples (self-similar).
No entanto, as nossas teorias científicas descrevem um mundo cheio de infinitos do primeiro tipo. Por exemplo, as forças que regem o universo, desde a gravidade ao eletromagnetismo, diminuem com a distância, no entanto o seu efeito nunca para. Tal como o nosso gráfico de 1/√x a sua influência torna-se apenas mais pequena sem nunca desaparecer. Na realidade, o cálculo dos infinitos foi desenvolvido precisamente por Newton e Leibniz (na sequência de uma descoberta de Barrow), físicos que procuravam compreender o mundo à sua volta.
Mas como é possível que haja algo como o infinito num mundo cheio de limites como o nosso? Afinal tudo o que vemos parece limitado. Um quilo de açúcar, um litro de água... Mas o infinito cabe dentro do finito precisamente porque se conjuga com outros infinitos. Por exemplo, a nossa linha infinita de 1/√x produz uma área finita porque essa linha aproxima-se infinitamente (sem nunca tocar) da linha vertical y=0. Por isso, apesar de a linha nunca acabar ela vai traçando uma área que também nunca para de ficar mais exígua, mais próxima do zero. Essa conjungação do infinitamente pequeno com o infinitamente grande permite, por vezes, criar coisas de dimensão finita e por vezes até determinável (a representação do conjunto de Mandelbrot dá origem a uma "área" finita mas talvez já não precisamente mensurável).
Talvez todo o nosso universo seja assim, um produto da conjugação de múltiplos infinitos que, anulando-se de certa maneira, dão origem ao que vemos, a uma certa "ilusão" de que vivemos num mundo finito, quando, na realidade, o infinito estaria por toda a parte.
Outro exemplo é o de uma série de números, por exemplo:
1/2 + 1/4 + 1/8 + ... + 1/2^n + ...
Esta soma, à medida que vamos somando mais e mais parcelas aproxima-se de 1. Se conseguíssemos chegar ao fim desta soma sem fim, chegaríamos exatamente a 1. Mesmo para percebermos algo como a velocidade instantânea temos de dividir a distância percorrida num tempo infinitamente pequeno, a mesma coisa com a aceleração instantânea, etc. Sempre que queremos abordar o mundo aparecem-nos estes infinitos, o infinito em todas as direções.
Por outro lado nós sentimo-nos muito mais confortáveis se acreditarmos que o mundo se reduz a explicações simples de mecanismos rudimentares que, quando compostos, dão origem à aparente diversidade e complexidade de tudo quanto vemos. O reducionismo é a tentativa de reduzir a explicação de tudo quanto existe aos seus componentes básicos que, queremos acreditar, devem ser simples. Assim, tudo o que é complicado, por exemplo um relógio ou um computador, pode ser explicado a partir dos seus componentes, cada um deles com um funcionamento simples. A célula a partir do adn, um organismo vivo a partir da célula, a consciência a partir do cérebro, a inteligência a partir de um conjunto de processos automáticos, cada um deles mecânico e "cego", etc. A ideia de que tudo pode ser explicado a partir de partes simples remonta pelo menos aos atomistas da Grécia antiga, e foi retomada por muitos outros, como Hobbes, no renascimento, e hoje temos cientistas como Dawkins, entre muitos outros, que a defendem. Mas não passa de uma esperança pois o que aprendemos do mundo microscópico é precisamente o contrário: ele não parece simples, pelo contrário, muitas vezes o mundo macroscópico é mais fácil de prever e de explicar do que o mundo microscópico que o constitui. Por exemplo é muito mais fácil explicar o comportamento de um gás do que de qualquer um dos seus átomos. Em muitos casos, à medida que avançamos para o muito pequeno a complexidade tende a aumentar. Isto acontece porque, estatisticamente, os diversos comportamentos dos indivíduos, tendem a gerar uma massa onde todas essas diferenças fazem uma média que é previsível. Por exemplo, seria muito difícil prever qual o consumo elétrico que eu vou fazer hoje (até para mim mesmo) mas já é mais simples prever o consumo elétrico de um bairro, de uma cidade ou de um país. Da mesma forma é difícil prever o estado do tempo para os próximos dias, mas já é mais fácil prever o clima. Tal como é difícil saber quais os números que vão sair no totoloto mas já é fácil calcular sem grande erro quantos irão ganhar o prémio máximo durante o próximo ano.
Pode parecer contra-intuitivo que os componentes tenham comportamentos mais complexos que os conjuntos que formam, afinal temos muitos exemplos do contrário: um jogo com regras simples pode tornar-se muito complexo. Um computador funciona a partir de circuitos lógicos simples que, adicionados aos milhões numa certa ordem, permitem o comportamento complexo que se vê. Da mesma forma um neurónio tem um comportamento muito mais simples e limitado do que um cérebro. Não seria de esperar então que um átomo fosse supremamente simples? Eu penso que sim, para os atomistas gregos os átomos seriam como bolas de bilhar que chocavam uns contra os outros e reagiam de forma bastante simples e previsível. Mas, quando investigados, os átomos revelaram ser coisas bem diferentes: o mundo não é aquilo que se esperava. As equações que descrevem o mundo atómico são tudo menos simples, e incluem não só números reais mas também imaginários cuja interpretação realista é difícil de compreender. Mas mesmo sem a parte imaginária das equações, o que é certo é que o comportamento atómico não é de todo previsível, aliás, a acreditar na interpretação de Copenhaga, nem se pode falar de um mundo bem definido à escala atómica. O que quer que exista a essa escala estaria para lá dos nossos conceitos, formados pela experiência quotidiana dos fenómenos macroscópicos.
Seja o que for que a evolução da ciência traga, uma coisa parece certa: a nossa visão simplista, reducionista, mecanicista, do universo parece bonita, confortável, uma crença que oferece muita segurança, mais uma religião com a qual nos podemos esquecer da nossa perfeita ignorância... mas, não é apenas pouco provável: é refutada pelos factos. Que os seus proponentes acreditem que está alicerçada na ciência é a suprema ironia.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
A matemática é poesia de Deus
Se Deus existisse teria de ser não só poeta mas também o melhor poeta de sempre, que teria já pré-escrito todas as poesias que nós apenas reinventámos. O nosso conceito de Deus (vindo de filósofos como Plotino e transmitido pela fé cristã e outras) é de que ele é absolutamente perfeito, logo teria de ser tudo o que há de bom, o supremo pintor, o supremo peixe, a suprema ave, o supremo homem, o supremo planeta, o supremo rato. Ou, melhor dizendo, nenhuma dessas coisas em particular, mas o que elas têm de bom. Assim se um rato tiver amor pelos filhos, e um peixe também, e um macaco também, Deus terá o amor supremo e também a inteligência suprema, a energia suprema, etc de todas as coisas sem ter os contornos (limites) de nenhuma em particular.
Ora a linguagem humana, feita de verbos, substantivos e outras partículas, fez-se para guardar mentes. Ou seja, um conjunto de palavras guardadas num livro contém uma maneira de ver o mundo, de ser. Mas quem sabe se esse conjunto de palavras está certo ou errado? Quem sabe se Deus (não) existe. Há muitas crenças, muitas fés, e a linguagem humana tem espaço para todas elas. A escrita não distingue os sábios dos loucos, aliás, muitos dos maiores sábios do passado parecem loucos nos nossos dias dadas as suas crenças sobre o funcionamento do fígado ou a circulação do sangue no corpo e tantas outras que se revelaram completamente falsas.
Já a matemática, sendo muito mais simples, consistindo essencialmente da noção de identidade / igualdade, unidade / conjunto (a partir da qual se constrói a conceção de 1 e, dele, todos os outros números), e operação de soma (sobre a qual se constroem todas as outras funções), impede-nos de fazer erros.
2+2+2=3x2=(1+1)+(2*2)=...
Há uma infinidade de maneiras de produzir os mesmos resultados e todas elas têm de ser coerentes. Portanto é difícil fazer um erro que permaneça escondido durante muito tempo, isto enquanto a matemática em si permanecer clara. Por exemplo, as definições de Cauchy do cálculo infinitesimal permitiram estabelecer com rigor de que se falava quando se falava de um limite (http://arxiv.org/abs/1205.0174). É precisamente esse rigor, mantido em cada passo, que nos mantém mais lúcidos e que nos permitiu desenvolver, por exemplo a astrofísica.
Em geral não associamos o rigor às artes já que as artes, incluindo a poesia, são precisamente a libertação da imaginação, a criação de novos mundos, que podem ter pouco a ver com aquilo que existe. Mas tal como uma melodia harmoniosa exige uma sequência muito precisa, para ser bela, também a matemática exige premissas e conclusões muito precisas para ser verdadeira e abrangente. É nesse sentido que afirmo ser ela "poesia de Deus", pois obriga-nos a estar no caminho da lucidez. E que melhor caminho senão o da lucidez, da luz, da transparência, para chegar a Deus e para ver Deus, mesmo que seja só para suspeitar que Ele (não) existe?
Ora a linguagem humana, feita de verbos, substantivos e outras partículas, fez-se para guardar mentes. Ou seja, um conjunto de palavras guardadas num livro contém uma maneira de ver o mundo, de ser. Mas quem sabe se esse conjunto de palavras está certo ou errado? Quem sabe se Deus (não) existe. Há muitas crenças, muitas fés, e a linguagem humana tem espaço para todas elas. A escrita não distingue os sábios dos loucos, aliás, muitos dos maiores sábios do passado parecem loucos nos nossos dias dadas as suas crenças sobre o funcionamento do fígado ou a circulação do sangue no corpo e tantas outras que se revelaram completamente falsas.
Já a matemática, sendo muito mais simples, consistindo essencialmente da noção de identidade / igualdade, unidade / conjunto (a partir da qual se constrói a conceção de 1 e, dele, todos os outros números), e operação de soma (sobre a qual se constroem todas as outras funções), impede-nos de fazer erros.
2+2+2=3x2=(1+1)+(2*2)=...
Há uma infinidade de maneiras de produzir os mesmos resultados e todas elas têm de ser coerentes. Portanto é difícil fazer um erro que permaneça escondido durante muito tempo, isto enquanto a matemática em si permanecer clara. Por exemplo, as definições de Cauchy do cálculo infinitesimal permitiram estabelecer com rigor de que se falava quando se falava de um limite (http://arxiv.org/abs/1205.0174). É precisamente esse rigor, mantido em cada passo, que nos mantém mais lúcidos e que nos permitiu desenvolver, por exemplo a astrofísica.
Em geral não associamos o rigor às artes já que as artes, incluindo a poesia, são precisamente a libertação da imaginação, a criação de novos mundos, que podem ter pouco a ver com aquilo que existe. Mas tal como uma melodia harmoniosa exige uma sequência muito precisa, para ser bela, também a matemática exige premissas e conclusões muito precisas para ser verdadeira e abrangente. É nesse sentido que afirmo ser ela "poesia de Deus", pois obriga-nos a estar no caminho da lucidez. E que melhor caminho senão o da lucidez, da luz, da transparência, para chegar a Deus e para ver Deus, mesmo que seja só para suspeitar que Ele (não) existe?
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